Pesquisa revela que 29% dos deficientes brasileiros vivem em situação de miséria

Por: GIFE| Notícias| 20/10/2003

MÔNICA HERCULANO
Repórter do redeGIFE

Na última quinta-feira (16/10), a Fundação Banco do Brasil e a Fundação Getúlio Vargas lançaram a pesquisa Retratos da Deficiência no Brasil. O país tem 24,5 milhões de habitantes com algum tipo de deficiência, o que corresponde a 14,5% da população. Ainda segundo o estudo, 27% deles não têm nenhum grau de instrução e 29% vivem em situação de miséria. As pessoas portadoras de deficiência recebem cerca de R$ 100 a menos que a média dos brasileiros.

A pesquisa é uma das ações do Programa Diversidade, criado pela Fundação Banco do Brasil em 2001, com o eixo central na busca e na disseminação de informações. Tendo como principal fonte o Censo 2000, além de dados dos ministérios da Saúde, da Educação, do Trabalho e da Previdência, foram produzidos um livro, dois CDs e um site com informações sistematizadas e interpretadas sobre o universo de pessoas com deficiência no país.

“”Entendemos que é preciso conhecer e divulgar para transformar. É necessário enxergar o deficiente como uma pessoa com talentos e potencialidades, desejos e dificuldades. Não é benemerência ou caridade, mas precisamos apresentar oportunidade de acesso. Isso promove o empoderamento da pessoa com deficiência e rompe com as limitações de ordens emocional e física””, explica Dulcejane Vaz, diretora da área de saúde da organização e responsável pelo programa, lembrando que a desinformação é o principal causador da exclusão de deficientes.

A falta de informação sobre as condições específicas de cada deficiência também é um agravante, segundo a gerente da Rede Saci, Marta Gil. “”Informações atualizadas e de qualidade são fundamentais, incluindo tópicos sobre como lidar no cotidiano, desde o trato pessoal até adaptações no espaço. Assim como a pessoa com deficiência deve ser preparada para exercer sua cidadania, quem interage com ela também deve sê-lo””, explica.

A Saci é uma rede eletrônica para difusão de informações sobre deficiência no Brasil, que conta com o apoio da Fundação Telefônica e da Vitae – Apoio à Cultura, Educação e Promoção Social. Para Marta, a promoção da inclusão em qualquer área de atividade deve passar por um amplo programa, que contemple todas as partes envolvidas no processo. “”A primeira barreira a ser transposta é a idéia de incapacidade. Um trabalho de sensibilização e informação é necessário para começar a romper esse pré-conceito e a mudar esta cultura.””

Além disso, outras ações também são importantes, como o acesso ao crédito. Para Dulcejane, seria importante criar uma linha de crédito que permitisse a essas pessoas ter, a uma taxa de juros subsidiada, acesso a bens como cadeira de rodas, aparelho auditivo e programas de computador para deficientes visuais.

Organizações sociais – Os programas de apoio à inclusão de deficientes promovidos por organizações da sociedade civil representam um avanço, especialmente na área de capacitação profissional. “”Mas ainda existe um descompasso entre a capacitação que o mercado busca e a que é oferecida a essas pessoas. Creio que a parceria entre a sociedade civil e as empresas possa ser uma alternativa valiosa para diminuir esse descompasso””, alerta Marta Gil.

Marcelo Neri, chefe do Centro de Políticas Sociais do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV) e coordenador da pesquisa Retratos da Deficiência no Brasil, conta que uma das maiores reclamações do empresariado é a falta de pessoas portadoras de deficiência com as qualificações necessárias.

“”É muito importante investir na qualificação profissional. Embora as pessoas com deficiência tenham mais dificuldade de se ocupar – 52% são inativos – e tenham uma renda menor, as que conseguem um posto de trabalho têm um desempenho melhor””, afirma Marcelo.

Laura Oltramare, superintendente de responsabilidade social do Banco Real ABN Amro, afirma que empresas e organizações da sociedade civil precisam trabalhar para derrubar as barreiras que inibem o potencial produtivo e o desenvolvimento dos portadores de deficiência. “”Essa inclusão traz benefícios para o indivíduo, para a equipe e para toda a organização, que passa a ter uma visão integrada da sociedade, otimizando sua relação com todos os seus públicos: funcionários, fornecedores, clientes, acionistas e comunidade””, explica.

O Banco Real mantém, há um ano, o projeto ADD Training, uma divisão da ADD (Associação Desportiva para Deficientes), entidade sem fins lucrativos que promove a integração do deficiente físico na sociedade por meio do esporte adaptado. O projeto tem como objetivo capacitar profissionalmente pessoas portadoras de deficiência para a inclusão no mercado de trabalho, sobretudo no próprio banco, por meio de cursos gratuitos de informática.

Para o gerente da área de tecnologia da Fundação Bradesco, Nivaldo Marcusso, as organizações da sociedade civil devem complementar o atendimento público. “”Elas podem promover a inclusão social através do oferecimento de educação, cursos profissionalizantes, acesso à tecnologia para necessidades especiais e desenvolvimento de programas que promovam discussões e iniciativas na sociedade quanto à acessibilidade, empregabilidade e legislação adequada.””

Desde 1998 a Fundação Bradesco mantém um programa de treinamento em informática para portadores de deficiência visual. São cursos de informática promovidos por meio de metodologia especial, que permite a leitura audível dos programas e o acesso a sites que dispõem da mesma tecnologia. Já foram atendidos mais de 5.000 alunos em 39 escolas e 50 entidades parceiras, de 26 estados e no Distrito Federal.

Cotas – Dos 26 milhões de trabalhadores formais ativos, 537 mil (2%) são portadores de deficiência. Em 1991, foi instituída no Brasil uma lei que estipula que as empresas com mais de 100 empregados devem destinar de 2% a 5% de suas vagas para deficientes.

No entanto, segundo Marcelo Neri, essas cotas estão sendo cumpridas apenas parcialmente. “”Para se adequar à lei de cotas, o país precisa dobrar o número de deficientes empregados. Os dados revelam que, desses novos postos que deveriam ser gerados, 310 mil seriam de empresas com mais de mil empregados. As grandes organizações precisam se adequar.””

Com a legislação, essa adequação está mais acelerada. Para Marta Gil, ao empregar uma pessoa com deficiência, a empresa revê aspectos de seus processos de trabalho, dos requisitos funcionais, da comunicação interna e do clima organizacional. “”Por outro lado, a mera existência da reserva também não basta para garantir à pessoa com deficiência um emprego ou uma oportunidade de trabalho. Ela precisa se mostrar à altura dos requisitos, concorrer à vaga e mudar sua postura, capacitar-se no sentido pleno do termo.””

A lei de reserva de vagas, segundo ela, deve vir acompanhada de uma mobilização social maior, para desencadear um processo que ultrapasse a colocação profissional e envolva a capacitação, a educação e a mudança do conceito que a sociedade tem sobre a deficiência.

“”Toda lei de reserva de direitos é criada porque existe uma situação muito grande de desvantagem por parte de um determinado grupo. Essa é positiva porque tenta garantir que essas pessoas tenham acesso ao mercado e está trazendo luz e reflexão sobre essa questão””, diz Marta.

Dulcejane Vaz alerta que a inclusão não se dá por decreto, mas sim por meio de uma mudança cultural e de atitude das pessoas, a partir de uma nova percepção da causa. “”Isso demora um certo tempo, não é uma mudança instantânea. Mas, agora, abre-se uma nova fase de debates e todos devem discutir isso.””

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