Projetos de ensino da arte devem considerar diferentes perfis do público atendido

Por: GIFE| Notícias| 17/11/2003

MÔNICA HERCULANO
Repórter do redeGIFE

Na próxima segunda-feira (24/11), 16 universidades públicas assinarão convênio para integrar a Rede Arte na Escola. Com essas novas unidades, serão 33 os pólos de atuação da rede, que hoje beneficia mais de 10 mil professores em todo o país, com videotecas especializadas e atividades de educação continuada em arte.

No mesmo dia, o Instituto Arte na Escola, ligado à Fundação Iochpe, lança o projeto arte br e entrega o Prêmio Arte na Escola Cidadã. O novo projeto consiste na distribuição de kits educacionais para arte-educadores em todo o país, além da doação de obras de arte a museus de diversas cidades brasileiras. Já o prêmio, que neste ano reuniu mais de 100 iniciativas, reconhece ações de professores dos ensinos infantil, fundamental e médio.

Ações como essas demonstram a importância que o ensino da arte vem recebendo por parte de organizações que atuam na área de educação. Elas promovem a formação de arte-educadores e desenvolvem projetos que visam ao estímulo da criação artística de crianças e jovens de comunidades de baixa renda.

“”A arte é uma linguagem e, portanto, fundamental no processo de alfabetização. Ao mesmo tempo, ela opera pela via dos sentidos, tornando a aprendizagem mais visceral e devolvendo o prazer de ir à escola””, explica Evelyn Berg Ioschpe, presidente do Instituto Arte na Escola e da Fundação Iochpe. Ela afirma que, apesar da arte não estar a serviço de outras disciplinas, e possuir suas próprias questões a serem trabalhadas, suas linguagens podem e devem ser utilizadas de maneira interdisciplinar.

Lançado em outubro pela Editora da Universidade de São Paulo (Edusp), a Imprensa Oficial do Estado de São Paulo e a Vitae – Apoio à Cultura, Educação e Promoção Social, o livro Deslocamentos apresenta experiências de arte-educação na periferia paulistana. Para a autora, Nair Kremer, a arte pode ser uma das formas mais eficazes de estímulo à reflexão sobre valores, atitudes e comportamentos.

“”A grande função da arte na educação é a de preparar o homem para uma relação criativa com o mundo, ampliando a consciência acerca de suas potencialidades e de suas possibilidades de atuação sobre o meio””, diz na introdução do livro.

Denise Grinspum, diretora do Museu Lasar Segall e consultora da Vitae, afirma que o ensino da arte possibilita, entre outras coisas, o desenvolvimento da sensibilidade e do senso crítico, além do acesso a outras culturas. “”O poder simbólico da arte e o caráter de subjetividade que envolve tanto o processo de criação como o de apreciação são fundamentais para a interpretação de si e do mundo.””

No entanto, ela alerta para o fato de que essa prática costuma ser vista como forma de substituir aquelas que geralmente conduzem crianças e jovens carentes às ruas, às drogas e à violência. “”Sem dúvida, essa é uma função importante, mas não pode ser compreendida como um fim em si mesma, pois se corre o risco de encher as crianças com materiais e exercícios totalmente alheios a elas.””

A gerente de ação educativa do Instituto Itaú Cultural, Renata Bittencourt, lembra que não há um padrão único de crianças ou adolescente que possam ser identificados sob a denominação carentes. “”Há grupos e grupos, cada um com interesses, desejos e repertórios diferenciados. A observação atenta destes elementos pode ser facilitadora do desenvolvimento de estratégias bem-sucedidas.””

Ela defende que a relação de acesso não obedece a um sentido de mão única, em que se disponibiliza cultura a quem não tem. “”Reconhecer como sujeitos integrais e criadores os interlocutores de qualquer ação é fundamental. Ampliar o acesso significa também reconhecer a realidade e o repertório específicos dos grupos foco do trabalho. Assim, garante-se a relevância da ação e uma dinâmica de diálogo entre as partes. Além disso, é preciso estar atento à continuidade e buscar ações que não tenham caráter eventual””, alerta Renata.

Além de promover atividades voltadas à educação sobre a arte para o público em geral, o Instituto Itaú Cultural desenvolve ações específicas para a formação de professores. São cursos, visitas monitoradas e materiais de apoio específicos para capacitar os educadores.

