Parcerias com o Estado requerem persistência das organizações da sociedade civil

Por: GIFE| Notícias| 27/10/2003

MÔNICA HERCULANO
Repórter do redeGIFE

A consciência de co-responsabilidade pelo desenvolvimento do Brasil tem levado, cada vez mais, muitas organizações do terceiro setor a gerar um conjunto de conceitos, métodos e práticas que tenham resultados efetivos e possam ser aplicados em larga escala. A conseqüência é um número crescente de elaboração de políticas públicas baseadas em experiências bem-sucedidas de ONGs, empresas, institutos e fundações privadas.

A possibilidade de parceria entre o Estado e a sociedade civil organizada foi o tema de duas plenárias do Encontro GIFE 2003, evento anual exclusivo para associados, realizado na última semana.

“”A parceria entre o público e o privado é necessária e fundamental. No Brasil, soluções no varejo não adiantam mais. Precisamos pensar em soluções no atacado””, afirmou Marcos Magalhães, presidente da Philips do Brasil, durante o evento.

Alvarez garante que o novo governo está disponível para atuar em conjunto com a sociedade civil.

Cezar Santos Alvarez, subsecretário-geral da Presidência da República, destacou a disponibilidade do novo governo em atuar em conjunto com a sociedade civil. “”Para algumas ações estratégicas, não basta a nossa vontade, tampouco uma articulação parlamentar. É impossível o Estado achar que deve se dotar histórica, conceitual, econômica e fiscalmente da capacidade de dar conta das novas necessidades da sociedade, mais complexas, mais amplas, mais setoriais e mais caras.””

Para Tânia Mara Dornellas, coordenadora de projetos da ONG Missão Criança, quando um projeto social é adotado como política pública, isso significa que as ações foram reconhecidas como efetivas no atendimento das necessidades coletivas de determinada comunidade.

Além do reconhecimento para a organização, isso é vantajoso para o governo e para a sociedade, pois a metodologia já foi testada e aprovada. “”Transformado em política pública, o projeto ganha maior abrangência, o que significa que as ações de sucesso serão disseminadas e um número maior de pessoas será beneficiado.””

A Missão Criança atua no combate à pobreza e exclusão social, especialmente por meio de investimentos na área de educação. Criada em 1998 pelo atual ministro da Educação, Cristovam Buarque, a organização foi responsável pela implementação do programa Bolsa-Escola no Brasil e em países como Argentina, Chile, Bolívia, El Salvador e Moçambique.

Desafios – Matias Rath, coordenador do método Mãe-Canguru na Fundação Orsa, acredita que houve um amadurecimento da sociedade civil, que, além de apontar os problemas e reivindicar melhorias, passou a contribuir para a sua solução. “”Além disso, as propostas e as ações conduzidas pelas organizações não-governamentais apresentam resultados indiscutíveis.””

Por outro lado, ele lembra que a complexidade com relação aos processos de licitação e prestação de contas é muito maior quando se busca uma parceria com órgãos públicos. “”A tomada de decisões costuma ser muito mais ágil quando se fecha uma parceria com organizações sociais. Porém, as ações conjuntas com o Estado são sempre importantes por representarem a possibilidade de interferir, fortalecer e criar espaços para propor políticas públicas.””

O método Mãe-Canguru faz parte do Programa de Atenção Humanizada ao Recém-Nascido de Baixo Peso e foi transformado em política pública em 2000, por meio de uma parceria entre Fundação Orsa, o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e o Ministério da Saúde.

Segundo Alejandra Velazco, da área de políticas públicas da Fundação Abrinq, ritmo e articulação são as principais diferenças entre as parcerias feitas com o governo daquelas estabelecidas entre a própria sociedade civil. “”As parcerias com o Estado, em geral, tomam mais tempo para se consolidarem e são assimiladas mais lentamente. As estruturas governamentais são mais rígidas e hierárquicas, o que dificulta a aproximação e a introdução de inovações.””

Alejandra acredita que existem dois tipos de projetos que podem influenciar políticas públicas. De um lado estão aqueles que desenvolvem tecnologias de atendimento inovadoras e que poderiam ser executados tanto pelo setor público quanto pelo setor privado. Neste caso, os principais empecilhos são as dificuldades de adequação aos processos e aos recursos do setor público. “”Os projetos gerados no terceiro setor deverão procurar brechas para se encaixar na máquina burocrática e adequar-se aos recursos existentes ou prever possíveis fontes de financiamento””, afirma.

