Por que agregar benefícios tributários ao apoio das políticas estatais?

Por: GIFE| Notícias| 06/04/2009

Fernando Rossetti*

O papel do Estado, das empresas e da sociedade civil tem mudado. Nos anos 1980 e 1990, com a queda do Muro de Berlim e a disseminação de uma ideologia que ficou conhecida como Consenso de Washington ou neoliberalismo, a América Latina passou por uma onda de políticas de “”pequenos Estados””, promoção de um mercado livre global e ONGs. Isto foi seguido por um movimento oposto e com consequente reviravolta de muitas dessas políticas.

No Brasil, no início de 1990, era dito com frequência que, como o Estado é tão grande e tão incompetente, alguns dos serviços sociais deveriam ser executados pelo setor privado ou por ONGs. A Constituição Brasileira pós regime militar de 1980, estabeleceu isenção tributária para muitas organizações incluindo empresas que trabalhavam com educação e saúde. O número de fundações e organizações sem fins lucrativos triplicou em apenas 10 anos (de 105.000, em 1995, até 348.000, em 2005). Os governos da América Latina também privatizaram muitos setores: energia, telecomunicações, estradas, etc.

De forma similar ao que acontece no setor financeiro dos EUA e da Europa, este enfoque de Estado pequeno e mercado livre provocaram, a partir de 2000, uma onda de políticas opostas. Uma a uma, as maiores economias da América Latina, elegeu líderes de esquerda ou líderes nacionais como os casos da Argentina, Brasil, Bolívia, Equador e Venezuela. Algumas empresas foram nacionalizadas novamente e a outorga de benefícios tributários tendeu a ser mais controlada.

A adoção destas duas visões sobre o papel do Estado, das empresas e da sociedade civil produziu, num curto período de tempo, legislações contraditórias referentes aos benefícios tributários para organizações orientadas às massas. No Brasil, uma série de leis foi votada e outra série tem sido promovida nos últimos anos; porém muitas delas com visões sutilmente conflitantes.

É neste contexto e em vista dos ainda sérios desafios sociais e econômicos que a região enfrenta, que é preciso considerar os incentivos tributários e as isenções. Quando o Estado deve promover o uso de dinheiro público por organizações gerenciadas privadamente? Ou seja, quando a sociedade deveria beneficiar tributariamente as atividades pelas atividades das fundações, das ONGs, do indivíduo, das famílias ou até das empresas (como é freqüente no Brasil) ?

Na GIFE, para a Associação Brasileira de Fundações Privadas, acreditamos que os incentivos tributários e imunidades são ferramentas poderosas para o Estado envolver a sociedade no desenvolvimento das políticas públicas. Alguns desafios sociais, ambientais e econômicos tornaram-se tão complexos que ações lideradas pelo Estado por si só são insuficientes para resolvê-las e, nestes casos, os governos podem utilizar os benefícios tributários para estimular a participação.

Um bom exemplo disto é a legislação aprovada no Brasil em 1990, estabelecendo um sistema para os direitos das crianças e dos adolescentes. De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente, “”é dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e governos garantir”” “”com absoluta prioridade”” os direitos das crianças e dos adolescentes. Para este fim, o Estatuto criou fundos a nível municipal, estadual e federal, para receber doações de indivíduos ou empresas, permitindo-lhes deduzir o valor doado do imposto devido (até 6 por cento de impostos em caso de indivíduos e 1 por cento para as empresas).

Os recursos destes fundos são canalizados para as ONGs que trabalham com crianças e adolescentes através de um processo seletivo presidido pelo Conselho dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes, compostos por representantes do Estado, empresas e ONGs. Estes Conselhos são responsáveis também por estabelecer as diretrizes das políticas públicas para o setor.

Este é o tema principal: os benefícios tributários não fazem sentido se não estiverem atrelados a uma política pública, a uma visão sistemática de mudanças ou de progresso de um setor. Se não houver acordo sobre o papel do Estado nas sociedades, ficará estabelecido esse tipo de visão sistêmica que incluirá não somente ações do Estado como também aquelas das organizações das empresas e da Sociedade Civil.

No Brasil, no caso dos direitos da criança e do adolecente, as possibilidades das pessoas e das organizações escolherem onde alocar dinheiro público por meio de incentivos tributários, não só tem levantado a consciência pública sobre políticas relacionadas como também tem reforçado o controle social dos mecanismos dos programas dirigidos pelo Governo.

Talvez o maior problema na governança da América Latina e na maioria dos paises em desenvolvimento, reside no fato de existirem políticas de governo em vez de políticas estatais. Cada governo tem suas políticas e em cada eleição surge o risco das ações do governo anterior serem descontinuadas.

Quando as políticas estão associadas mais com um governo em particular que com o Estado, sucedem dois problemas sérios. Primeiro, são adotados enfoques de curto prazo inadequados para lidar com desafios que requerem comprometimentos de longo prazo por parte da sociedade. Segundo, e mais pertinente com este debate, aparece um problema sério com os benefícios tributários.

Caso se deseje a participação de outros setores da sociedade para ir ao encontro dos desafios de longo prazo enfrentados por um país, é essencial ter estabelecido políticas de Estado que atraiam recursos não estatais que se qualifiquem como isentos de tributos.

*Fernando Rossetti é secretário-geral do GIFE.

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