Pesquisa revela que Brasil pode sofrer com falta de professores

Por: GIFE| Notícias| 05/05/2003

MÔNICA HERCULANO
Repórter do redeGIFE

Em entrevista ao redeGIFE, Juçara Vieira, presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), fala sobre os resultados da pesquisa Retrato da Escola 3.

Divulgada no início do mês de abril, o levantamento ouviu cerca de 4.500 professores, em 10 estados brasileiros, e constatou que, se não houver estímulo para o ingresso de novos profissionais, o Brasil pode sofrer com a falta de professores daqui a dez anos.

redeGIFE – O que é a pesquisa Retrato da Escola?
Juçara Vieira – A CNTE tem investido na linha da investigação e já realizou três grandes pesquisas: uma sobre a saúde mental dos trabalhadores em educação, realizada em 1999, que deu origem ao livro “”Educação, carinho e trabalho””; na seqüência, fizemos outras duas chamadas “”Retrato da Escola””, nas quais investigamos as condições estruturais e materiais das escolas, a relação entre o desempenho dos alunos e todos os componentes da educação, passando pela gestão democrática da formação dos educadores, a incidência de drogas e sua relação com a violência, entre outras coisas. Em março do ano passado, quando realizamos a Semana da Educação, aplicamos um questionário específico sobre a situação dos educadores (“”Retrato da Escola 3″”). Tivemos resposta de 10 Estados e contratamos o Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos) para processar os dados. Procuramos verificar qual o perfil dos educadores brasileiros hoje, especialmente os que trabalham na rede pública.

redeGIFE – Qual o atual perfil dos educadores brasileiros?
Juçara – Os professores e os funcionários que responderam nossa pesquisa são predominantemente mulheres, estão numa faixa etária entre 40 e 59 anos e em geral estão habilitados para a função que exercem, embora alguns ainda não tenham a titulação universitária. Percebemos também que os grandes problemas continuam, como a baixa média salarial. Os salários mais apontados estão entre R$ 500 e R$ 700. Cada vez mais os educadores complementam o seu trabalho com atividades remuneradas fora da educação. Isso quer dizer que têm mais de uma jornada de trabalho e levam para casa afazeres profissionais. Outros problemas são a grande dificuldade de acesso ao crédito e as condições desfavoráveis de saúde. Também avaliamos a relação dos professores com as novas tecnologias e constatamos que a maioria não tem computador. Quem tem usa para fins profissionais, e o acesso à internet é muito restrito. Os educadores praticamente não têm lazer, a não ser a leitura. Eles responderam que lêem, assistem à televisão, mas não vão ao teatro nem ao cinema, o que revela que a cultura geral não está sendo possibilitada.

redeGIFE – A pesquisa apontou que 53,1% dos trabalhadores em educação têm entre 40 e 59 anos, e que apenas 2,9% têm entre 18 e 24 anos. Foi isso que levou à conclusão de que, em aproximadamente dez anos, o país começará a sofrer com a falta de professores?
Juçara – Exatamente. Combinando a faixa etária com o tempo de serviço, percebemos que a maioria já está se aproximando da aposentadoria. Por isso é preciso haver estímulo para o ingresso de novos professores. Se houvesse uma regularidade de concursos públicos, talvez tivéssemos um grupo de gente jovem nas escolas, mas essa é uma política difícil de levar ao Estado. Na verdade, se existem vagas para a área de educação, com esse quadro de desemprego, é possível que apareçam muitas pessoas. Mas queremos que sejam também qualificadas.

redeGIFE – Mas, além disso, não existe também uma menor procura de cursos da área de educação pelos jovens?
Juçara – Tanto existe uma menor procura, que as universidades particulares dão desconto de até 50% para quem faz curso na área de educação.

