Quem são os doadores nos mercados emergentes?

Por: GIFE| Notícias| 28/10/2010

Olga Alexeeva*

Quando se fala sobre a infra-estrutura de apoio do doador nos países de mercados emergentes, a primeira pergunta que devemos fazer é: quem são os doadores? Apesar de a resposta parecer óbvia, inicialmente, são as pessoas ricas, as empresas que eles são donos ou que gerenciam e a classe média; mas quando olhamos mais a fundo, a importância é menos cristalina.

Eu costumava abandonar as conferências sobre doações para indígenas na Europa Oriental, soltando fumaça. Em vez de falar sobre empreendedores locais ou empresas, os conferencistas falavam sobre a Comissão Europeia e o Fundo Alemão Marshall, USAID e outros fundadores internacionais. O mercado doador era a ajuda externa e ponto final.
A situação mudou um pouco nos últimos cinco anos no Leste Europeu, especialmente com o crescimento de doações da classe média. Mesmos assim, os maiores doadores e, portanto, a maior fonte de recursos ainda são os doadores estrangeiros. Existe uma situação semelhante em muitos países africanos, sul-americanos e asiáticos. Eles ainda dependem da ajuda externa, seja pública ou privada, institucional ou individual.

Esses doadores são mais fáceis de satisfazer: sabem o que querem, são mais flexíveis e estratégicos, apóiam temas que doadores locais não desejam apoiar como advocacia, mudanças políticas ou reformas na assistência social. Como resultado, o foco de muitas organizações de apoio aos doadores em todas essas regiões, concentra-se nos doadores “fáceis”, doadores do Norte e, às vezes, em diásporas inspiradas em vez das complicadas, confusas e preconceituosas doações de empreendedores locais.

As organizações religiosas como líderes dos serviços de doadores
O segundo questionamento que nós devemos fazer: quais são as organizações de apoio a doadores nos mercados emergentes? Novamente a resposta é óbvia: as que se autodenominam como tais, como a Charities Aid Fundation (CAF) ou fundações comunitárias; só que estão muito enganados.

A organização de serviços de doação nos países emergentes e as mais produtivas em termos de volume de doações são as igrejas e outras organizações religiosas. Templos e outras instituições religiosas na Índia recebem e processam aproximadamente 80% de todas as doações e são fontes de ajuda para milhões de pessoas.
Poderíamos argumentar sobre a qualidade e acessibilidade dessa ajuda e a porcentagem que vai ao templo mesmo em de ir às comunidades locais. No entanto, o fato é: os templos da Índia são indiscutivelmente líderes na indústria dos serviços de doações. Na antiga União Soviética e na China, as instituições governamentais também tem este papel.

É evidente que eles não fornecem aconselhamento profissional e nem prestam a devida diligência aos beneficiários, mas os templos e as igrejas guiam e esclarecem, promovem e encorajam a doação privada. Seu acesso à classe média emergente e às classes endinheiradas não tem igual, a confiança neles é alta e o papel deles em traduzir as necessidades da comunidade para os doadores locais é significativo.

Na minha experiência, a inspiração e o encorajamento para doar são, primordialmente, a força para superar a desconfiança e a desesperança e, face aos problemas que os rodeiam, são mais importantes que os aconselhamentos técnicos em modelos e métodos de doação.
Na minha experiência, os doadores locais inevitavelmente começam a procurar, depois de algum tempo e gradualmente, soluções alternativas para os caminhos da doação tradicional. A conta gotas, sem marolas chegam às organizações de serviços não governamentais e não religiosas.
No entanto, uma grande maioria ainda prefere doar para instituições as quais estão familiarizados, não apenas por pressão ou habito, mas por causa da conveniência, acessibilidade, aceitação pública e confiança. Se outras organizações de serviços de doação podem obter níveis similares nesses pontos, eles conquistarão mercado. Mas esse dia ainda está por vir…

Associações de empresas, especialmente na América Latina, frequentemente tem o papel de servidor de doadores, orientando seus associados á projetos específicos e, às vezes, organizando fundos comuns (como um tipo de fundação comunitária pré-histórica) ou apenas recomendando e/ou orientando essa ou aquela empresa de nosso círculo que sustenta esta caridade, portanto é idônea.

Redes informais de comunidades, especialmente na África e na China, a maioria de imigrantes do próprio país ou estrangeiros, também cumprem um papel. As pessoas estão mais inclinadas a confiar no conselho de um antigo vizinho do que em um experto bem informado.

Confiança
O tema de confiança provavelmente é o critério chave para escolher quem orientará o mercado emergente de doadores e suas doações. Uma vez perguntei a alguns dos meus clientes russos o que era o mais importante nos projetos que patrocinavam: a eficiência em dedicar-se à causa ou a honestidade em lidar com o dinheiro. Todos responderam honestidade.

