Políticas de Esporte devem focar mudança social

Por: GIFE| Notícias| 03/12/2007

Rodrigo Zavala

Universalistas, inclusivas, permanentes, descentralizadas, monitoradas, diversificadas e, acima de tudo, que sejam elaboradas com a participação efetiva das comunidades atendidas. Essas são algumas das características fundamentais à criação de políticas públicas de esporte para a população, sugeridas pelos especialistas participantes do seminário Função Social do Esporte, realizado na última semana, em São Paulo.

Como resultado do evento, realizado pelo Instituto Unilever e Programa Rexona-AdeS – Esporte Cidadão, com o apoio do GIFE e do Instituto Esporte & Educação, foram estabelecidos princípios norteadores ao desenvolvimento do esporte para a transformação social. Eles foram organizados com base em quatro pilares – temas das mesas de discussão do evento: Esporte Educacional, Políticas Públicas, Formação do Educador Esportivo e Avaliação de Resultados no Desenvolvimento Comunitário. (Veja princípios abaixo) .

“”Ainda se pensa de forma primária. Médicos mandam pacientes correr, políticos acreditam que campeões bastam, e grande parte das pessoas só lembram de academias de ginástica. O esporte não é apenas passe de bola, mas uma oportunidade para trabalhar o indivíduo de forma global. Uma criança pode praticar exercícios, concomitante a um trabalho social””, afirmou o filósofo e doutor agregado em Motricidade Humana pela Universidade Técnica de Lisboa, Manuel Sérgio Vieira.

A questão apontada pelo filósofo levou os participantes do evento a uma reflexão bastante crítica: qual é o limite para um projeto esportivo promover a “”transformação social””, almejada pelas organizações que fazem esse trabalho?.

Segundo a jogadora de vôlei, Ana Moser, idealizadora do IEE, ainda se fala de esporte de forma genérica, pois não existe um entendimento sobre o tema. “”Todo mundo defende. O problema é saber a que tipo de esporte estamos nos referindo, seu objetivo””, argumentou.

Na cultura esportiva, existem três tipos a serem considerados:
educacional: praticado nos sistemas de ensino e em formas assistemáticas de educação;
de rendimento: com a finalidade de obter resultados e integrar ateletas em competições nacionais e internacionais (como Copas do Mundo, Pan-Americanos, Olimpíadas); e
de participação: compreende as modalidades desportivas praticadas com a finalidade de contribuir para a integração dos praticantes na plenitude da vida social, na promoção da saúde e educação e na preservação do meio ambiente.

Nesse contexto, o que se defendeu no fórum foi a priorização dos recursos públicos às iniciativas de participação. “”O Brasil não tem constância em políticas públicas, a maioria de governo, não de Estado. Assim, os programas duram, invariavelmente, um mandato””, criticou Dílson Martins, do Paraná Esporte, departamento da Secretaria de Estado da Educação do Paraná.

Como coordenador do programa Viva o Verão, iniciativa esportiva para veranistas paranaenses, ele garante que um dos maiores desafios é adequar oferta e demanda, entre o que o Estado provê e a sociedade quer. “”É preciso estimular propostas que tenham conteúdo pedagógico e não apenas lazer””, afirmou.

As colocações de Martins anteciparam as conclusões do debate. Um ponto fundamental de seu discurso, tal como o dos participantes do evento, é uma idéia que, na teoria, parece simples, mas que nem sempre é respeitada no campo social: a participação da população local na construção, gestão e avaliação dos projetos oferecidos. Se por um lado o diálogo com a comunidade legitima a ação, de outro, é o catalizador das mudanças sociais às quais se quer chegar.

Para a diretora do Instituto de Desenvolvimento Educacional, Cultural e de Ação Comunitária (Ideca), Simone Coelho, se o objetivo é a transformação, há três perguntas que devem ser feitas: “”o que se quer transformar?””, “”como irá transformar?”” e “”aonde se quer chegar””.

Embora essas questões sejam a base da avaliação individual dos projetos, elas abarcam também as principais preocupações na hora de se pensar políticas públicas de Estado. Isto é, os questionamentos se encaixam no marco zero de qualquer proposta. “”Há uma dificuldade tremenda de se desenhar objetivos, a atuação estratégica do projeto. Mas para validar uma ação, esses pontos devem estar claros””, afirmou.

Como convidado especial do evento, Andrew Martin, diretor da Youth Sport Trust, organização que reformulou a prática esportiva nas escolas britânicas, afirmou que essas questões afligem também os europeus. “”O esporte invariavelmente, não é prioridade e fica marginalizado quando não é para competição. As escolas não dão uma educação física adequada, em que esportes de pouca divulgação sequer são levados a sério””, argumentou.

