Projetos envolvem produção de mídia e incentivam a cidadania entre os jovens

Por: GIFE| Notícias| 20/09/2004

MÔNICA HERCULANO
Repórter do redeGIFE

No final de agosto, foi lançada a publicação virtual Projetos de Educação, Comunicação & Participação – Perspectivas para Políticas Públicas, elaborada sob a coordenação do jornalista Fernando Rossetti com o apoio do Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância). Foram pesquisados nove projetos que utilizam a criação de jornais, rádios, vídeos, sites e outros produtos de comunicação como maneira de formar crianças, adolescentes e jovens no Brasil.

Iniciativas que buscam a capacitação por meio da utilização de técnicas de comunicação e linguagem multimídia têm sido uma crescente no país. Elas são desenvolvidas por organizações que partem do princípio de que, para se tornar cidadão na sociedade da informação, é necessário saber produzir mídia, e não apenas ter acesso a ela.

“”O boom da comunicação na educação se deve basicamente à revolução nas tecnologias de informação e comunicação (TICs)””, conta Rossetti. Ele afirma que a produção de comunicação por crianças e jovens desenvolve uma série de habilidades e competências importantes para a cidadania: eleva a auto-estima, favorece o trabalho em grupo e a interdisciplinaridade, incentiva a pesquisa e análise de informações e tende a “”derrubar os muros”” da escola, colocando-a em contato com a comunidade, entre outros ganhos individuais e coletivos.

As organizações que já atuam nesta área têm, de fato, buscado aumentar o atendimento. Alguns já chegaram à escala de política pública, outros caminham para este sentido. Porém, uma grande dificuldade é justamente a relação entre quantidade e qualidade. Um dos principais desafios é a formação de agentes multiplicadores. “”Boa educação depende de bons educadores. Mas os salários são baixos e a formação nas faculdades e em serviço é deficiente. Como disseminar projetos com qualidade, se os agentes multiplicadores dessas idéias e ações têm repertório conceitual e prático limitado?””, questiona Rossetti.

Segundo ele, é preciso formar a direção e os educadores da escola, de maneira contínua, com as mesmas metodologias usadas com as crianças e jovens. “”Por exemplo, se será feita uma rádio, os professores e coordenadores também devem fazer a rádio, de preferência junto com os estudantes – e não apenas terem aulas expositivas sobre o que é uma rádio.””

Além de motivação e preparação de professores e educadores para utilizar toda essa tecnologia com competência, é necessário aumentar o investimento em equipamentos e recursos didáticos. Para Conceição Bongiovanni, gerente de projetos da Vitae – Apoio à Cultura, Educação e Promoção Social, isso poderia e deveria ser em grande parte apoiado também pelas empresas do setor. “”A utilização desses recursos deveria ser feita dentro de uma nova concepção do ato pedagógico, que efetivamente resgatasse o protagonismo do aluno como sujeito de seu processo. Este é o grande desafio nessa questão e, infelizmente, existem poucas iniciativas que chegam até este ponto do problema.””

De acordo com Rita Paulon, coordenadora de programas do Instituto Ayrton Senna (IAS), é importante uma formação que englobe a discussão relacionada ao jovem – suas necessidades, demandas, idéias e características – ao projeto pedagógico da escola e às características, possibilidades e interesse dos meios de comunicação em desenvolver o trabalho. O desafio também envolve a criação de um sistema comunicativo que promova o desenvolvimento de potenciais, a participação social e a construção de valores.

O IAS desenvolve o Programa Educação pela Comunicação. “”Buscamos desenvolver a comunicação como caminho, como modo de interação e método de formação, e não como material de apoio em sala de aula, nem como recurso didático. Também não se limita à elaboração do produto de comunicação em si, desvinculado de processos educativos amplos””, explica Rita.

O Projeto Comunicação no Centro Cultural insere-se no programa do IAS e é desenvolvido pelo Centro Cultural Maria Lívia de Castro, em Belo Horizonte (MG). Paulo de Castro Andrade, coordenador da iniciativa, explica que a produção de meios de comunicação é uma forma de dar a oportunidade ao jovem de demonstrar o olhar que tem sobre si, o outro e o meio em que vive. “”Ao produzir um programa de rádio em uma escola, por exemplo, o jovem expressa suas idéias, sentimentos, valores, além de ter a oportunidade de conhecer melhor as características de produção da mídia e os interesses que fazem parte dessa produção.””

Dessa forma, adquire uma postura crítica sobre os meios de comunicação, fundamentada em valores. “”A simples produção de meios de comunicação não é suficiente na formação dos jovens. Pode ser, no entanto, uma maneira eficiente de levá-los a desenvolver o potencial humano que têm””, completa Andrade.

