Projetos para alfabetização de jovens e adultos promovem formação e inserção social

Por: GIFE| Notícias| 08/09/2004

MÔNICA HERCULANO
Repórter do redeGIFE

Nesta quarta-feira (8/9), comemora-se o Dia Mundial da Alfabetização. Um dos assuntos em destaque na semana é a educação de jovens e adultos no Brasil. Eventos como a V Semana da Alfabetização, realizada entre 1º e 4 de setembro, em São Paulo (SP), e o VI Encontro Nacional de Educação de Jovens e Adultos (Eneja), que acontece até este sábado (11/9), em Porto Alegre (RS), abordam a necessidade de políticas de educação específicas para este público.

Para Timothy Ireland, diretor de educação de jovens e adultos da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade do Ministério da Educação (Secad/MEC), é lento o reconhecimento da urgência de criar e investir em iniciativas para o público jovem e adulto. “”Historicamente, existe uma tendência das fundações e dos institutos empresariais, bem como da própria política educacional brasileira, de considerar a educação de crianças e adolescentes como um investimento no ′futuro′ do país. De certa forma, considerava-se os jovens e os adultos não escolarizados como ′perdidos′, que o lugar da aprendizagem é na escola e que, com a idade, a capacidade de aprender se deteriora.””

Ao mesmo tempo, explica Ireland, a crescente complexidade tecnológica cria uma demanda do setor produtivo por jovens e adultos com um nível mais elevado de escolaridade. “”Assim, o acesso aos conhecimentos já produzidos e a produção de novos conhecimentos são elementos fundamentais para a formação dos jovens e dos adultos, que são os maiores responsáveis pela educação de crianças e adolescentes””, afirma.

Assessor especial da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), Célio da Cunha concorda que falta maior consciência da sociedade brasileira com relação à importância das políticas para a educação de jovens e adultos. “”Uma sólida política de alfabetização tem efeitos diretos na melhoria da auto-estima e, portanto, no aumento do capital social e cultural. Assim, a educação de jovens e adultos é tão importante quanto aquela voltada para crianças e adolescentes.””

Ele completa que, numa perspectiva individual, o cidadão alfabetizado redescobre o mundo e refaz perspectivas, ainda que em idade avançada. Já sob a ótica social, aumenta sua produtividade e contribui para ampliar o capital social e cultural da comunidade, fatores importantes para o desenvolvimento. Além disso, Cunha aponta para os efeitos sobre a família, já que um adulto alfabetizado passa a ver a educação numa outra perspectiva.

Timothy Ireland, do MEC, lembra que o conceito de inclusão social abrange a questão da participação ativa na vida cívica e associativa da sociedade e o próprio desenvolvimento da pessoa na sua dimensão humana. “”Neste sentido, freqüentar a escola significa, além da busca de uma formação integral ou intelectual, a busca da reinserção nos espaços coletivos de vivência e convivência””, explica.

Particularidades – Por essa razão, a principal peculiaridade dos projetos de escolarização de jovens e adultos, segundo Regina Estima Villas Boas, pesquisadora do Cenpec (Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária), é aquela trazida pelas trajetórias de vida sociocultural dos grupos a serem atendidos. “”São grupos bastante diversificados: urbanos e não-urbanos, jovens e adultos das diferentes regiões do país, com diferentes expectativas a respeito de sua escolarização, de diferentes credos e com necessidades diversas.””

Célio da Cunha, da Unesco, afirma que os projetos educacionais para esse público requerem uma pedagogia diferente, mais adaptada às características específicas, na qual os universos culturais atendem a uma outra lógica. “”Isso demanda uma bem cuidada preparação de professores, materiais didáticos apropriados às diversas faixas de idade e levar em conta peculiaridades regionais.””

Para Vera Masagão Ribeiro, coordenadora e pesquisadora da ONG Ação Educativa e organizadora do livro Letramento do Brasil – ganhador do Prêmio Jabuti 2004 -, um dos principais desafios da educação de jovens e adultos é justamente desenhar programas adequados às suas necessidades e aos seus interesses. “”É preciso pensar em programas continuados, mas flexíveis o suficiente para que possam ser realizados por pessoas que já tem responsabilidades familiares e de trabalho. No caso dos jovens e adultos trabalhadores, a proximidade entre o espaço educativo e o lugar de trabalho é uma ótima opção para viabilizar seu engajamento.””

Neste sentido, segundo ela, as empresas podem e têm atuado fortemente, apoiando e fazendo articulação com programas públicos ou criando projetos próprios. “”Na década passada, mesmo com uma conjuntura dominante no plano das políticas governamentais de confundir prioridade à educação da criança com exclusividade, muitas organizações da sociedade civil mantiveram ou ampliaram ações de educação para jovens e adultos, respondendo a uma demanda real existente na sociedade””, lembra.

