Primeiro bloco afro do Brasil, Ilê Aiyê completa 50 anos com legado de filantropia comunitária
Por: GIFE| Notícias| 18/11/2024Foto: Ilê Aiyê / Reprodução
Foi em uma sexta-feira, 1 de novembro de 1974, quando o primeiro bloco afro do Brasil o Ilê Aiyê, foi fundado, no bairro da Liberdade, em Salvador (BA), como resposta à exclusão imposta pelos blocos carnavalescos tradicionais, que restringiam a participação de pessoas negras. A iniciativa, que completa 50 anos em 2024, além de expor e denunciar o racismo, exaltou o orgulho do legado africano na cultura do país.
O “Mais Belo dos Belos” teve impactos que vão muito além do Carnaval. Em 1988, a Associação Cultural do Bloco Carnavalesco Ilê Aiyê criou a Escola Comunitária Mãe Hilda Jitolu, uma homenagem à Ialorixá do Ilê Axé Jitolu, terreiro onde nasceu o bloco.
“Um dos maiores legados do Ilê é mostrar há 50 anos que a festa também é política, na medida em que abre espaço para outros discursos, corpos, formas de ser e estar no mundo. É óbvio que essa inteligência social de resistência não ficaria restrita apenas àquele tempo espaço da festa”, observa Jonas Nogueira, mestre em Comunicação e Práticas de Consumo pela ESPM-SP, e pesquisador sobre Investimento Social Privado (ISP) com foco na Cultura.
O projeto visava garantir o direito à educação, em um contexto de dificuldade para conseguir vagas na rede pública, para crianças com faixa etária acima dos limites determinados pela Secretaria de Educação. Utilizando as instalações do barracão do terreiro, as crianças eram alfabetizadas sob a liderança das filhas de Mãe Hilda.
“Eram muitas as crianças que ficavam nas ruas sem acesso à educação, e Mãe Hilda entende que a responsabilidade dela e do Ilê era dar estrutura a essas crianças. Como não tinha recurso, edital, não se pagava salário, as primeiras professoras foram as filhas de Mãe Hilda, que faziam todo o trabalho para escola acontecer”, conta Valéria Lima, neta de Mãe Hilda, que preside atualmente o Instituto da Mulher Negra Mãe Hilda Jitolu, criado em 2023.
Com os anos, o Ilê desenvolveu ainda outros projetos, como o Band’Erê, criado em 1992 para oferecer a jovens e crianças atividades extracurriculares. “Tinha aula de percussão, dança, mas não teve grandes apoiadores, não tinha nem farda. Minha avó fez filantropia sem dinheiro durante muito tempo, e acho que a principal diferença entre a filantropia convencional e a negra. A negra se faz mesmo sem dinheiro”, lembra a neta de Mãe Hilda, que observa os blocos afro como uma atualização das Irmandades Negras.
Passadas décadas, existem hoje diversos blocos afro que atuam com iniciativas sociais, educacionais e de justiça racial em suas comunidades. Como a Escola Olodum, e a Creche do Malê Debalê, também na capital baiana; o Ilú Obá De Min – Educação, Cultura e Arte Negra, em São Paulo (SP); entre tantos outros.
Falta criatividade ao ISP
A despeito do seu incontestável papel social, o apoio a esses grupos continua escasso. Em 2020, durante a pandemia de Covid-19, o Ilê Aiyê quase perdeu sua sede, na Senzala do Barro Preto, devido a uma dívida trabalhista. Em 2022, os projetos sociais do bloco tiveram suas atividades culturais paralisadas por conta de dificuldades financeiras.
Para Valéria Lima, as barreiras são, além de raciais, regionais, devido à concentração de recursos no Sudeste do país. “A justificativa por muito tempo para esse recurso não chegar era a formalização, depois a falta de organização, e a gente sabe que não é verdade. Temos uma responsabilidade muito grande com prestação de contas, em fazer projetos bem estruturados, e ainda assim esse recurso não vem.”
Também coordenador de Sustentabilidade na Fundação Norberto Odebrecht, Jonas Nogueira aponta uma “miopia institucional” no setor, que não permite ver essas entidades fora do Carnaval.
“Precisamos deixar o paradigma do entretenimento, que limita o papel dos blocos afros à folia, e usar o paradigma do patrimônio, que nos permite ver o legado dessas entidades”, reflete. Ele explica que os blocos afros têm uma contribuição gigantesca na luta antirracista, na produção cultural e simbólica do nosso país. “E também na resolução de problemas sociais de suas comunidades por em sua maioria serem instituições de base comunitária.”
O pesquisador acredita que falta criatividade ao ISP para lidar com essas instituições e projetos. “O retorno de investimento de um bloco afro durante as ações de carnaval gera em um mês ou até em semanas um PIB que vai sustentar aquela comunidade muitas vezes até o próximo carnaval. Isso é algo que só a economia da cultura consegue gerar em tão pouco tempo. Por isso o ISP precisa ser mais criativo para investir nesses métodos e ajudar a mensurar e ampliar esse tipo de impacto”, finaliza.