Profissionalização – Conceição Bongiovanni, da Vitae, entende que projetos dessa natureza têm um alto poder motivacional, o que é fundamental em qualquer processo de ensino-aprendizagem, além de um forte sentido prático, na medida em que abrem novas possibilidades de inserção dos jovens no mercado de trabalho. “”Apoiamos ações concretas de empregabilidade dos jovens treinados nessa área, seja como empreendedores seja como colaboradores de empresas do setor””, conta.

Na área de educomunicação, a Vitae apóia o projeto Vídeo: Cultura e Trabalho – desenvolvido pela ONG Ação Educativa, que também conta com o apoio do Instituto Credicard – e a Cipó Comunicação Interativa, de Salvador (BA). “”Graças a este projeto, 50 jovens foram encaminhados com sucesso para o mercado de trabalho. Além da capacitação profissional propriamente dita, as avaliações realizadas indicaram mudanças significativas na auto-estima e nos hábitos de leitura de todos os participantes””, conta Conceição.

Investir para que os alunos possam entrar no mercado de trabalho também é uma preocupação dos projetos do Instituto Telemar nesta área. Para o trabalho das Escolas de Arte e Tecnologia Kabum!, a organização investe no estabelecimento de uma rede-parceira com agências de publicidade, escritórios de design, produtoras de vídeo e canais de TV. As escolas possuem equipamentos e softwares de última geração em tratamento de imagem para promover talentos em comunidades de baixa renda de grandes cidades. Para a implantação do projeto no Rio de Janeiro, em Salvador (BA) e no Recife (PE), o instituto conta com o apoio da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), de órgãos públicos e de organizações não-governamentais locais.

“”Além da inserção pessoal de cada um desses jovens no mercado, o projeto trabalha o empreendedorismo e prevê, como desdobramento, a criação de núcleos de imagem e comunicação nas próprias comunidades. Temos um já bem-sucedido programa de estágios, mas a formação da consciência acerca das possibilidades e dificuldades do mercado fazem parte própria metodologia da escola e fica facilitada pelo fato dos professores serem também profissionais atuantes””, explica Maria Arlete Gonçalves, gerente do Instituto.

O Instituto Telemar também apoiou o projeto Gente é pra brilhar, desenvolvido pela ONG Cima (Centro de Cultura, Informação e Meio Ambiente). A iniciativa abrange a capacitação de adolescentes na área audiovisual e a produção de documentários com histórias de iniciativas que estão mudando a vida de jovens em comunidades urbanas.

Marcos Didonet, diretor do Cima, conta que o projeto pode ser resumido em três pontos: utilizar a força de comunicação do audiovisual para divulgar o protagonismo juvenil, constituir-se em um instrumento pedagógico para ser trabalhado em sala de aula e apresentar a jovens as técnicas de produção de cinema e vídeo para a perspectiva do mercado de trabalho. “”Nestes pontos, são levadas em conta a preocupação de prepará-los sobre a realidade das expectativas e as possibilidades de mercado. Mas outros aspectos também são conquistados por estes jovens, como a auto-afirmação, a melhora sensível na comunicação e na postura e a valorização da cultura como algo importante na sua formação.””

Educação de cidadania, de participação, de busca por informações e por atuação em equipe, de acordo com Rachel Mello, oficial de comunicação do Unicef no Brasil, é o melhor que estes projetos oferecem. “”O que temos observado é que fazer fotografia, rádio, jornal mural, jornal da escola e vídeo proporciona aos adolescentes as ferramentas que eles precisam para falar e reivindicar seus direitos.””

Na verdade, completa Rachel, isso acontece há muitas gerações. “”Basta lembrarmos da importância do jornalzinho da escola na vida de muitos de nós. Entendemos que a grande mudança agora é proporcionar a adolescentes das classes populares o acesso a essas experiências””, explica.

Para Fernando Rossetti, o caminho para a disseminação desse tipo de trabalho é o investimento em pequenos e bons projetos. Ele explica que, com o tempo, essas iniciativas ganham qualidade e consistência, articulando-se e formando uma massa crítica de idéias e práticas que tende a beneficiar toda a rede de ensino. “”O governo deve ter políticas públicas abrangentes de formação e distribuição de equipamentos, articuladas a essas várias ações locais – políticas públicas que respeitem a identidade de cada projeto, de cada comunidade.””

O jornalista lembra que a comunicação é interdisciplinar e tende a colocar seus produtores em posição mais horizontal, democrática. “”As escolas estão organizadas em disciplinas e aulas de 50 minutos, no máximo. Além disso, o poder político, de decisão, na enorme maioria das escolas é vertical, autoritário. A inserção da produção de comunicação nas escolas sempre tende a produzir algum conflito, pois mexe nas relações micro-políticas. Mas quando se supera essas dificuldades, os resultados em termos de aprendizagem e autonomia dos envolvidos são surpreendentes””, afirma.

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