Planejamento e avaliação de projetos sociais: o marco lógico revisitado

Por: GIFE| Notícias| 11/08/2014

Na Fundação Dom Cabral (FDC), no âmbito do programa de Parcerias com Organizações Sociais (POS), temos estimulado o uso do marco lógico (método desenvolvido para elaboração, descrição, acompanhamento e avaliação de programas e projetos) para apoiar o planejamento e a avaliação dos projetos sociais. Evidentemente que não se trata da versão burocrática, “caixa preta” e autoritária tão criticada na década de 1980. Porém, estamos nos referindo à sua versão revisitada, voltada para embasar o diálogo entre os públicos envolvidos com o projeto social para viabilizar o planejamento relevante e legítimo, e a avaliação útil e consistente dos resultados alcançados e das estratégias adotadas.

Como se sabe, o marco lógico foi inicialmente desenvolvido pela agência norte-americana USAID que, por volta dos anos 1969-70, investia pesadas somas em programas de assistência em países com risco social, porém padecia de problemas sérios para conseguir gerenciar de modo adequado os recursos aplicados. Os programas sociais eram desenhados com múltiplos objetivos que não guardavam coerência com as suas ações e mais pareciam “cartas de boas intenções”; não havia uma linguagem comum para viabilizar o entendimento e o compromisso entre os vários atores participantes; também não havia clareza sobre como ficariam os programas se tivessem êxito e, quando eles não fossem bem, como identificar os motivos e agir sobre eles.

Naquele contexto crítico, o marco lógico surgiu como uma ferramenta didática de planejamento para sistematizar a hipótese causal (ou teoria da mudança) subjacente à intervenção social. O pressuposto era de que o planejamento bem feito lançava as bases para o monitoramento e a avaliação de resultados, capaz, assim, de evidenciar o compromisso entre o combinado e o realizado.

Em sua formatação inicial mais simples, o marco lógico foi proposto como uma matriz 4×4 (4 colunas e 4 linhas) em que vinha explicitada a cadeia hierárquica dos objetivos que precisavam ser atingidos, tendo em vista a lógica esperada para a atuação do projeto. Ou seja, de como a realização das atividades iria gerar os produtos e serviços do projeto que, por sua vez, iriam ser capazes de promover as mudanças esperadas junto aos beneficiários e, em última instância, contribuir para o objetivo de impacto pretendido. Para cada objetivo estabelecido, deveriam ser definidos os indicadores com as respectivas metas, de modo a permitir acompanhar o desempenho do projeto; além de virem especificadas as condicionalidades fora do controle do projeto que poderiam influenciar no alcance dos objetivos.

Há que se reconhecer que, ao longo dos anos 80, o uso do marco lógico foi desvirtuado. Passou a ser adotado como uma forma dos chamados “donos do projeto” imporem o seu modo de ajudar às populações desfavorecidas e controlarem o cumprimento das metas estabelecidas por eles próprios. Ou de uma forma meramente cosmética, em que as células da matriz eram preenchidas já com o projeto em andamento e de maneira pouco criteriosa, sem qualquer significado prático para a gestão do projeto. Nessa época, a agência alemã GTZ propôs o método Zopp para corrigir essas distorções, com relativo sucesso.

Não obstante essas fragilidades de percurso, o marco lógico segue sendo até hoje referência básica de prestação de contas em programas do setor público e em iniciativas de organizações sociais, financiadas por agências internacionais e empresas do setor privado – não apenas no Brasil como em vários outros países.

O desafio está, pois, em utilizar o potencial do marco lógico em sua condição de ferramenta útil para descrever e acompanhar a teoria da mudança vinculada ao projeto, como bem enfatizou Joy Frechtling, da Associação Americana de Avaliação (AEA). Em outras palavras, procurar encontrar maneiras para desenvolver e colocar em prática os pontos fortes desse instrumento; e, por outro lado, saber identificar e combater os seus usos inadequados, que infelizmente ainda são frequentes e, nesses casos, acabam por torná-lo em mera formalidade a ser cumprida.

