Programas de voluntariado devem buscar fortalecer o cidadão

Por: GIFE| Notícias| 16/11/2004

MÔNICA HERCULANO
Repórter do redeGIFE

Após alguns anos de pesquisa sobre voluntariado e buscando o desenvolvimento de tecnologias específicas, o Portal do Voluntário lançou, no último dia 27 de outubro, o V2V (Volunteer to Volunteer). O objetivo é fazer com que as próprias pessoas interessadas possam construir uma rede de ação, com mais liberdade e dinamismo.

Os internautas poderão fazer seu site pessoal, divulgando idéias e projetos, relatando experiências, criando oportunidades e participando de fóruns e de ações promovidas por outros voluntários. As organizações sociais e empresas também poderão se beneficiar do V2V, tendo acesso às informações já disponíveis ou criando uma rede exclusiva para seus colaboradores e voluntários.

O coordenador geral do Portal do Voluntário, Bruno Ayres, fala ao redeGIFE sobre a lógica desta rede virtual, já reconhecida internacionalmente, e sua utilidade tanto para aqueles que desejam atuar como voluntários quanto para instituições que buscam este tipo de serviço. Ayres é consultor do módulo “”Desenvolvimento e gestão de programas de voluntariado””, do Curso Ferramentas de Gestão, promovido pelo GIFE.

Para ele, a grande vantagem da tecnologia V2V é a descentralização e o fortalecimento do cidadão e dos programas de voluntariado. “”O voluntariado é de quem faz e de quem quer fazer. Não adianta preencher uma ficha e esperar que te levem pela mão, porque isso não acontece. É preciso unir-se a outros que estão fazendo, se abrir e se relacionar.””

redeGIFE – Como surgiu a idéia da criação de uma rede de voluntariado como o V2V?
Bruno Ayres – A inspiração foi na estrutura de redes P2P (Peer-to-Peer), em que usuários trocam recursos – informações, músicas, arquivos – diretamente, sem intermediações. No V2V (Voluntário para Voluntário) os cidadãos que são ou querem ser voluntários se relacionam diretamente, independente de estarem em uma instituição social ou não. Nesta rede social, quem promove o voluntariado é o próprio voluntário.

redeGIFE – O V2V foi apresentado na Conferência Nacional de Voluntariado dos Estados Unidos, em junho. Foi feito algum tipo de parceria para o desenvolvimento do programa internacionalmente?
Ayres – Sim. Hoje temos uma forte parceria para difusão do V2V nos Estados Unidos, por meio do Civil Society Consulting Group, em Washington, liderado por Kenn Allen, um dos grandes especialistas mundiais neste tema e já bem conhecido daqueles que promovem o voluntariado no Brasil. Temos também uma interessante parceria com a Fundação Chandra, na Espanha, que promove o Portal Haces Falta, e com o grupo Somos Más, da Colômbia. A intenção com esses dois últimos tem como foco a formação de uma rede ibero-americana de voluntários, mesclando a tecnologia V2V com as ótimas ferramentas que os dois parceiros já desenvolvem em seus países. Ainda neste ano, vamos captar recursos para essa rede e, se alguma empresa que tenha interesse em Brasil e Espanha quiser participar, é só entrar em contato com o Portal do Voluntário.

redeGIFE – De que maneira um site como este pode auxiliar programas de voluntariado nas empresas e organizações sociais?
Ayres – Tanto organizações sociais quanto empresas podem se beneficiar do V2V. As ONGs podem usar o que está hoje disponível no Portal do Voluntário. Já para uma empresa ou até mesmo uma instituição social de maior porte que queira ter uma rede exclusiva para seus colaboradores e voluntários, desenvolvemos o que chamamos de Portal de Voluntariado Corporativo. Nele, construímos as ferramentas e conteúdos do site, damos todo o apoio de consultoria organizacional e realizamos manutenção tecnológica e de conteúdo para a implantação da nova lógica V2V. Nestes casos, o Portal do Voluntário cobra por serviços prestados e é dessa maneira que conseguimos sustentabilidade para disponibilizar o V2V sem custos para voluntários e organizações sociais. Em geral, há uma revolução nos programas de voluntariado em que o V2V é implantado. Além de benefícios claros aos voluntários, há um grande ganho para a empresa, que descentraliza a gestão do programa interno, fortalecendo seus colaboradores a criarem novas ações e se engajarem (via sistema) àquelas promovidas pela organização. Isso acaba desonerando a equipe de tarefas de intermediação. Enfim, como é no voluntariado, todos ganham.

