Projetos apóiam o aumento da escolaridade entre jovens negros
Por: GIFE| Notícias| 14/07/2003MÔNICA HERCULANO
Repórter do redeGIFE
No recém-lançado Relatório Global sobre Discriminação no Trabalho, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) aponta que houve um aumento no grau de escolaridade da população negra brasileira, apesar disso ainda não ter se refletido na comparação salarial com os brancos. Em 1992, 78% dos negros economicamente ativos e maiores de 16 anos tinham 7 anos ou menos de estudo. Em 2001, esse índice caiu para 64%.
Ainda assim, o número é alto, o que tem feito com que organizações da sociedade civil atuem para diminuir esse índice. São ações de financiamento a projetos de inclusão dos negros nas universidades, cessão de bolsas de estudo e apoio a concursos para iniciativas que visem à inserção desse público nas escolas.
Em junho, o Instituto Xerox iniciou o projeto Afro Ascendentes, em parceria com a ONG Geledés e com o Cieds (Centro Integrado de Estudos e Programas de Desenvolvimento Sustentável). A idéia, segundo José Pinto Monteiro, diretor executivo do instituto, é apoiar os estudantes com cursos pré-vestibulares e de idiomas, além de garantir acesso à internet, assistência médica e odontológica.
Neste primeiro ano, quarenta jovens negros de comunidades pobres estão sendo selecionados para o programa, que os prepara para ingressar em universidades públicas e em cursos nas áreas de exatas e biomédicas, nos quais a incidência de negros é menor. “”A expectativa é beneficiar 200 pessoas do eixo Rio-São Paulo, o que dependerá das organizações interessadas em firmar parcerias. Já contatamos 18 empresas, e a recepção tem sido excelente. Estudos e pesquisas comprovam que a diversidade enriquece o processo produtivo””, conta Monteiro.
Concurso – Para a assistente de programas da Fundação Ford, Fabrina Furtado, há muito tempo a população brasileira acredita na existência de uma democracia racial. “”Porém, com a maior ocupação do movimento negro nos espaços políticos e seu fortalecimento organizacional, além da disseminação de dados que mostram a real situação de discriminação do país, há mais atenção a essa questão.””
A Fundação Ford apóia instituições que trabalham com programas para a população negra e concursos dirigidos a estudos para esse público. Fabrina conta que são apoiadas iniciativas que visam a um aumento da capacidade das instituições afro-brasileiras, além de pesquisas e estudos sobre raça e gênero e integração entre sexo, raça e classe para erradicar a discriminação e a violência.
Em 2001, a Fundação apoiou o Concurso Nacional Cor no Ensino Superior, em parceria com o Laboratório de Políticas Públicas da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro). O concurso foi destinado à seleção e ao financiamento de projetos que promovessem ampliação do acesso e da permanência de grupos historicamente excluídos nas instituições de ensino superior brasileiro, especialmente a população negra.
“”Foram financiados 27 projetos. Eles envolviam pesquisa, cursos pré-vestibular e capacitação em geral. O objetivo foi estimular experiências existentes, bem como fomentar a criação de iniciativas que estimulem políticas institucionais e governamentais orientadas ao combate das desigualdades étnico-raciais e sociais no ensino superior.””
Bolsas – Desde 2001, a Associação Alumni, que mantém cursos de idiomas, tem um convênio com a ONG Afrobrás para a cessão de bolsas de estudos. São concedidas 21 bolsas parciais, que variam de 50% a 70%. Além disso, as duas organizações estão negociando o apoio à Universidade Zumbi dos Palmares.
Segundo a gestora de projetos da Afrobrás, Ruth Lopes Costa, o processo de seleção para a universidade, que começará suas atividades com 400 vagas para o curso de Administração de Empresas, será de acesso universal. Porém, haverá bolsas de estudo, disponibilizadas por parcerias entre os setores público e privado, para garantir a presença de um número mínimo de afrodescendentes.
“”O contato e a receptividade em empresas e organizações, tanto nacionais como internacionais, tem sido bastante expressivo. Acreditamos que os empresários estão compreendendo a necessidade e a urgência de combater a discriminação racial. O negro transforma-se rapidamente em grande força consumidora, e a sociedade como um todo exige uma postura ética de respeito à diversidade e à pluralidade racial das empresas às quais remete sua fidelidade.””
Para a coordenadora do Projeto Adebori de Permanência de Negros no Ensino Superior do Paraná, Lena Garcia, além de auxiliar o ingresso dos negros na universidade, é preciso zelar pela sua permanência. “”Essa também me parece uma alternativa de atuação eficaz, à medida que os poucos negros que ingressam no ensino superior têm dificuldade de se manter nos cursos, pois na maioria das vezes também são pobres.””
Criado pelo Instituto de Pesquisa da Afrodescendência (Ipad) e apoiado pela Fundação Avina, o Projeto Adebori trabalha com monitoramento das notas e da freqüência dos alunos na faculdade, auxilia financeiramente e os insere em um Programa de Iniciação Científica sobre Relações Raciais. Além disso, oferece cursos sobre relações raciais, história e cultura africana e trabalha o tema das desigualdades raciais no Paraná. O projeto envolve sociedade civil, empresários, governo, ONGs e três instituições de ensino superior.
Cotas – O educador e diretor executivo da consultoria Amce, Reinaldo Bulgarelli, diz que todas essas iniciativas são complementares ao sistema de cotas para negros, recentemente adotado por algumas faculdades. “”Para enfrentar o racismo e suas conseqüências na vida dos negros e na própria condição de desenvolvimento e sustentabilidade do país, precisamos de um conjunto de ações articuladas que passam por programas, políticas e pela disposição individual de cada cidadão em construir efetivamente um país com equidade.””
Apesar da polêmica em torno do sistema de cotas, Fabrina, da Fundação Ford, acredita que esse foi um dos fatores que impulsionaram a discussão sobre ação afirmativa no Brasil, fora do âmbito do movimento negro organizado. “”Para resolver um problema tão grave como a discriminação racial, o primeiro passo é tirar a questão de baixo dos panos, acabar com a invisibilidade da questão. Com um histórico de discriminação e desigualdade racial, qualquer política de ação afirmativa será polêmica. O que não pode acontecer são políticas isoladas e pontuais. Ação afirmativa deve ser apoiada como uma política necessária para combater a discriminação racial e o respeito à diversidade e precisa ser executada paralelamente em cada esfera da sociedade.””
Para Ruth, da Afrobrás, a questão das cotas é polêmica porque foi mal explicada, mal debatida e mal-entendida. “”É um instrumento importante de encurtamento das distâncias sociais, porém, cuida apenas de aspectos superficiais. Cabe à sociedade aplicá-la, aperfeiçoá-la e produzir medidas melhores que ela, mas jamais subtraí-la sem apresentar outro caminho que cumpra os objetivos de promover a igualdade mínima de oportunidades entre todos os cidadãos brasileiros.””