Portanto, um dos maiores erros que eu registraria no crescente número de instituições de apoio a doadores é que praticamente existe uma total ignorância dos canais tradicionais quanto à distribuição da riqueza e promoção de filantropia.

Outro erro é pensar que os doadores em mercados emergentes querem as mesmas coisas das organizações de serviços de doadores como os doadores do RU ou EUA. Honestamente, na lista de prioridades, a aceitação pública e a confiança estão acima da eficiência e do impacto, ainda que para eles estes sejam conceitos um tanto vagos.
Aconselhamento a doadores num ambiente dinâmico

Então, quando nós falamos sobre organizações de suporte ao doador em mercados emergentes, estamos olhando para um grupo diversificado de organizações. Por um lado, vemos instituições religiosas e o estado; por outro, as chamadas instituições de serviços de doação “profissionais” que, em algumas exceções, primordialmente atendem os doadores estrangeiros, porém somente agora procuram pelas classes endinheiradas locais e classe média.

Entremeios existem uma diversidade de caridades que angariam fundos, mas que no processo de levantá-los elas estimulam, inspiram e canalizam contribuições locais, abrindo novas formas de doar. Exemplo disto é o Donate Life Programme da Rússia, que expandiu massivamente as doações online no país ou a CRY Índia, que redefiniu para doadores locais a proteção dos direitos e o transformou de uma agenda política remota a um tema muito sério que precisava de apoio público.

O quadro muda constantemente. Há dez anos não havia nenhuma fundação privada na Rússia ou na China. Agora, a Rússia tem mais de cem e China mais de mil. Cinco anos atrás, a doação da classe média na Rússia apenas existia. Hoje, a cada ano, ela gera mais de US$ 50 milhões em doações.

As mudanças estão acontecendo na Índia e em outras sociedades mais tradicionais, onde as novas gerações de empreendedores enxergam os EUA e a Europa como exemplos de doações em vez das organizações tradicionais, criando suas próprias fundações e programas filantrópicos.

Vejamos de perto as organizações formais de doações nos países de mercados emergentes. Elas se compõem de uma variedade de organizações; a maioria sem fins lucrativos combinam angariação de fundos com serviços para doadores pagos, que incluem subvenções e gerenciamento de projetos deles mesmos.

Estão incluídas associações de doadores como o Consórcio Filantrópico Ásia Pacífico, instituições de desenvolvimento baseadas em temas como o desenvolvimento da democracia e da sociedade civil, serviços de aconselhamento focados em dispersão cidadã, como a IPartner Índia ou as redes internacionais, como a International Business Leaders Forum para quem a filantropia é um dos serviços listados.
Em muitos países, estão se formando instituições com fins lucrativos, especialmente em lugares como Hong Kong ou Singapura com grandes concentrações de capital onde os doadores estão não só à procura de ajuda profissional como também pagam por ela. Em Hong Kong, por exemplo, dois protagonistas de grandes bancos privados, HSBC e UBB, oferecem serviços de filantropia para seus clientes.

Novas organizações de apoio aos doadores incluem também o crescente exército de fundações das comunidades; no entanto algumas são mais de desenvolvimento que de apoio a doadores. Finalmente, incluem organizações criadas especificamente para um doador como a rede CAF International ou a rede United Way International.

Desafios chave
No entanto, diferenças existem e eles enfrentam desafios e escolhas semelhantes. Estes desafios e escolhas também pode-se argumentar que perseguem alguns serviços de doadores do Ocidente que estão em mais evidência na Rússia, na China ou no Brasil.

Um dos desafios chave é obviamente, a sustentabilidade. Os doadores dos mercados emergentes ainda têm que formular e entender as suas necessidades. Doadores que apoiam organizações precisam primeiro educar seus clientes em potencial sobre suas necessidades antes de eles responderem a eles com seus serviços. São necessários consideráveis gastos em marketing e promoção da filantropia na educação e inspiração dos doadores.

Estes gastos não serão financiados pelos honorários dos doadores e, a maioria das organizações de apoio aos doadores em mercados de países emergentes, não podem sobreviver somente de honorários. Eles precisam do apoio das doações ou das doações diretas para seu próprio desenvolvimento; de outro modo, existe o perigo de simplesmente morrerem ou se transformarem em empresas de RP políticas ou pior ainda em operações de lavagem de dinheiro.