A experiência inglesa mostra que os gastos em esporte impactam em outras áreas, como saúde e ainda influenciam na proficiência dos estudantes nas demais disciplinas. “”A prática melhorou a comunicação, a auto-estima, a concentração, a responsabilidades, a coordenação motora e ainda apoiou o desenvolvimento de lideranças nas escolas. E isso não foi algo sentido apenas nas quadras, mas em toda a vida dessas crianças e jovens””.

Com investimentos públicos que superam 1 bilhão de reais, a organização implantou seu programa em todas as escolas do país, em que 85% dos estudantes (5-16 anos) fazem duas horas de atividades físicas semanalmente. Há também aulas não obrigatórias realizadas nos centros de ação esportiva, que articulam experiências comunitárias e escolares.

O segredo do êxito da Youth Sport Trust, segundo Martin, foi a extensa pesquisa para convencer a administração pública sobre a efetividade do programa. “”Para cada público havia um discurso completo sobre os benefícios. Para os administradores da área de saúde, por exemplo, mostrou-se como o esporte pode levar as crianças a uma vida mais saudável. Como se sabe, a Inglaterra é o segundo país em obesidade infantil, perdendo apenas para os EUA. Uma vergonha.””

Veja os princípios:
Princípios de Políticas Públicas
Integração: pensar as políticas de esporte educacional de maneira alinhada com as demais políticas, em especial com o sistema educacional.
Co-gestão: promover o envolvimento da comunidade na construção, gestão e avaliação dos projetos oferecidos.
Universalização e inclusão: as políticas públicas precisam ser universais e inclusivas, com metas progressivas.
Continuidade: os projetos devem ter continuidade e sustentabilidade.
Descentralização da gestão: por meio da construção de planos estaduais e municipais.
Acompanhamento social e avaliação: desenvolver políticas com indicadores de impacto e êxito.
Qualificação de recursos humanos: nas áreas pedagógicas e de gestão.
Prioridade social: priorização de verbas públicas ao esporte educacional e de participação.
Diversidade das práticas: valorização de diferentes práticas e manifestações esportivas.
Normalização: priorizar a construção de sistemas, leis, regulamentação e incentivos fiscais.

Princípios da Formação do Educador Esportivo
Reflexão: formar o educador para relacionar teoria com a prática, ampliando a compreensão da pluralidade do fenômeno esportivo. Além de tornar a reflexão um hábito para o constante aperfeiçoamento profissional.
Capacitação e profissionalização: capacitar o educador para: buscar o conhecimento a sua formação profissional e pessoal; produzir e disseminar conhecimentos teóricos e práticos; formar-se continuadamente; planejar, desenvolver, acompanhar e avaliar a prática pedagógica (alunos, programas e resultados).
Visão crítica: formar o educador para leitura crítica do mundo, como agente transversal na comunidade, conhecedor de princípios filosóficos, históricos e sociológicos do esporte para contribuir com a formação integral do educando.
Compreensão dos princípios do esporte educacional: formar para a inclusão e participação de todos como exercício de direito a partir do respeito às diferenças, do compartilhar, dos princípios do esporte democrático e para a paz, atuando como agente cultural de transformação.
Relação teoria e prática: entender prática e teoria como complementares e indissociáveis.

Princípios de Avaliação de Resultados no Desenvolvimento Comunitário

Acompanhamento e regulação: ser instrumento de gestão, acompanhamento e regulação das políticas públicas. Permear a ação como um todo, desde sua concepção, para diagnosticar e corrigir possíveis desvios no curso do projeto.
Integração: incorporar todos os atores envolvidos (instituições, comunidade, governo, alunos, professores etc).
Transparência: ser transparente na divulgação dos objetivos e resultados: garantia de acesso às informações.
Comparação: ter parâmetros mínimos de comparação entre diferentes tipos de projetos e dimensões (relacionar indicadores esportivos com indicadores de desenvolvimento humano).
Cobertura nacional: garantia de aplicação em diferentes regiões e contextos.
Ética: ser ético na avaliação, na elaboração da pergunta avaliativa, na construção das metas e dos indicadores, na aplicação dos instrumentos e no uso dos resultados.
Intencionalidade e pertinência: agir com intencionalidade / pertinência, tendo claro e explícito o que se deseja transformar (coerência).
Avaliar competência para a cidadania: considerar o aprendizado de competências que vão além do resultado esportivo. Analisar a evolução dos indicadores motores, cognitivos e sócio-afetivos, relacionando com os indicadores nacionais de saúde, rendimento escolar, emprego, direitos humanos e qualidade de vida.

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