Projeto de lei prejudicial ao terceiro setor expõe falta de debate com o Legislativo

Por: GIFE| Notícias| 12/07/2004

MÔNICA HERCULANO
Repórter do redeGIFE

ALEXANDRE DA ROCHA
Subeditor do redeGIFE

Aprovado no último dia 29 de junho pelo Senado Federal, o Projeto de Lei nº 07/2003 trata do registro, da fiscalização e do controle das organizações não-governamentais no Brasil – incluindo os institutos e fundações de origem empresarial.

Conceitos confusos, inconstitucionalidade no que diz respeito à liberdade de associação e aumento da burocracia são alguns dos principais aspectos polêmicos da nova lei. Apesar dessas medidas, extremamente prejudiciais à atuação das organizações sociais, o que mais desagradou às lideranças do terceiro setor foi a falta de debate com a sociedade civil organizada.

Hugo Barreto, presidente do GIFE e secretário-geral da Fundação Roberto Marinho, considera a aprovação do PL 07/2003 um retrocesso para o campo das organizações sem fins lucrativos e para a própria sociedade, pois há na essência do projeto um tom de desconfiança e elementos que só criam obstáculos ao desenvolvimento do terceiro setor brasileiro.

Para ele, faltou maior abertura para o diálogo por parte do Senado Federal. “”Somos totalmente favoráveis à regulação do setor, essa é uma das bandeiras históricas do GIFE. Entretanto, isso só será possível a partir de um amplo debate entre os poderes constituídos, com destaque para o Parlamento e o Executivo Federal, e a sociedade civil organizada.””

Segundo Tomáz de Aquino Resende, procurador de justiça e coordenador do Centro de Apoio Operacional ao Terceiro Setor do Ministério Público de Minas Gerais, há mais de 10 anos os militantes do terceiro setor tentam sensibilizar os encarregados de elaboração de leis no sentido de produzir um grande debate antes de remeter as propostas para o Legislativo. Todo este trabalho, no entanto, foi em vão. Ele afirma que, com este projeto, mais uma vez, o processo legislativo vem impor regras antidemocráticas e inconstitucionais.

“”Não sei se aqui também se trata da terrível cultura da presunção da desonestidade geral ou se de boa intenção somada à ignorância. De qualquer forma, não acredito em sua aprovação final, até mesmo pela péssima e confusa redação””, avalia.

O responsável pelo Departamento de Justiça, Classificação, Títulos e Qualificação do Ministério da Justiça, José Eduardo Romão, entende que o texto substitutivo aprovado no Senado não avança e não contempla alguns pontos da discussão já apresentados tanto pelos movimentos organizados, quanto pelo próprio Ministério da Justiça e pela Secretaria-Geral da Presidência.

Para ele, antes de se pensar em criar um projeto de lei ou uma nova lei, há a necessidade de um processo de consolidação do Marco Legal do terceiro setor. “”É esta etapa que, na visão do Ministério da Justiça, fica muito prejudicada. Seria importante uma avaliação e uma consolidação da legislação vigente. Até mesmo uma monitoração dos projetos em andamento no Congresso Nacional, como fazem o GIFE e a Abong (Associação Brasileira das Organizações Não-Governamentais)””, analisa.

O assessor especial da Presidência da República, Cezar Alvarez, afirma que a falta de um maior debate com a sociedade civil foi uma decisão ligada à autonomia do Legislativo, mas que isso não significa que as discussões neste Poder não possam ser feitas com o prazo necessário para o amadurecimento, para o contraditório e para a construção de novas sínteses.

Alvarez não acredita que o PL 07/2003 possa se sobrepor ao Grupo de Trabalho Interministerial (GTI) de Marco Legal do terceiro setor. Criado pelo Presidente da República e coordenado pela Secretaria Geral da Presidência, o GTI reúne membros dos ministérios da Casa Civil, Desenvolvimento Social, Educação, Fazenda, Justiça, Previdência Social e Trabalho e trabalha no aperfeiçoamento da legislação que rege as organizações sem fins lucrativos.

“”Esta votação em absoluto nos tira do rumo de uma discussão de maior fôlego do quadro geral, da transparência, da parceria público-privada, do seu controle do social e da eficácia das políticas públicas””, afirma.

Pontos polêmicos – Entre os diversos aspectos que têm gerado debate no terceiro setor, o PL 07/2003 cria o Cadastro Nacional de Organização Não-Governamental (CNO). Administrado pelo Ministério da Justiça, ele traria dados “”relevantes para a avaliação de seus objetivos””, segundo o texto. Entre outras informações, as organizações deverão relatar suas fontes de recursos e modo de utilização, linhas de ação, tipos de atividades e política de contratação de pessoal.

A medida abre espaço para uma intervenção indevida do Estado em assuntos privados dos cidadãos. Há inclusive a possibilidade de afronta direta à liberdade constitucional de associação que prevê, além da liberdade de associar-se, a não-ingerência do Estado no funcionamento destas organizações. “”A redação do projeto de lei pode dar margem a um poder arbitrário ao Ministério da Justiça para avaliar os objetivos das entidades do terceiro setor””, afirma o presidente do GIFE, Hugo Barreto.

Outro ponto de discussão do PL 07/2003 é a exigência da prestação de contas ao Ministério Público. Hugo Barreto ressalta que exigir isso por parte das organizações da sociedade civil que recebam recursos públicos é absolutamente salutar e o GIFE concorda com a medida.

“”A Constituição Federal e as leis que a regulamentam já trazem expressamente a obrigação de prestação de contas por parte das organizações sem fins lucrativos quando estas utilizam recursos públicos. Agora, querer extrapolar esse controle para a gestão e o destino dos recursos privados obtidos por essas instituições é uma insensatez. Sendo os recursos privados voltados para o interesse público, somos a favor da prestação de contas à coletividade e, portanto, pela transparência total das contas. Entretanto, essa tem que ser uma decisão de livre arbítrio da organização””, afirma.

O procurador de justiça Tomáz de Aquino Resende lembra que as fundações já são obrigadas a prestar contas ao Ministério Público e, pela Constituição Federal, as associações (institutos) têm liberdade de associação garantida. “”Entendemos que só pode o Ministério Público exigir contas quando, por exemplo, tiver notícia de eventuais ações delitivas na gestão das entidades.””

O que mais preocupa Tomáz de Aquino é a falta de estrutura para atender a nova demanda. Segundo ele, criam-se leis sem antes um diagnóstico preciso de suas conseqüências. “”O Ministério Público não está devidamente estruturado para o atendimento, até porque a demanda nem sequer foi mensurada. Algumas experiências têm demonstrado a inconveniência para o Estado – compreendido aqui como governo, mercado e sociedade – na edição de leis sem que antes aqueles que vão aplicá-las sequer tenham conhecimento e, menos ainda, adequada preparação, tanto acadêmica quanto estrutural, para o fim determinado.””

Procurado pelo redeGIFE, o relator do PL 07/2003 aprovado pelo Senado, senador César Borges (PFL/BA), não se manifestou até o fechamento desta edição. O texto já está na Câmara dos Deputados, aguardando votação, sob o nº 3.877/2004.

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