Aqueles que decidem tentar o caminho somente pelas taxas terão que enfrentar dois outros desafios: primeiro, decidir principalmente a quem eles servem se aos doadores ou à sociedade. Segundo, eles têm que decidir se sentem confortáveis com o atual nível de filantropia dos seus clientes e o entendimento deles das necessidades sociais ou se desejam desafiar a percepção dos seus clientes.

Os clientes ou a sociedade?
A quem servimos primeiro? Muitos de nós conhecemos a história de um santuário de burros na Escócia que, com a ajuda de uma organização de serviços de doadores, recebeu milhares de libras em doações. Poderíamos achar engraçada esta história, porém no contexto de mercados emergentes esta história toma aspectos mais sérios.

Os mercados de países emergentes, quase todos sofrem de pobreza aguda, no entanto, aproximadamente de 60 a 80% das doações vão para o “santuário de burros”; ou seja; as decisões dos doadores baseiam-se em preferências pessoais, costumes locais ou objetivos empresariais ou individuais ou ainda fins políticos de curto prazo.

Os doadores locais nem sempre levam em consideração as reais necessidades das comunidades locais ou procuram soluções de fato eficazes para problemas urgentes. É por causa da fraqueza e restrita natureza do estado, que o dinheiro de um doador não se encaminha para resolver um problema como, por exemplo, a construção de escolas no sul da Índia e, nenhum outro dinheiro o faz.

Então, será que as organizações de apoio a doadores deveriam gastar seus limitados recursos na educação e inspiração de doadores ou simplesmente cobrar uma taxa e mobilizar os fundos a um santuário de burros? A questão se torna mais teimosa quando se considera que a maioria das organizações de apoio a doadores nos mercados emergentes estão registradas como organizações de benefício público.

Deveriam eles prestar atenção nas prioridades do cliente? Não deveriam apenas angariar fundos para problemas locais ou fazer campanhas como outras caridades? Um dos maiores desafios para as organizações de apoio a doadores nos mercados emergentes é angariar fundos. Em parte, para servir suas comunidades, em parte para cumprir com a sua missão e, em parte, para sobreviver e levantar fundos para eles mesmos.

Com frequência, eles iniciam seus próprios programas dirigidos a satisfazer uma necessidade social como água limpa ou saneamento ou temas relacionados à SIDA. Em vez de estimular os doadores para doar diretamente ou através deles para outras caridades e projetos, as organizações de apoio a doadores tomam o lugar dessas caridades, desenvolvendo suas próprias agendas e passando a ser os beneficiários finais das doações dos seus clientes.

Três lições
Eu tenho trabalhado na indústria de apoio aos doadores por quase 20 anos e, durante a maior parte destes, com abastados doadores de mercados emergentes: brasileiros, chineses e europeus do leste. Da minha experiência, identifico três lições que levo comigo para outra instituição de suporte a doadores: a Philanthropy Bridge Foundation, que ora organizo para estimular e promover doações nos mercados emergentes.

Em primeiro lugar, aceite os clientes como eles são, mesmo que com carrancudas caras e deselegantes respostas de “Menos!”, durante seu bem elaborado discurso. Isso não significa que você tem que concordar sempre para onde eles estão indo, especialmente se você sente que estão indo em direção errada e suas doações são, em maior parte, um “desperdício filantrópico”.

Invista na educação do doador e esclareça-o sobre a promoção da filantropia ainda que, às vezes, isto signifique angariar fundos por anos a fio em vez de viver de taxas generosas. Em segundo lugar, coloque a missão acima dos interesses do doador, mas não substitua os interesses do doador.

O balanço entre as necessidades sociais com as do doador é provavelmente o maior fator que faz uma organização de serviços ao doador ser criativa, inovadora e relevante. Sempre existe uma maneira de juntar as necessidades sociais com as do cliente. A minha experiência mostra que se você souber fazer isso, lhe trará mais clientes.

Terceiro, forneça serviços, não venda produtos. No ambiente de constantes mudanças dos mercados emergentes, ganharão aqueles que se adaptam mais rapidamente e que transformam seus serviços atualizando-os às novas tendências e à nova realidade. Tirar produtos da sacola não importando o quanto bem desenhados e bem empacotados estão não funciona, porque os interesses e as necessidades dos doadores mudam tão rapidamente que você sequer terá tempo de virar para outro lado: sua proposta já estará obsoleta.

O suporte a doadores nos mercados emergentes é como passear numa montanha- russa. Mas tente lembrar-se sempre de que nas colinas russas existem subidas e descidas e que a minha habilidade é pegar o momento de “subida” e maximizar, o quanto posso, seu benefício para a sociedade.

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*Olga Alexeeva é executiva chefe da nova organização Philanthropy Bridge Foundation. Anteriormente ela chefiava a CAF Global Trustees. Email: [email protected]

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