redeGIFE – E que tipo de orientação vocês procuram dar para que daqui dez anos o Brasil não sofra com essa falta de professores?
Juçara – Uma das iniciativas que tivemos foi conversar com o ministro Cristovam Buarque para assegurar mais vagas para a área de educação nas universidades públicas. E já existe no Congresso uma iniciativa nesse sentido. Também há o problema dos professores terem que pagar a sua formação, já que existem pouquíssimas iniciativas de financiamento de cursos de especialização pelo poder público. Não há, por exemplo, um programa de financiamento de um curso de um ano para determinado número de educadores.

redeGIFE – Existem pessoas que trabalham nas escolas públicas que reclamam da falta de vontade e de esperança dos próprios professores em mudar o quadro educacional de alguns alunos mais pobres ou rebeldes. O que precisa ser feito pra que esses professores voltem a acreditar nessa mudança?
Juçara – Diversos fatores interferem na auto-estima dos educadores. Um deles é o salário, mas há também a questão da segurança que eles devem ter em relação ao seu trabalho. Hoje há uma grande necessidade de se enfatizar a formação, muito mais até do que a informação. O aluno consegue informação fora da escola, mas o ambiente escolar deve proporcionar a formação para uma sociedade competitiva, onde os valores estão cada vez mais invertidos e a violência está muito presente. Para isso, o professor precisa ter segurança em relação ao seu papel, o que ele deve fazer, quais conhecimentos, formação e estratégias devem ser utilizados para que o seu trabalho seja útil às crianças e adolescentes que estão na escola. Isso diz respeito às políticas de formação dos educadores, ao tratamento da sua saúde. Outra pesquisa mostrou que 30% da categoria sofre problemas de estresse e exaustão emocional, e isso também afeta a auto-estima e o entusiasmo dos educadores. Por isso falamos de salário, condições de trabalho, carreira e formação para que o professor tenha prazer em exercer o seu trabalho.

redeGIFE – Algumas organizações privadas criam cursos e prêmios para professores com boas iniciativas para a rede pública de ensino. Como essas ações são vistas?
Juçara – Nós não somos favoráveis a iniciativas que visam criar competição entre os educadores, mas sim àquelas que estimulem ações inovadoras coletivas nas escolas. Sempre trabalhamos com a idéia de que as iniciativas devem ser de grupos, porque um professor pode ter uma excelente iniciativa, mas o aluno passa um ano com ele e no próximo vai para outra série, na mesma escola, com uma linha completamente diferente. Embora seja importante cada um ter a boa vontade e cumprir seu papel, se um grupo tem uma nova forma de pensar a escola, isso afeta e contamina a todos.

redeGIFE – Quais são os pontos positivos e negativos das atuais políticas públicas em educação no Brasil?
Juçara – Ainda temos que verificar quais políticas esse governo poderá acionar na área de educação. O que há de herança do governo anterior é um rebaixamento no financiamento da educação e uma transferência de responsabilidades da União para os estados, dos estados para os municípios. Tivemos total desatenção em relação à formação dos educadores, problemas com relação à educação profissional, muito sucateada no país, sem falar nas lutas do ensino superior. Acredito que o que aconteceu de mais positivo no governo anterior foi a ampliação da oferta do ensino fundamental. Para este governo, esperamos inverter a política de financiamento, apesar de acharmos difícil conseguir uma ampliação significativa dos recursos para a educação. E temos a expectativa de voltar a discutir a valorização profissional, um debate que fizemos no governo Itamar Franco e que teve alguns desdobramentos na época, mas depois não foram cumpridos pelo governo FHC. Por enquanto, temos apenas algumas conversações e indicações de que as políticas vão mudar. A única medida que esse governo tomou foi estudar o aumento de verba do custo-aluno, do ensino fundamental. Mas provavelmente teremos um nível maior de exigência para esse governo, porque ele se elegeu com as esperanças da classe trabalhadora, então deve dar respostas mais qualificadas para esses trabalhadores, que são aqueles que dependem fundamentalmente da escola pública.

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