Recomendações da Força Tarefa de Finanças Sociais: ponto de partida e não de chegada

Por: Instituto Sabin| Notícias| 07/11/2015

Por Fabio Deboni

Apesar do momento preocupante e difícil que a crise econômico-política impõe ao país, o campo das Finanças Sociais vem atravessando uma fase bastante fértil e promissora. O conceito de Finanças Sociais visa ressignificar a velha máxima de que é possível gerar impacto social e obter retorno financeiro com esta atividade. O quadro abaixo apresenta de forma didática este conceito, ainda pouco difundido no Brasil.

Quadro 1 – Diagrama-conceito de Finanças Sociais

sabin

Fonte: Relatório da Força de Finanças Sociais Tarefa (página 11)

Inspirados em experiências de outros países do G7 (e mais recentemente com a inserção de emergentes e outros países) aqui no Brasil também foi constituída uma Força Tarefa de Finanças Sociais, cujo foco é sedimentar concepções, caminhos e demandas para os diferentes segmentos e atores já envolvidos ou potencialmente afins ao campo. Sob a forma de Recomendações, a Força Tarefa tornou público em outubro de 2015 o documento  com tais sinalizações e proposições.

As Recomendações devem ser encaradas tão somente com um ponto de partida – uma espécie de convite para o conjunto de organizações que compõem este campo refletirem acerca do seu papel. Neste texto, nossa ênfase recai sobre o papel dos investidores sociais privados (ISP) – institutos, fundações e empresas – neste campo. Afinal, há Recomendações bastante específicas para o segmento do ISP, as quais precisam ser debatidas, refletidas e desdobradas na prática. Isso requer tempo, recursos, capacidade instalada e muita interação e colaboração. Estamos atentos e dispostos a isto? Sabemos como fazê-lo?

Temos percebido que o interesse por parte de institutos, fundações e empresas sobre este tema é crescente. Diversas atividades recentes mostraram que há uma procura por espaços de diálogo, formação e interação sobre o tema. Desta forma, nos leva a crer que um maior estímulo por parte do Gife e, por consequência de seus associados, no que diz respeito a esta Agenda Estratégica criaria condições mais favoráveis a entrada de novos (e de mais) institutos, fundações e empresas neste campo, e numa velocidade mais acelerada. Afinal, está claro que o capital filantrópico pode e deve cumprir um papel chave neste campo, mas ainda carece não só de ser mais provocado, como também de ser orientado sobre como se engajar.

Para tanto, há alguns caminhos possíveis que consideramos necessários de serem estimulados pelo Gife (e pelos seus associados). São meramente ilustrativos e sugestivos e visam tão somente traduzir para o “como” nós, institutos e fundações, podemos nos engajar com este novo campo emergente:

  1. Maior disseminação do conceito de Finanças Sociais e de Negócios de Impacto com ênfase nas interações com o campo do investimento social privado, por meio de debates (presenciais e virtuais), eventos, cursos, etc. Neste caso, o documento principal de referência seria o caderno de Recomendações da Força Tarefa (e a Carta de Princípios), mas eventualmente outros documentos poderiam ser utilizados, produzidos e/ou traduzidos para contribuírem nesta direção. Não estamos propondo uma disseminação teórica do conceito, mas sim um diálogo a partir de práticas e formas de atuação conjunta. Inspirados em cases reais podemos identificar mais facilmente caminhos possíveis destas interações e, ao mesmo tempo, solidificar melhor o entendimento sobre estes novos conceitos. Vale lembrar que as lógicas de pensamento (mindset) dos atores do ISP e das Finanças Sociais são distintas, com linguagens e dinâmicas próprias, mas, ao mesmo tempo, não são incompatíveis;
  2. Sistematização de cases de associados que já atuam no campo, reunindo experiências práticas de como institutos, fundações e empresas podem e vêm se engajando neste campo. Ainda que sejam poucos associados engajados no campo, já há boas “histórias” para compartilhar. Mas, afinal, quais são elas? Quais seus principais aprendizados? Sistematizá-las e disseminá-las ajudaria a encurtar caminhos para que outros institutos, fundações e empresa venham a se engajar neste campo;
  3. Constituição de uma Rede Temática de Negócios de Impacto que promovesse maior engajamento e colaboração de investidores sociais privados frente ao tema das Finanças Sociais, mas com ênfase maior em Negócios de Impacto. A Rede poderia promover visitas de campo no Brasil e em outros países para conhecer in loco como está em curso o processo de engajamento dos investidores sociais privados neste campo. Um exemplo neste sentido seria conhecer mais de perto a experiência também recente de Portugal, que além de já ter constituído sua Força Tarefa e publicado suas Recomendações, conseguiu um engajamento do governo bastante interessante e já está com seu primeiro case de Social Impact Bonds em andamento (na área de educação). Seria uma excelente oportunidade de estreitar uma cooperação além-mar.

