Quando a pressa é inimiga do interesse público

Por: GIFE| Notícias| 03/12/2006

A Câmara dos Deputados aprovou, na última terça-feira (28/11), o projeto de lei (PL) nº 1.367/03, que estabelece incentivos fiscais para o esporte. A proposta permite abater do imposto de renda (IR) o valor das doações e patrocínios efetuados a projetos desportivos por parte de indivíduos e empresas, até o limite de 6% ou 4% do imposto devido, respectivamente. A proposição segue agora para o exame do Senado Federal.

A idéia da criação de estímulos para o investimento social privado na área esportiva é bem vinda, em especial quando o propósito que a impulsiona é o de financiar “”projetos desportivos destinados a promover a inclusão social por meio do esporte, preferencialmente em comunidades de vulnerabilidade social””, como afirma o PL (art. 2º, § 1º). Entretanto, o texto do substitutivo aprovado, em regime de “”urgência urgentíssima””, pelo plenário da Câmara -texto este que, em realidade, segue as linhas gerais de projeto de lei de autoria do governo federal, apresentado em maio deste ano (PL nº 6.999/06)- contém, ao menos, cinco aspectos que necessariamente devem ser revistos a fim de assegurar a adequada realização desse propósito:

(1) Falta de avaliação do impacto sobre os incentivos existentes.
De forma a contornar exigências da Lei de Responsabilidade Fiscal, o PL determina que o incentivo fiscal proposto submeter-se-á, no caso de pessoas jurídicas, ao mesmo limite (4% do IR devido) atualmente estabelecido para o conjunto das deduções permitidas para a cultura (Lei Rouanet e Lei do Audiovisual); e, no caso de pessoas físicas, ao limite (6% do IR devido) do total das deduções relativas não apenas à área cultural, mas também aquelas referentes a doações para os fundos dos direitos da criança e do adolescente (art. 1º, § 1º).

Isso significa que o novo incentivo proposto poderá impactar seriamente no funcionamento dos atuais incentivos para as áreas da cultura e da infância e adolescência, retirando recursos desses segmentos para direcioná-los ao esporte, onde podem ter maior visibilidade. Não obstante -e quiçá pela “”urgência urgentíssima”” estranhamente conferida ao projeto-, esse verdadeira reviravolta na agenda de incentivos fiscais para iniciativas de interesse público parece não ter sido, até o momento, devidamente avaliada no transcorrer do processo legislativo em curso.

(2) Ausência de contrapartida do doador ou patrocinador.
Em sua atual redação, o projeto permite que o doador ou patrocinador deduza a totalidade (100%) do valor da doação ou patrocínio efetuado, desde que esse valor esteja dentro do teto de 4% ou 6% do IR devido. Assim estruturado, o incentivo não resultará no aporte de novos recursos de origem privada ao setor, constituindo mera vinculação indireta de recursos públicos para um setor específico (esporte).

Note-se que nem mesmo na área cultural, com a Lei Roaunet (Lei nº 8.313/91) -diploma que claramente inspirou o PL em exame-, é estabelecida indistintamente a possibilidade de dedução integral; ao contrário, para grande parte de situações a Lei fixa limites que variam de 40% a 80% do valor das doações, e de 30% a 60% do valor dos patrocínios (art. 26), sendo o restante composto por recursos próprios do doador ou patrocinador, como contrapartida.

(3) Ausência de tratamento diferenciado a doações e patrocínios.
Embora o substitutivo aprovado pela Câmara indique que doações a patrocínios distinguem-se em função da “”finalidade promocional e institucional de publicidade”” que permeia estes últimos (art. 3º), não atribui a essa distinção qualquer conseqüência relevante, pois ambas as formas permitirão ao contribuinte a dedução do mesmo percentual dos valores dirigidos a projetos desportivos -percentual este que, como visto no item anterior, é de 100%.

Na prática, isso significa que o Estado estará abrindo mão de receitas tributárias para subsidiar ações de publicidade de indivíduos e empresas, o que evidentemente conflita com o primado do interesse público. Não é sem razão, aliás, que a Lei Rouanet estabelece, em relação a patrocínios, percentuais de dedução inferiores àqueles atrelados a meras doações (art. 26); afinal, se o patrocinador também obtém vantagens com o patrocínio, é legítimo que contribua com um aporte maior de recursos próprios para o projeto apoiado.

(4) Inclusão do “”desporto de rendimento”” entre as modalidades beneficiadas.
O PL indica que o incentivo fiscal beneficiará o desporto em suas três manifestações: desporto educacional, desporto de participação e desporto de rendimento (art. 2º). Ocorre que, enquanto é evidente a sintonia das duas primeiras modalidades com o propósito do projeto de promover a inclusão social por meio do esporte -lembre-se que o desporto educacional tem a finalidade de “”alcançar o desenvolvimento integral do indivíduo e a sua formação para o exercício da cidadania e a prática do lazer””, enquanto o desporto de participação, a de “”contribuir para a integração dos praticantes na plenitude da vida social, na promoção da saúde e educação e na preservação do meio ambiente”” (Lei nº 9.615/98, art. 3º)-, o mesmo não ocorre em relação ao desporto de rendimento, onde a competitividade (e, portanto, a exclusão) é a tônica.

Além disso, nos moldes em que está proposto, o incentivo cria uma brecha para que equipes profissionais, como os times de futebol, recebam patrocínio de empresas com retorno publicitário às custas do tesouro nacional. Seria, portanto, conveniente restringir o apoio apenas ao desporto de rendimento praticado de modo não-profissional e amador.

(5) Não-alcance do incentivo a projetos desportivos de “”instituições vinculadas””. De forma saudável, o substitutivo da Câmara busca proibir o conflito de interesses na seleção do projeto apoiado com o incentivo fiscal (art. 1º, § 5º). No entanto, acabou por vedar também a possibilidade de dedução de valores destinados por empresas a entidades sem fins lucrativos por elas criadas com o propósito de fomentar projetos de interesse público, em iniciativas estruturadas de investimento social privado.

Dessa forma, a lei é paradoxal, pois permite o retorno publicitário mas não autoriza a doação a fundações e institutos de origem empresarial. Nesse sentido, muito ganharia o PL se, mirando-se no exemplo e experiência da Lei Rouanet (art. 27, § 2º), incorporasse dispositivo que afastasse da incidência dessa proibição as instituições criadas pelo doador ou patrocinador que sejam sem fins lucrativos.

O GIFE , organização que reúne os principais investidores sociais do país, espera que esses aspectos recebam a devida atenção na próxima etapa da tramitação do PL, no Senado Federal. É o mínimo que uma iniciativa tão oportuna quanto essa merece.

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