Preservação do maracatu como patrimônio imaterial sofre com concentração de recursos no Carnaval
Por: GIFE| Notícias| 24/02/2025
Olinda, Pernambuco, Encontro de Maracatus de baque solto. Foto: istock
Enquanto o Carnaval se aproxima, as ruas começam a pulsar com a promessa de festa e tradição. É nesse cenário que o maracatu se revela, trazendo consigo a cadência ancestral dos tambores, o brilho das vestes e o cortejo de reis, rainhas e maracatuzeiros.
As primeiras notícias que temos sobre os maracatus em jornais diários publicados em Recife (PE), datam do século XIX, conforme explica Ivaldo Lima, professor adjunto da Universidade do Estado da Bahia (UNEB) e autor do livro Maracatus e Maracatuzeiros.
“Há uma tradição bibliográfica, construída por memorialistas e folcloristas, que atribui uma suposta origem aos maracatus como sendo decorrentes dos festejos das coroações dos reis e rainhas do congo, instituição que visava recriar ambientes de tranquilidade no contexto da escravidão.”
A cineasta e jornalista Karolina Pacheco lembra que além da ancestralidade africana, o maracatu também está profundamente arraigado nas tradições dos povos indígenas. O poder de transmitir histórias orais ao longo do tempo é uma das características que ela identifica nessa manifestação cultural.
É essa tradição que tem sido preservada há séculos, por grupos como o Maracatu Nação Cambinda Estrela, cujas atividades remontam ao ano de 1935.
“O Maracatu Nação é um grande aquilombamento de pessoas, cujas raízes estão centradas na religião e cultura de matriz africana”, exalta Wanessa Santos, presidenta do Centro Cultural do grupo, que se preocupa com os desafios para preservar essa cultura. “O maracatu ensina respeito, humildade e tem um forte vínculo com a comunidade, lutando para ter nossos direitos assistidos. São mestres detentores do saber, bibliotecas vivas. As tradições têm que ser mantidas e repassadas. Estamos resistindo para sobreviver.”
Para Karolina Pacheco, apesar de alguns avanços, os desafios para valorizar essa herança cultural e tirá-la da marginalização pouco mudaram, lembrando que há cerca de 10 anos, por exemplo, houve repressão às sambadas de maracatu na Zona da Mata, em Pernambuco.
Os desafios atuais, analisa a cineasta, ainda giram em torno das formas de incentivo ao patrimônio imaterial, que seguem insuficientes diante da quantidade de mestres, mestras e brincantes que mantêm viva a manifestação. É tarefa do poder público preservar os patrimônios imateriais do país, através do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Uma das iniciativas mais recentes do órgão, foi o lançamento do Plano de Salvaguarda do Maracatu Nação, em 2023.
É preciso incentivos para além do período de Carnaval
Do ponto de vista do Investimento Social Privado (ISP), ainda que seja apenas o sexto foco prioritário para os respondentes do último Censo GIFE, a cultura é a segunda área temática com mais volumes investidos pelo setor, perdendo apenas para educação.
Apoio que ainda não alcança muitos territórios. Wanessa Santos relata que além das dificuldades de passar nos editais, os incentivos são concentrados principalmente no período de Carnaval, sendo difícil conseguir apoio para manter suas atividades no decorrer do ano. “A gente tira do bolso, vende material, conta com doações. O Estado não salvaguarda os patrimônios da forma que deveria”, lamenta.
Karolina Pacheco aponta que existem várias possibilidades para contemplar esses fazedores de cultura fora do ciclo carnavalesco.
“Oficinas de bordado de gola, de rima e poesia, por exemplo, são fundamentais, porque a poesia de mestre precisa de mais incentivo para garantir sua continuidade”, pontua. Além disso, lembra que os grupos necessitam de apoio para garantir suas roupas, alimentação e transporte durante as apresentações.
A pesquisadora, que conheceu o maracatu na infância e viu diversas agremiações deixarem de existir durante a pandemia de Covid-19 enquanto diretora de Promoção da Igualdade Racial da Fundação de Cultura de Camaragibe (PE), acredita que outra possibilidade de apoio do ISP seria um fundo de recursos, aliado a iniciativas públicas voltadas às políticas de patrimônio vivo.
“Isso permitiria que mestres e agremiações recebessem aportes mensais, de forma vitalícia, para gerir esses recursos da maneira que considerarem mais adequada para a preservação da tradição. No aspecto simbólico, também são necessárias ações de preservação, como a produção de inventários de bens culturais”, finaliza.