Entendemos que tais medidas ajudariam a impulsionar mais o tema das Finanças Sociais junto aos investidores sociais privados, criando pontes e sinergias que facilitariam a implementação de algumas das Recomendações propostas pela Força Tarefa.  Por falar nelas, reunimos no quadro abaixo o conjunto de Recomendações com destaque para aquelas mais próximas aos investidores sociais privados. São, ao todo, 15 Recomendações as quais se relacionam de uma ou várias maneiras com 4 macro-temas, denominados de Alavancas.

Quadro 2 – Alavancas e Recomendações da Força Tarefa de Finanças Sociais

ALAVANCAS
1. Ampliação da Oferta de Capital
2. Fortalecimento de organizações intermediárias
3. Aumento do número de negócios de impacto qualificados e escaláveis
4. Promoção de um macroambiente favorável às finanças sociais
RECOMENDAÇÕES
1. Investimento de indivíduos de alta renda em produtos financeiros de impacto
2.  Protagonismo de Institutos e Fundações em Finanças Sociais
3. Expansão e capitalização de fundos sociais
4. Uso do subcrédito social do BNDES para negócios de impacto
5.  Inclusão de negócios de impacto na cadeia de valor das empresas
6.  Criação de modelos de inclusão de negócios de impacto nas compras governamentais
7.  Chamadas para fundos de investimento de impacto
8. Fortalecimento de incubadoras e aceleradoras para fortalecer mais negócios de impacto
9. Apoio do SEBRAE aos empreendedores de negócios de impacto
10. Produção de conhecimento e formação em finanças sociais, empreendedorismo social e negócios de impacto
11. Formatos inovadores e financeiramente sustentáveis para financiamento de negócios de impacto
12. Promoção da cultura de avaliação entre empreendedores e investidores de impacto
13. Integração do Governo Federal na agenda de finanças sociais
14.  Título de impacto social
15. Princípios para negócios de impacto no Brasil

 

Destacamos em vermelho 4 das 15 Recomendações, as quais consideramos terem maios aderência com institutos, fundações e empresas.  Vale salientar que a Recomendação de número 15 é condição sine qua non para esta discussão que estamos propondo, por a considerarmos fundante para alinhar entendimentos perante institutos, fundações e empresas no que diz respeito aos Negócios de Impacto Social. Ela seria uma espécie de linha de base consensual e ponto de partida para este alinhamento. Por isso, focaremos em outras 4 Recomendações que, a nosso ver, têm bastante interface com a agenda do ISP. O próprio documento das Recomendações aponta para outras Recomendações com interface com o ISP. Isso já demonstra o quanto este debate é necessário e quanto ele não esgota as inúmeras interpretações possíveis nesta interface ISP e finanças sociais.

No quadro a seguir, reunimos estas 4 Recomendações acompanhadas de caminhos possíveis de engajamento dos atores do ISP. Tais caminhos são meramente ilustrativos e têm tão somente a pretensão de sugerir rumos, dentre tantos outros possíveis e viáveis.

