Pós-Copa: sociedade civil se mobiliza para exigir maior transparência na gestão de recursos públicos para o esporte

Por: GIFE| Notícias| 04/08/2014

Durante o mês de junho, o GIFE se dedicou a produzir duas edições especiais do boletim redeGIFE repercutindo ações e reflexões de organizações da sociedade civil que atuam com programas, projetos e campanhas ligados ao esporte. Entre as reportagens, destacamos uma entrevista exclusiva com Toninho Nascimento, secretário nacional de futebol e defesa dos direitos do torcedor do Ministério do Esporte, sobre o legado social da Copa da Mundo. Por outro lado, abrimos espaço para um movimento da sociedade civil apontar problemas relacionados à organização do megaevento. Francisco Carneiro, integrante da ANCOP (Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa), contou ao redeGIFE o que, na opinião da entidade, não funcionou durante a preparação da Copa do Mundo no Brasil.

Passado o evento, é hora de refletir sobre o que vem pela frente. Nesse sentido, a Atletas pelo Brasil, uma das principais organizações atuantes na causa do esporte, tem puxado uma importante discussão sobre a Lei 12.868, uma política pública que estabelece regras de gestão para as entidades que recebem recursos públicos.

Certamente o primeiro passo foi dado. O desafio agora é fazer a lei ser cumprida, cobrando dos dirigentes de entidades esportivas maior transparência na gestão de seus recursos. O momento agora propõe um convite à sociedade civil para pressionar o poder público – em especial o Ministério do Esporte – para a real aplicação da lei.

A mobilização proposta pela Atletas pelo Brasil, e por outras entidades envolvidas com o tema, se volta para uma importante questão: a lei precisa valer para todos, inclusive, organizações poderosas como a CBF (Confederação Brasileira de Futebol). Ao que parece, a regulamentação de todo o setor depende agora de uma PEC (proposta de emenda à Constituição). Confira no artigo de Daniela Castro, diretora-executiva da organização Atletas pelo Brasil, algumas reflexões sobre a legislação e a oportunidade que o cenário atual apresenta para ações de advocacy de organizações da sociedade civil.

 

O Esporte é nosso!

A Atletas pelo Brasil pede uma mobilização nacional pelo controle sobre as entidades que administram o esporte nacional

A participação do Brasil na Copa trouxe um momento para pensarmos o futuro do esporte de alto rendimento no país e a oportunidade única de mudar as regras do jogo. Para melhor.

Em competições internacionais como Copa do Mundo e Olimpíadas, o esporte brasileiro representa o País, seu nome, suas cores; representa a Nação e o povo brasileiro. Apesar disso, é gerido por organizações privadas. Associações sem fins lucrativos que recebem ou não recursos públicos. A situação é que a sociedade, atletas e governo não podem acompanhar suas gestões, seus desempenhos e investimentos. Estão de mãos atadas e à mercê das decisões dos dirigentes. São várias as notícias sobre má gestão de recursos, péssimas estruturas para treinamentos, atrasos de pagamento.

Para mudar isso, no ano passado, a Atletas pelo Brasil e diversos parceiros conseguiram aprovar a Lei 12.868, medida histórica, que estabelece regras de gestão para as entidades que recebem recursos públicos ou gozam de isenção fiscal como limite de mandato de quatro anos, com somente uma recondução, transparência de documentos e contas nos sites, participação de atletas na direção e nos regulamentos das competições e o mais importante, no sistema eleitoral da escolha de seus dirigentes. Esse foi um primeiro passo, mas duas coisas são necessárias para um maior resultado: a regulamentação da democratização do sistema eleitoral e a fiscalização efetiva do Ministério do Esporte sobre a aplicação dessa lei.

No entanto, só foi possível aprovar a Lei sem contestação de sua constitucionalidade quando restringimos as suas disposições para aquelas entidades que recebem recursos públicos ou têm isenção fiscal, mas somente a elas. Isso porque a Constituição Federal de 1988 define em seu artigo 217, inciso I, que as entidades que administram o esporte têm autonomia financeira e estatutária.

Esse argumento é usado pelas entidades para impedir que se tenha qualquer controle ou exigência. No caso da nova Lei, a CBF por exemplo, que afirma pagar seus impostos e não utilizar recursos públicos, não está enquadrada (aliás, esse ponto deveria ser averiguado pelo Ministério do Esporte, já que, ao que parece, a Caixa patrocina a seleção feminina de futebol e se enquadraria portanto, pois se trata de recurso da administração pública indireta).

Uma forma de regulamentar todo o setor de uma vez seria uma PEC (proposta de emenda à Constituição) que exclua a autonomia e concomitantemente uma regulamentação. Lembrando que não se trata de estatização, mas, ao regulamentar, regras podem ser colocadas a todas as entidades como democratização de suas eleições, normas de transparência e desempenho.

E por que a autonomia é uma temeridade? A autonomia é usada pelas entidades para impedir qualquer controle externo. Afinal, são associações sem fins lucrativos e privadas. Contudo, olhando mais de perto, de maneira alguma essas organizações podem ser comparadas às associações comuns como ONGs, clubes, associações de bairro, etc. São organizações únicas vinculadas ao sistema internacional do esporte. Não há duas CBFs ou duas Confederações Brasileiras de Basquete. Outro ponto que corrobora para a tese da perda da autonomia é o uso da “marca” Brasil, da representatividade nosso país, das cores, etc.

Um argumento usado para transformar a cláusula em “pétrea” refere-se às regras da FIFA e do Comitê Olímpico Internacional que estabelecem que as entidades de representação do esporte nos países não podem ter intervenção estatal ou obstrução na sua formação ou suas vontades. Contudo, a regulamentação é realizada em muitos países e está longe de ser uma intervenção além do que, também por dispositivo constitucional brasileiro, o desporto é dever do Estado.

Por isso que o momento atual pede mobilização nacional de todos em torno de dois pontos concretos: uma PEC que exclua a autonomia das organizações e, ao mesmo tempo, uma lei que as regulamente. Assim, faríamos a nossa parte e ao mesmo tempo respeitaríamos as regras das organizações internacionais.

Os responsáveis pela situação do esporte nacional já sabemos quem são, mas falta agirmos para mudar. A sociedade precisa se mobilizar e governo e Congresso precisam se comprometer. A Presidenta Dilma pediu uma mudança e ela é possível, só é preciso vontade política. O importante é fazer um sistema duradouro, que funcione, no qual seus gestores tenham métricas de avaliação e responsabilidade civil e penal efetivas, não sendo mais uma atividade que envolva clãs ou feudos.

Atletas pelo Brasil e Bom Senso decidiram se unir e trabalhar pela melhoria do esporte brasileiro. Afinal, o esporte não deve ser de pessoas, e sim, um patrimônio do Brasil. Ou não?

 

* Daniela Castro é diretora-executiva da organização Atletas pelo Brasil

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