redeGIFE – Como funciona o site?
Ayres – O foco são as pessoas. Estes cidadãos podem construir seus próprios sites de voluntariado, sem que sejam necessários quaisquer conhecimentos prévios, em um processo rápido, que não dura mais que cinco minutos. A partir deste site pessoal, ele pode contar quem ele é e o que faz ou deseja fazer. Há espaço para uma idéia, uma ação, um projeto ou mesmo uma instituição social. A partir daí, as pessoas vão se conhecendo e se juntando de acordo com suas afinidades. No V2V, o voluntário pode apresentar-se, divulgar idéias ou projetos, relatar suas experiências, construir guias passo-a-passo, participar de fóruns e promover eventos ou encontros.

redeGIFE – Quais as vantagens de se permitir que os próprios internautas produzam o site?
Ayres – A grande vantagem desta tecnologia é a descentralização e o fortalecimento do cidadão. Construindo seu próprio site, ele mostra a cara, diz quem é, o que faz ou pretende fazer e se predispõe a novas experiências e contatos. Antes, quem queria ser voluntário achava que era preciso preencher cadastros, fazer cursos, pedir permissões. O recado muito claro que o V2V quer dar é: o voluntariado é de quem faz e de quem quer fazer. Não adianta preencher uma ficha e esperar que te levem pela mão, porque isso não acontece. É preciso unir-se a outros que estão fazendo, se abrir e se relacionar.

redeGIFE – Quais as dificuldades deste tipo de atuação?
Ayres – A dificuldade maior é lidar com as incertezas, com a (aparente) falta de controle, pois se você quer fortalecer pessoas, tem que abrir mão de controles centralizados. Veja bem, não é não ter controle, mas é não ter controle centralizado. É preciso permitir que a própria rede se organize, colocando mecanismos de auto-regulação. Por exemplo: se algum cidadão entra na rede com uma ação que tenha fins comerciais, como venda de algum produto, os outros participantes têm a possibilidade de ′denunciar′ aquele site pessoal, apenas clicando em um botão. A denúncia é anônima e sua procedência é investigada pela equipe do Portal do Voluntário. Nestes casos, basta entrar em contato com o dono daquele site e pedir que retire aquele conteúdo específico, sem a necessidade de bani-lo da comunidade. Desde que lançamos a ferramenta, há quinze dias, isso aconteceu apenas uma vez, e já temos hoje 430 voluntários participantes. Há ainda uma outra forma de auto-regulação: aquela ação voluntária que não desperta interesse de outros voluntários (por questões de relevância ou qualidade) tende a ser periferizada na rede, cujo sistema privilegia os voluntários mais atuantes.

redeGIFE – O processo de cadastro das ONGs e dos candidatos a voluntários é o mesmo?
Ayres – O foco são as pessoas, que podem adicionar ONGs, projetos ou idéias. Todas elas têm o mesmo status de acesso a todas as áreas do site. Temos algumas redes fechadas, que são aplicações do V2V em programas de voluntariado empresarial. Nos programas destas empresas, como da Embratel e da Fundação BankBoston, apenas os funcionários podem interagir.

redeGIFE – Qual é o perfil do voluntário no Brasil hoje?
Ayres – Segundo última pesquisa conduzida por Leilah Landin (Iser – Instituto de Estudos da Religião/UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro), não há diferença socioeconômica ou etária entre o perfil do voluntário e do brasileiro médio. A única característica que diferencia o voluntário do cidadão comum é que o primeiro apresenta maior freqüência a cultos religiosos. Essa é a única diferença e isso é muito interessante ao meu ver, pois o voluntário é uma pessoa comum, como qualquer brasileiro. Esta noção de igualdade, não diferenciação entre classes sociais ou escolaridade, é muito importante para mostrar que o voluntário não tem nada de especial, de mais rico, mais sabido ou mais bonzinho. Ele é comum, é gente.

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