Um exemplo disso é a Fundação Roberto Marinho. Desde 1978 a organização produz os Telecursos, que envolvem aulas dos ensinos fundamental e médio, além de cursos profissionalizantes, por meio de programas de televisão, fitas de vídeo e material impresso, veiculados por diversas emissoras e distribuídos em escolas de todo o Brasil. O projeto é feito em parceria com o governo federal, universidades, secretarias estaduais de educação, centrais sindicais, instituições públicas, entre outras.

Empresas, fundações e institutos também são parceiras da Fundação Roberto Marinho nesta iniciativa. Eles implantam as telessalas, onde os alunos têm à disposição equipamento de vídeo para assistir às aulas, um orientador de aprendizagem capacitado no uso da metodologia e nos conteúdos programáticos a serem estudados, além de material pedagógico de apoio.

Nas escolas da Fundação Bradesco, desde 1985 os alunos assistem às aulas do Telecurso. Além disso, a organização implantou, em 1999, o Programa de Alfabetização de Jovens e Adultos, com cursos que atendem desde o segmento de alfabetização até a conclusão do ensino médio. Por meio de suas unidades de ensino e em parcerias com empresas, em 2004, a previsão de atendimento é de 21.700 alunos.

Ana Luisa Restani, superintendente executiva da fundação, conta que a proposta pedagógica ressalta a importância de uma educação que prepare o homem para o pleno exercício de sua cidadania, a busca pela qualificação profissional e a conseqüente inserção no mercado de trabalho, diminuindo as necessidades sociais e formando cidadãos críticos para transformarem as sociedades. “”Prioriza-se a interação do aluno com seu dia-a-dia – família, meios de comunicação, questões éticas, voluntariado -, além de considerar as suas experiências acumuladas ao longo de sua vida. Dessa maneira, procuramos garantir que as relações de aprendizagem não aconteçam somente na sala de aula, mas em todas as situações vivenciadas pelo aluno, que possam se transformar em ações possíveis de uma reflexão contínua.””

Ela também afirma que o estímulo à comunicação oral e escrita, a valorização de habilidades individuais e o respeito às idéias pessoais fazem parte da metodologia de trabalho para este público. “”Isso proporciona uma formação profissional menos fragmentada e um maior domínio do conhecimento científico, tecnológico e social dos processos de trabalho, aumentando as chances de inclusão social dos alunos.””

Mobilização – Para Marize Lima, gestora de projetos da Fundação Vale do Rio Doce, uma importante ação diferenciada para este público é o trabalho de mobilização, que objetiva convencer e trazer esse aluno para sala de aula. “”Muitas vezes eles sentem vergonha de assumir a condição de atraso na alfabetização. Todo este esforço é necessário para que o aluno perceba que a escola é um espaço de construção de conhecimentos, de troca e de relações socioculturais””, afirma.

Desde o ano passado, a Fundação Vale do Rio Doce mantém o projeto Vale Alfabetizar, criado para apoiar o Programa Brasil Alfabetizado, do governo federal. O objetivo é erradicar, em quatro anos, o analfabetismo entre mais de 120 mil jovens e adultos de municípios dos estados do Espírito Santo, Minas Gerais, Pará, Maranhão e Sergipe.

Marize concorda que a alfabetização de jovens e adultos é, principalmente, um processo de inclusão social, que além de contribuir para o aumento da escolaridade da população e a melhoria da auto-estima, também leva à valorização da família e ao fortalecimento da cidadania. “”Ao fazer parte de uma nação e não mais estar à sua margem, o jovem ou o adulto passa a exercer seu papel de cidadão, com direitos e obrigações até então não compreendidos. Assim, este novo cidadão torna-se co-responsável pelo desenvolvimento de sua comunidade.””

Além de divulgação e mobilização, é necessário garantir a qualidade do atendimento a este público. Vera Masagão Ribeiro, da Ação Educativa, alerta para o fato de que há uma crença de que, para adultos, basta uma campanha de alfabetização de poucos meses para resolver o problema. Porém, ela afirma que as novas ferramentas que uma pessoa ganha com a educação básica só têm sentido se ela se engajar em algum projeto de mudança pessoal, comunitária ou social. “”É importante que além de ensinar a ler e escrever, os programas educativos mobilizem os adultos para refletir sobre os problemas sociais e enfrentá-los de alguma maneira.””

Por isso, de acordo com ela, além de promover programas de escolarização, as empresas devem pensar em ter acervos de livros, jornais e revistas, com animadores de roda de leitura que desenvolvam práticas de aprendizagem a partir dos interesses e necessidades dos participantes.

Celso Santiago, coordenador do Programa Crer Para Ver – parceria da Fundação Abrinq e da Natura, que visa contribuir para a melhoria da qualidade do ensino público infantil e fundamental em todo o Brasil -, completa que a educação de jovens e adultos, na sua concepção, pensa neste público como cidadãos de direitos, que podem participar dos processos de discussão das políticas públicas, de intervenção na realidade, de melhoria da qualidade de vida e da busca de autonomia. “”Qualificá-los é dar a eles esperança, possibilidade de transformação e de resgate da identidade e da dignidade.””

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