Pesquisa mostra falta de espaço na imprensa para saúde infantil

Por: GIFE| Notícias| 23/06/2003

MÔNICA HERCULANO
Repórter do redeGIFE

Lançada pela Andi (Agência de Notícias dos Direitos da Infância), a série Mídia e Mobilização Social é composta inicialmente por quatro livros que analisam a cobertura da imprensa em temas relativos à infância e adolescência.

A coordenadora de relações internacionais e acadêmicas da Andi, Regina Festa, fala ao redeGIFE sobre dois volumes, Saúde em Pauta e Equilíbrio Distante.

redeGIFE – Como tem sido a atuação da imprensa ao noticiar casos relativos à área de saúde?
Regina Festa – Quando o que está em pauta são aspectos relacionados à saúde infantil, a mídia ainda deixa de considerar pontos relevantes para a qualidade de vida e focaliza a informação nas doenças. Ou seja, não existe uma cobertura sobre saúde, mas sim sobre a ausência dela. Isso pode ser constatado por meio de alguns dados da pesquisa. Quase 59% dos textos avaliados não abordavam questões de prevenção, promoção e proteção à saúde da criança. Além disso, o esgotamento sanitário e a coleta de lixo são citados em apenas 2,5% das reportagens. Desse modo, a cobertura jornalística acaba refletindo a crise de um sistema que não consegue promover a saúde de acordo com o que está previsto na legislação.
É importante ressaltar que o livro Saúde em Pauta analisou a cobertura que a imprensa brasileira oferece ao tema saúde infantil, em matérias que tinham como foco crianças de 0 a 12 anos incompletos. A partir dos 12 anos, pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, a pessoa é considerada adolescente. Esse público foi contemplado em outro estudo que será publicado em breve pela ANDI e seus parceiros.

redeGIFE – Quando trata de saúde, quais são os pontos que a mídia mais destaca?
Regina – Além do espaço dado à doença, a imprensa brasileira destaca questões como aleitamento, vacinação, mortalidade infantil e desnutrição. Outros aspectos como cuidados básicos com a criança, parto humanizado e novos exames e tratamentos têm espaço nos veículos de comunicação, embora com uma freqüência bem menos relevante.

redeGIFE – O livro conta que o setor privado ainda tem pouca representatividade na cobertura da mídia sobre saúde. Por que isso acontece?
Regina – Infelizmente ainda não há na imprensa brasileira uma clara percepção da importância do setor privado na elaboração e na execução de políticas públicas. Esse quadro não é diferente quando o que está em discussão são políticas na área de saúde. Persiste na área de comunicação a visão de que a saúde é responsabilidade do poder público. Por isso iniciativas privadas em saúde são vistas como pauta exclusiva de matérias sobre direitos do consumidor. Uma explicação aferida é o receio que alguns jornalistas têm de fazer propaganda desses serviços em suas matérias. É importante ressaltar que a mesma lógica aplica-se ao governo e ao terceiro setor.

redeGIFE – Como tem sido a participação das fontes e dos especialistas em saúde ouvidos pelos jornalistas?
Regina – A cobertura sobre saúde da criança tem tido nas fontes oficiais suas maiores referências (27% dos textos). Os especialistas foram ouvidos em apenas 1,5% das matérias. Constatou-se também uma ausência de vozes qualificadas, o que compromete a qualidade do noticiário. Como se sabe, é fundamental que os jornalistas façam matérias que contenham mais de uma fonte, para que apresentem a pluralidade de opiniões. Quanto a isso, os resultados da pesquisa sobre saúde da criança são preocupantes. Em 58% dos textos avaliados os repórteres ouviram apenas uma fonte. Quando existe mais de uma voz, 93% das matérias apresentam atores com as mesmas opiniões sobre o tema.

redeGIFE – O espaço que a imprensa tem dado à cobertura de temas ligados à saúde é suficiente?
Regina – Embora o tema saúde tenha sido o quarto tópico mais abordado pela imprensa na lista relacionada com a criança e o adolescente em 2002, ainda há muito espaço para crescer. A pesquisa Saúde da Criança constatou que apenas 13,6% das matérias, artigos e editoriais estudados descrevem a saúde como um direito da criança e de sua família. Esse indicador mostra a necessidade de se crescer no tratamento das matérias sob a perspectiva da saúde. Incluir discussões como gênero, raça e etnia e até acesso à água potável nas matérias sobre saúde representam, além de um grande desafio, um universo rico em pautas que são ignoradas.

redeGIFE – Em outro livro da série, intitulado Equilíbrio Distante, é dito que a cobertura da imprensa sobre tabaco e álcool é muito acanhada. Por quê?