Quadro 3 – Recomendações mais próximas ao campo de institutos, fundações e empresas

Recomendações Caminhos possíveis a serem trilhados por atores do ISP
2.  Protagonismo de Institutos e Fundações em Finanças Sociais

 

Destinação, até 2020, de 5% dos orçamentos de institutos e fundações para o campo de Finanças Sociais.

Para tanto, é necessário que tais atores conheçam mais a fundo o campo e criem interações com organizações que já atuam na área (aceleradoras, investidores, empreendedores). Assim, criam-se condições mais favoráveis para que tal alocação de recursos seja realizada.

Além disso, é fundamental que haja interação também “por cima”, de modo que os Conselhos destas organizações “comprem” esta recomendação, transformando-a em diretrizes efetivas e realistas. Isto pode ser alavancado a partir de uma tendência crescente de alinhamento ao negócio que Fundações e Institutos vem passando.

Com relação ao percentual de recursos a serem alocados, é importante ampliar esta lente para além da lógica de alocação de recursos orçamentários, mas também a partir de uma maior interação e engajamento de Institutos e Fundações com o campo dos negócios de impacto. Estamos falando mais objetivamente de: realização de eventos e cursos em conjunto, visitas de benchmarking, cafés da manhã com discussão de cases sobre o tema, etc. É importante que se encare os players do ISP não só como aqueles responsáveis por “pagar parte desta conta”, mas também como parceiros e players deste campo.

Exemplos para refletirmos: é mais recomendado que uma Fundação crie uma aceleradora própria ou que financie uma já existente? É mais viável que um Instituto selecione e premie startups ou que atue em prol dos intermediários e do ecossistema como um todo? Seria viável a criação de fundos coletivos (com recursos oriundos de vários institutos e fundações) para alavancar negócios de impacto em determinadas áreas temáticas?

São apenas questões para refletirmos sobre este tal “protagonismo” que a Recomendação sugere. Afinal, protagonismo é algo bem mais amplo do que financiamento ou fomento.

5.  Inclusão de negócios de impacto na cadeia de valor das empresas

 

Considerando que institutos e fundações têm atuado como um “Radar de inteligência social” para empresas, eles podem contribuir para a aproximação entre negócios de impacto (mais afins às áreas de atuação de suas empresas mantenedoras). Já há exemplos acontecendo neste sentido, via institutos e fundações ou não (ex: Cubo – Itaú, Wayra – Fundação Telefônica, Coletivo Coca-Cola, etc).

É sabido que este processo de alinhamento ao negócio está em curso e que traz consigo diversos desdobramentos e desafios aos colegas de ISP. Entretanto, incluir neste processo o ingrediente dos negócios de impacto pode servir como uma chave para facilitar este alinhamento, afinal, ambos (empresa e negócio de impacto) falam línguas mais parecidas do que muitas vezes a língua que falamos no campo dos institutos e fundações.

Além disso, é importante considerar que negócios de impacto podem também se tornar “fornecedores” de produtos e serviços de Institutos e Fundações. Talvez este seja um caminho mais curto e viável para o início desta aproximação. Este debate é comumente travado no âmbito do terceiro setor, acerca de questionamentos levantados por algumas ONGs sobre terem se tornado “prestadoras de serviços” de institutos, fundações e empresas.

8. Fortalecimento de incubadoras e aceleradoras para fortalecer mais negócios de impacto

 

As chamadas organizações intermediárias têm cumprido um papel fundamental no campo das Finanças Sociais, mas carecem de recursos para sua existência. Embora pareça paradoxal que as aceleradoras (que aceleram inúmeros empreendimentos sociais) não tenham sua própria existência “acelerada”, esta é uma dura realidade que estas organizações enfrentam. Criar aproximações entre institutos, fundações e empresas com elas é de fundamental relevância, pois, além de recursos aportados, criam-se virtuosas oportunidades de colaboração mútua entre elas, trazendo novos temas e direcionando empreendimentos sociais para questões concretas e práticas que estas empresas vêm enfrentando. Oportunizar também espaços colaborativos entre as diferentes aceleradoras em torno de temas de interesse do ISP pode ser uma estratégia bastante virtuosa (ex: aceleradoras que atuam com educação, saúde, etc).