Do outro lado estão os projetos que buscam impulsionar o planejamento e a implementação das ações governamentais e sua prestação de contas, contribuindo para seu fortalecimento e a participação da sociedade civil no debate sobre políticas públicas. É o caso do Presidente Amigo da Criança, do Orçamento Criança e do Prefeito Amigo da Criança, todos da Fundação Abrinq. A principal dificuldade é fazer com que a parceria seja efetiva e não se constitua apenas em um mecanismo legitimador das ações do Estado.

Para o presidente da Philips, o processo de cooperação entre Estado e sociedade civil precisa superar alguns problemas políticos e conceituais.

Marco legal – Para Marcos Magalhães, da Philips, a busca do processo de cooperação precisa superar alguns problemas políticos e conceituais. “”Muita gente não entende que o governo está cedendo poder quando se abre para parcerias com a sociedade. Isso gera problema, porque alguns, por exemplo, dizem que tal melhoria é responsabilidade do governo ou que, se uma empresa está fazendo um projeto para algumas pessoas, deve fazer para todas.””

A solução para estes embates seria uma reformulação administrativa que desse espaço legal para a abertura de convênios de cooperação entre os diversos atores sociais. “”Não basta boa vontade. Por mais que o governo reconheça a importância da participação da iniciativa privada em projetos sociais, é necessário um marco regulatório favorável a isso””, afirma Rebecca Raposo, diretora executiva do GIFE.

Margareth Goldenberg, superintendente de projetos do Instituto Ayrton Senna, aponta para a necessidade de posicionamento concreto do Estado diante do tema para que uma política pública seja estabelecida, criando institucionalidades e políticas setoriais e articulando seus programas e projetos de modo a assegurar, de fato, os direitos sociais de modo universal.

Isso, porém, só é possível se o programa social tiver sido formulado por meio da identificação e do diagnóstico do problema e, principalmente, após sua aplicação e seu aperfeiçoamento. “”Só assim ele pode ser colocado à disposição do Estado, que lhe dará escala. Muitas vezes, luta-se contra uma forte burocracia e morosidade, mas que é compensada pelo benefício social proporcionado pela forte possibilidade de transformação””, afirma.

O Instituto Ayrton Senna já teve três de seus programas transformados em políticas públicas: Se Liga, Acelera e Educação pelo Esporte. Os dois primeiros têm como principal objetivo acabar com as altas taxas de distorção idade-série dos alunos do ensino fundamental. O último trabalha o esporte como instrumento de formação integral de crianças e jovens.

Além de colocar à disposição do governo e da sociedade um projeto já testado, avaliado e que tem resultados práticos, apresentar ações bem estruturadas também auxilia no entendimento de que as iniciativas são consistentes.

Pochmann acredita na articulação entre público e privado para o combate à pobreza.

Para o secretário de Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade da cidade de São Paulo, Márcio Pochmann, que também falou no Encontro GIFE 2003, o setor público opera de maneira muito paternalista. “”Os programas atendem a um pequeno número de pessoas diante da dimensão da pobreza do Brasil. Para mudar isso, só com articulação entre público e privado, especialmente para ações de médio e longo prazo, saindo do assistencialismo.””

Álvaro Machado, presidente da Fundação Belgo-Mineira, conta que, além das diferenças de procedimentos e de agilidade, existe certa dificuldade, por parte do governo, em compreender que as iniciativas de muitas fundações, institutos, empresas e ONGs não se enquadram no campo do assistencialismo.

A Belgo tem duas ações que foram transformadas em políticas públicas: o Programa Ensino de Qualidade, que aborda a melhoria da gestão escolar e da formação de professores, além da complementação da educação do aluno, e o Programa de Educação Afetivo Sexual, que estimula os adolescentes a discutir questões de sexualidade e saúde reprodutiva.

Segundo Machado, alguns atributos são decisivos para que os projetos alcancem o estágio de política pública, como compromisso e confiança. “”Tivemos a liderança e o empenho pessoal dos gestores públicos. E a confiança é construída ao longo do processo, ancorada na seriedade dos parceiros e na competência dos técnicos envolvidos.””

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