Projeto trabalha memórias afetivas de crianças que crescem em abrigos
Por: Fundação FEAC| Notícias| 17/10/2022Segundo o Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA), cerca de 49 mil crianças e adolescentes vivem atualmente acolhidos no sistema
Muitas das memórias que trazemos de nossa infância são tecidas ao longo da vida por meio da convivência familiar, daquilo que nos contam sobre nós quando éramos pequenos e das imagens que eternizamos em registros fotográficos ou vídeos caseiros e que ajudam a preservar nossas lembranças.
Crescer distante das referências familiares, no entanto, é a realidade de muitas crianças do país, que moram em casas lares e abrigos. Segundo o Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA), cerca de 49 mil crianças e adolescentes vivem atualmente acolhidos no sistema. E embora o acolhimento seja previsto como uma medida provisória e excepcional, utilizada como forma de transição para reintegração familiar ou adoção, muitas das crianças e adolescentes acolhidos só deixam a instituição ao completarem 18 anos.
Pensando em ampliar e qualificar o cuidado dessas crianças e documentar suas trajetórias, a organização da sociedade civil (OSC) Aldeias Infantis SOS Brasil, que abriga 47 crianças e adolescentes, em Campinas, criou o projeto Memória e Afetos, contemplado em edital da Fundação FEAC. O projeto reforça o objetivo maior da organização, que é desenvolver e preparar os acolhidos para uma vida autônoma e inserida na sociedade.
“A proposta central do Memórias e Afetos é proporcionar a crianças e adolescentes registros dos momentos felizes vividos durante o período de acolhimento. Crianças que crescem fora do contexto familiar perdem muito das próprias referências”, diz a educadora social Rebeca Moraes da Silva, assistente de projetos do Programa Acolhimento Afetivo, da Fundação FEAC.
A pedagoga Jéssica Cunha, que trabalha na Aldeias Infantis e é uma das coordenadoras do Memórias e Afetos, conta que é comum ouvir adolescentes dizerem, “tia, eu não tenho foto de quando eu era pequeno. Não tenho muita história”. Como as casas lares e abrigos em geral trabalham com recursos muito limitados, o projeto investiu em equipamentos de mídia e no financiamento de passeios em grupo, como idas ao parque, ao cinema e à praia.
Para a OSC, o projeto está alinhado com a sua missão de garantir às crianças e adolescentes os seus direitos fundamentais enquanto sujeitos em desenvolvimento. “O acesso à saúde, educação, participação sociocultural e convivência familiar e comunitária possibilita o desenvolvimento de autonomia e cidadania. Nossas ações visam garantir direitos para que o melhor potencial de cada indivíduo possa ser desenvolvido, a fim de que tenham a condição de estabelecer as bases para um futuro autônomo”, diz trecho do projeto, que é executado pela atual equipe multidisciplinar do serviço com técnicos, educadores e cuidadores.
Crianças veem o mar pela primeira vez
“Muitas crianças e adolescentes nunca tinham visto o mar! Foi uma experiência inesquecível e que seguirá reverberando na vida de todos que participaram”, diz Jéssica, sobre a viagem feita pelo grupo, com 70 pessoas e 49 crianças, para Santos (SP), no auge do verão, em janeiro deste ano (confira o álbum de fotos).
Ela conta que a iniciativa entusiasmou crianças e adolescentes, que adquiriram o hábito de levar a câmera sempre que saem para algum passeio. “Com isso, temos criado muitas memórias felizes. Todas as crianças têm uma pasta de fotos na nuvem com as imagens que vão sendo registradas”, diz ela. Como parte do projeto, todas as crianças e adolescentes do abrigo vão ganhar um álbum de fotos que será confeccionado com as imagens escolhidas por cada um.
O objetivo é ir construindo essas memórias e, quando o jovem completa 18 anos, ele deixa o abrigo levando os registros que guardou no período e uma mala com o seu enxoval (roupa de cama, travesseiro, edredom, toalha). “O enxoval é uma ferramenta a mais de identidade, de quem esse jovem é, da história que ele tem, dos pertences que ele possui”, diz Jéssica. “Para crianças e adolescentes que estão em serviços de acolhimento, quanto mais houver espaços para expressão e elaboração de suas histórias, mais eles se fortalecem”, conclui.
Nicolas, o youtuber
O adolescente paulista Nicolas Luís de Oliveira Santos, 16 anos, é prova disso. Ele vive em abrigos desde os 11 anos de idade, e em 2020, durante a pandemia, foi transferido para a casa lar da OSC Aldeias Infantis, em Campinas, onde já morava o seu irmão, Nathan.
Nicolas conta que guarda algumas poucas fotos de quando era criança e agora, com o incentivo da casa lar, está ampliando o seu álbum com fotos de festas de aniversário e de passeios. O melhor de tudo? a visita ao parque aquático e a viagem para praia, em Santos, no início do ano.
Comunicativo, desinibido e corinthiano, Nicolas assumiu o papel de porta-voz da garotada, e foi apelidado de “youtuber” do grupo, por protagonizar vídeos em que ele entrevista colegas e registra momentos dos passeios. “Eu fiz aquele vídeo para mostrar o pessoal se divertindo”, diz ele, que usou os recursos de mídia para mandar a sua própria visão da vida em acolhimento.
Nicolas, que se prepara para arrumar emprego como jovem aprendiz em 2023, também quer montar o seu álbum para levar como recordação. “Quero ter para poder mostrar para as pessoas como foi a minha vida aqui. E levar recordação das minhas tias, que guardo no coração o tanto que elas me apoiaram”, diz ele.
Por Natália Rangel