Nós na FDC/POS temos procurado atuar nessa direção junto às organizações sociais participantes. O nosso esforço é duplo: primeiro, estimular o uso adequado do marco lógico nas etapas do planejamento e avaliação da iniciativa social; e, segundo, procurar adaptar a abordagem do marco lógico às especificidades detectadas nos projetos sociais implementados em organizações do terceiro setor, em geral de pequena escala e atuando de forma pontual.

Com relação ao primeiro ponto, os principais requisitos a serem observados para um marco lógico construído de forma consistente e participativa são:

(i) Clareza na identificação do problema social a ser enfrentado;

(ii) Envolvimento efetivo das pessoas certas – relacionadas ao problema e às ações a serem tomadas;

(iii) Precisão e coerência causal na definição dos objetivos, de resultado e de processo a serem alcançados;

(iv) Todo conceito abstrato incluído nos objetivos deve estar devidamente operacionalizado em indicadores;

(v) Indicadores especificados de modo válido, confiável e viável de serem levantados;

(vi) Clareza nos critérios para caracterizar a situação desejada;

(vii)Pressupostos considerados de modo realista.

A ideia é que o marco lógico sirva como um roteiro para orientar o desenho da pesquisa de campo, entendida como o processo sistematizado de coleta de dados junto ao público-alvo do projeto e demais públicos relacionados. Nesse sentido, o marco lógico funciona como o ponto de partida e o ponto de retorno com as informações colhidas nos diferentes momentos da vida do projeto, que vão possibilitar o monitoramento e a avaliação dos resultados. Todavia, pode ocorrer que, em função da dinâmica do projeto, alguns indicadores incluídos inicialmente no marco lógico percam a razão de ser e precisem ser excluídos, e novas questões avaliativas precisem ser incorporadas.

Na POS, no esforço de evoluir na formatação do marco lógico, estamos tentando implementar um arquivo em planilha eletrônica do marco lógico. O arquivo é constituído por planilhas concatenadas entre si: as planilhas básicas, com as informações associadas com cada nível hierárquico de objetivo; e as planilhas de apoio, em geral associadas às bases de dados do projeto com as informações sobre participantes.

Já com relação ao segundo ponto, que trata dos ajustes necessários para lidar com as especificidades dos projetos em organizações sociais, temos procurado atuar em três frentes: (i) na maneira de especificar os objetivos de resultados, imediatos e de impacto, que sejam compatíveis com o fôlego dessas organizações para promover mudanças; (ii) como identificar de modo aproximado a causalidade do projeto em relação aos resultados de impacto; e (iii) como tratar o entra-e-sai de participantes ao longo da vida do projeto, quando isso faz parte do modo de atuação do projeto.

Finalmente, no campo da gestão de projetos sociais, cabe destacar a complementaridade virtuosa entre o marco lógico e a metodologia do PMD-PRO (Gerenciamento de Projetos para Profissionais de Desenvolvimento), uma adaptação recente da conhecida metodologia do PMI voltada para projetos empresariais. Embora o marco lógico esteja considerado como uma das muitas ferramentas disponíveis no PMD-PRO, na realidade pode-se dizer que o marco lógico per se tem um papel fundamental (que precisa ser ainda explorado) no sentido de apoiar a concepção e o planejamento participativos do projeto social, a avaliação dos seus resultados e o monitoramento dos seus produtos e atividades-fim. Por sua vez, o ponto forte do PMD-PRO é propiciar orientações detalhadas sobre como gerenciar essas atividades-fim, dividindo-as em pacotes de trabalho, e também as atividades-meio do projeto, do tipo gestão de pessoas, gestão de ativos e aquisições, dentre várias outras.

* Maria Cecília Prates Rodrigues é professora-convidada do programa de Parceria com Organizações Sociais (POS) da Fundação Dom Cabral (FDC). Autora dos livros “Ação social das empresas privadas: como avaliar resultados? (FGV, 2005); e “Projetos sociais corporativos – como avaliar e tornar essa estratégia eficaz” (Atlas, 2010). Site

“Maria Cecília Prates Rodrigues*

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