Exemplo: quanto um grande Hospital se abre para startups e oferece para elas suas demandas e pontos de melhoria, elas têm mais condições de customizar soluções mais efetivas e escaláveis, além de já terem diante de si potenciais investidores para seus protótipos.

É importante salientar que aceleradoras e incubadoras têm, ainda, pouco acesso a institutos e fundações, até então, distantes da sua realidade. Como encurtar estas distâncias e criar conexões prósperas entre estes players? Um passo importante é criar espaços para que ambos se conheçam e possam “trocar figurinhas”. Afinal, é importante que Institutos e Fundações conheçam com maior profundidade o que uma aceleradora faz, como e com que faz. Melhor ainda se ela puder sugerir para institutos e fundações o que ela pode fazer por eles também, por exemplo, prospectando e conectando com empreendedores sociais afins à atuação destas.

14.  Título de impacto social

 

Os chamados Social Impact Bonds (aqui Títulos de Impacto Social) já são uma realidade bastante viável em diversos países do mundo. Por aqui ainda estão engatinhando, mas trazem consigo um grande potencial de parceria público-privada a partir de uma lógica, já conhecida, de pagamento por resultado em temas sociais de cunho mais preventivo. Investidores sociais privados podem aportar recursos nesta fase inicial de estruturação dos SIBs, de modo a contribuir para que esta etapa seja bem implementada, com sistematização dos aprendizados e, posterior, encurtamento de vias e processos para novos SIBs. Como o modelo é integralmente dependente do poder público, os timings ainda são relativamente lentos, considerando a lógica do setor privado. Neste caso, institutos e fundações que já possuem parcerias com o poder público em políticas públicas poderiam facilitar na aproximação deste conceito e na sua viabilização inicial.

A nosso ver, os Títulos de Impacto Social poderiam ser uma excelente ferramenta de alinhamento do ISP a políticas públicas, partindo de um mecanismo inovador e que já vem funcionando em vários países do mundo. Com a parceria de Institutos e Fundações o processo de aproximação e convencimento do poder público pode ser encurtado e facilitado, além de também ser possível a alocação de recursos numa etapa inicial de estruturação deste mecanismo em contextos locais. Há duas experiências iniciais no Brasil junto ao Governo de Minas Gerais e Ceará, nas áreas prisional e de educação, respectivamente.

 

Como se vê o campo é bastante amplo, novo e vem oferecendo diversas oportunidades de colaboração entre nós, atores do ISP, e entre nós e os demais players do campo das Finanças Sociais. Embora estes últimos players trabalhem com linguagens e métodos diferentes do “nosso”, exemplos recentes de parcerias intersetoriais já apontam para o grande potencial destes relacionamentos. Considerando ainda a pertinência do tema e a sua priorização no âmbito das 8 Agendas Estratégicas do Gife para 2015-2020, as perspectivas são bastante promissoras e, ao mesmo tempo, desafiadoras. Seremos cada vez mais provocados a rever nossos modelos de atuação, repensar conceitos e valores e redesenhar processos e formas de gestão. A nosso rever, nos resta apenas 2 caminhos a seguir: ignorar a conjuntura atual (e futura) e manter nossos processos e atuação como estão ou encarar de frente mais esta oportunidade. Talvez este bonde não passe outra vez.

O tema dos Negócios de Impacto Social é uma das 8 Agendas Estratégicas do Gife para o período 2015-2020. Vide: https://gife.org.br/agendas-estrategicas/

Para mais informações, contatar a Sitawi, que vem liderando estas duas iniciativas piloto no Brasil, em alinhamento com BID e demais organizações.

 

 

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