Metodologia – No livro Deslocamentos, Nair Kremer conta que é importante oferecer aos jovens uma grande variedade de símbolos, para que eles possam criar um código pessoal. “”Quando o jovem encontra imagens com as quais ele se identifica e pelas quais ele se lê, diferentes processos criativos podem ser desenvolvidos. Criatividade é algo que não se ensina; entretanto, pode se oferecer a oportunidade através de situações que promovam o desenvolvimento de uma linguagem própria. Ensinam-se técnicas, mas não se pode ensinar alguém a criar. Cada aluno é uma experiência única e pede um relacionamento especial””.

Ensinar a técnica para formar profissionais de áreas ligadas ao fazer artístico é um dos objetivos da Kabum! Escola de Arte e Tecnologia, criada pelo Instituto Telemar em parceria com a Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) e a ONG Spectaculu. No Rio de Janeiro e, em breve, em Recife (PE) e Salvador (BA), jovens têm acesso a cursos gratuitos de design, computação gráfica, vídeo e fotografia.

Também fazem parte do currículo aulas de História da Arte e atividades extra-classe, como encontros com artistas e visitas a centros culturais, buscando ampliar o olhar dos estudantes para a construção do espaço público e da participação cidadã.

Maria Arlete Gonçalves, gerente do Instituto, afirma que o mundo vive, há pelo menos duas décadas, a explosão da imagem, e jovens moradores de áreas de risco social não têm a oportunidade de mostrar suas excelências e criatividades. “”Também é comum não se valorizar os talentos locais. Faz parte da nossa proposta incentivar os alunos a voltarem-se, em um primeiro estágio, para suas comunidades, fazendo-os pesquisar os artistas já atuantes em seus bairros, reforçando a busca de valores e estéticas próximas. Depois, eles são estimulados a olhar para outras realidades e criar a partir delas.””

Barreiras – O distanciamento que crianças e jovens de comunidades de baixa renda ainda têm em relação ao trabalho artístico é um dos principais desafios na implementação de projetos de arte-educação, de acordo com o coordenador da Fundação BankBoston, Sérgio Kuroda. “”Por diversos motivos, a valorização das artes plásticas não é comum nessas comunidades. Assim, quando um grupo inicia um projeto de arte-educação, os primeiros passos são no sentido de apresentar uma linguagem que muitos tiveram pouco ou nenhum contato, o que torna o processo um pouco mais lento””, explica.

A Fundação BankBoston tem dois projetos que envolvem arte-educação: o PraTiCidade e o 100 Muros. O primeiro, em parceria com a ONG Cidade Escola Aprendiz e a Prefeitura de São Paulo, possibilitou a revitalização de espaços públicos na cidade por meio do trabalho com crianças e jovens de escolas públicas e particulares, funcionários do BankBoston e a comunidade em geral, que participaram de oficinas de arte que envolviam a discussão de temas como cidadania e urbanismo. Já o 100 Muros promoveu, durante dois anos e meio, a decoração de 100 muros da cidade com técnicas como mosaico, pintura e modelagem, entre outras.

“”Os projetos permitiram que se criasse uma nova relação dos cidadãos com o espaço público, promovendo atividades culturais e de convivência comunitária, além de ampliar a atenção da comunidade para a preservação e a valorização do espaço público””, conta Kuroda.

Outro desafio geralmente enfrentado é convencer a população, especialmente pais e professores, dos aprendizados desenvolvidos ao longo de um projeto de arte-educação. Para superar este obstáculo, são necessários alguns princípios norteadores, como a apropriação da proposta pedagógica por todos os envolvidos e o investimento em uma equipe que possa conduzir o trabalho. Neste sentido, a preparação dos educadores é fundamental.

Evelyn Ioschpe, do Instituto Arte na Escola e da Fundação Iochpe, lembra que a lei brasileira exige que, até 2007, todos os professores tenham formação superior. “”Não é qualquer professor que pode ser arte-educador, pois sua formação deve ser em arte. No entanto, nas séries iniciais, temos observado que a maioria dos educadores vêm de outras formações. É preciso investir mais fortemente na capacitação destes profissionais que não tiveram acesso aos bens culturais e dar as ferramentas para a utilização do capital cultural dentro da sala de aula.””

Renata Bittencourt, do Itaú Cultural, conta que hoje existem muitos educadores que utilizam a arte como ferramenta. “”A formação é importante, por isso temos colaborado com a capacitação de educadores de perfil social. Na educação formal vemos cada vez mais como a arte pode ser o elo articulador das iniciativas interdisciplinares, podendo ser utilizada por quaisquer professores.””

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