Regina – Este estudo fez uma análise do comportamento editorial brasileiro nas matérias que tratam sobre tabaco e álcool na adolescência. Essa ausência pode ser explicada pela complexidade de se abordar um tema repleto de tabus e preconceitos. A pesquisa identificou que, apesar de ser parte do cotidiano de milhões de jovens brasileiros, o cigarro e as bebidas alcoólicas ainda não recebem da imprensa uma cobertura expressiva. Em 2001, apenas 0,31% do total de matérias sobre infância e adolescência publicadas nos 49 grandes jornais acompanhados pela Andi deram destaque ao tema. Nas revistas e suplementos de jornais voltados para o público adolescente, que teoricamente teriam a responsabilidade de abordar o assunto, o cenário não é diferente: apenas 0,61% tratou das drogas lícitas.

redeGIFE – Como evitar a tendência ao emocional nas notícias sobre esse tema?
Regina – Ao falar sobre tabaco e álcool na adolescência, expressiva parte das matérias apresentam um discurso moralista, preconceituoso e alarmista. Acabam promovendo um campo de “”terrorismo”” com o jovem, pois acentuam os problemas de saúde gerados pelas duas substâncias e descrevem em detalhes como ocorrem mortes por câncer de pulmão. Apenas esse tipo de abordagem não funciona. Pode até impressionar o adolescente, mas não contribui para que ele pense em sua vida, pois pode ser que ele tenha boa saúde e a experiência do uso do cigarro e da bebida é fonte de prazer pessoal e com um grupo de amigos. O grande desafio é envolver o leitor mais pelo senso crítico, pela consciência da prevenção, do que se restringir à denuncia de risco e prejuízos para a saúde. Especialmente nos veículos voltados para os adolescentes. É preciso levar em conta que eles estão envolvidos em um processo de experimentação, portanto é inútil não falar também no prazer, charme e sensualidade que a imagem desses produtos passam.

redeGIFE – O que a mídia tem feito de positivo e de negativo com relação à questão do álcool e do cigarro na adolescência?
Regina – A imprensa brasileira teve um papel importante no apoio ao governo federal e à sociedade civil na campanha contra a veiculação de publicidade de cigarro. O anti-tabagismo mobilizou diversos setores da sociedade brasileira, e a mídia assumiu de forma explícita o papel de parceria ativa, embora não formalizada. A participação dos veículos de comunicação foi de significativa contribuição para o sucesso de ações que feriam o interesse de relevantes grupos econômicos. Essa ação fomentou debates sobre o tema. No entanto, passado o período da campanha, a mídia mostrou-se pouco pró-ativa em relação ao tabagismo e ao consumo de álcool na adolescência.

redeGIFE – O que é mais urgente: campanhas de prevenção contra as drogas lícitas ou a busca por tratamento aos jovens dependentes? Em qual papel a mídia tem atuado melhor?
Regina – Na realidade, a mídia não promove campanhas. O papel dela é levantar debates, mostrar todos os lados da questão, informar e conscientizar de maneira ampla a sociedade em seu conjunto. Abordar a prevenção e a busca por tratamento para os dependentes das drogas lícitas é papel da imprensa, especialmente quando ela atua por meio de matérias que contextualizam, explicam e instigam a reflexão sobre esses temas. Dito de outro modo, o papel das campanhas é de colocar o tema e o da mídia é de promover informações e discussões. Portanto, ambos são complementares entre si na formação da opinião pública e ambas atuam na consciência sobre a busca de tratamento.

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