Rede Temática de Desenvolvimento Local discute a relação empresa-comunidade e a contribuição para os negócios
Por: GIFE| Notícias| 07/12/2015Cerca de 25 investidores sociais estiveram presentes no último encontro do ano da Rede Temática de Desenvolvimento Local, promovido no dia 02 de dezembro, em São Paulo. A proposta foi discutir a respeito da relação empresa-comunidade e a contribuição para a competitividade dos negócios.
Para fomentar o debate, o encontro contou com a participação de representantes da RedEAmérica; EMM Network – Emerging Market Multinationals Network for Sustainability; GIZ (Agência de Cooperação do Governo Alemão); e CIDAC (Centro de Investigação para o Desenvolvimento) do México, que puderam compartilhar suas experiências e projetos neste campo.
Margareth Floréz, diretora executiva da RedEAmérica, abriu o debate com a apresentação dos resultados preliminares da pesquisa que está sendo realizada no âmbito do Programa Empresas e Comunidade na Rede. Nesta primeira etapa, foram realizadas 22 entrevistas com CEOs, gerentes de unidades de negócio, acadêmicos e ONG internacionais em países como o Brasil, na Argentina, na Colômbia e na Costa Rica.
Em relação à evolução e tendências na área, as entrevistas mostraram que há avanços no sentido de compreender a relação existente entre competitividade e sustentabilidade da empresa e a sustentabilidade do entorno, mas ainda é um processo em construção e que esse período de transformação é lento – demora cerca de 10 a 15 anos -, pois implica em inovações e mudanças profundas nas empresas.
“A participação e integração da dimensão social com as áreas do negócio é ainda um caminho difícil. As empresas não sabem como abordar e apontam que precisam de um conhecimento a respeito. Neste sentido, os institutos e fundações passam a ter papel fundamental para articular melhor as ações”, disse Margareth. Percebe-se que esse caminho normalmente começa pela filantropia, evolui para iniciativas ligadas ao negócio, passam para a gestão de impacto até conseguirem incorporar essa perspectiva na estratégia da empresa.
Sobre os desafios para que a perspectiva social permeie o negócio, os entrevistados apontaram que as empresas ainda não compreendem bem a conexão existente entre a operação da companhia e o território e, muitas vezes, ainda se vêem como o centro, não como um dos diversos atores, o que pode ter impactos negativos neste processo de aproximação e articulação. Além disso, observa-se que o desafio é mais interno do que externo, ou seja, é preciso antes conseguir promover transformações dentro das empresas para depois modificar sua atuação externa.
“Precisamos avançar ainda no sentido de articular as fundações e institutos como apoio e parte da empresa e não como unidades independentes, ajudar as empresas a entenderem que não é só filantropia, mas sim uma questão de sustentabilidade do negócio, assim como fazer com que compreendam que os processos implicam inovações e isso toma tempo. Às vezes, os resultados não são os esperados e é preciso ter a possibilidade de ir ajustando”, comentou a diretora da RedEAmérica.
Para avançar neste caminho e promover mudanças, foram apontados alguns aspectos e atitudes a serem tomadas como, por exemplo, a necessidade da liderança apoiar, confiar e impulsionar as ações, assim como garantir que toda a estrutura da empresa compreenda e participe do processo, para que toque a estratégia de fato da companhia. Nesse sentido, inclusive, podem ser incorporadas metas ao desempenho para conseguir mensurar as mudanças.
Segundo Margareth, para trabalhar esse tema nas empresas, é preciso buscar envolver os diversos níveis do negócio, pois hoje a conversa está muito concentrada ainda na área de sustentabilidade, usar diálogo entre pares, mostrar o retorno financeiro e o intangível e que as ações podem ser desenvolvidas por meio de parcerias com outros.
“Há casos sim de empresas que já têm esse entendimento da dimensão social ao negócio e estão conseguindo permear isso em sua estratégia. Nesses casos, esse movimento tem muito a ver com valores e maior consciência. E como avança? Precisamos armar os business case. Mostrar as oportunidades que isso traz é uma forma de engajar”, disse, destacando que os diálogos para fomentar isso podem ser feitos por setor, o que torna a conversa e os exemplos mais tangíveis.
Contextos x empresas sustentáveis
Durante o encontro, Jorge Ramírez, coordenador de projetos do CIDAC – Think tank mexicana - também expôs para o grupo presente alguns resultados iniciais do “Reporte de Empresas Sostenibles 2016”, que a entidade irá lançar em fevereiro de 2016, no México, em parceria com a Organização Internacional do Trabalho (OIT).
O estudo tem como objetivo compreender quais as condições dos países da América Latina para permitir um ambiente favorável para uma empresa ser sustentável, tendo como ponto de partida 17 condições estabelecidas pela OIT em componentes ambiental, econômico, social, político/institucional.
Segundo Jorge, o CIDAC foi convidado a desenvolver uma metodologia para medir essas condicionantes e, a partir daí, propor políticas públicas para os países avançarem nos aspectos que estiverem muito defasados. O relatório se baseou em 77 indicadores e foram analisados cerca de 20 países no estudo.
Numa perspectiva de América Latina, em relação à condicionante de “política macroeconômica acertada, estável e de boa gestão daeconomia”, percebe-se um cenário pouco animador para os países. Na região, a inflação é quase seis vezes maior do que o registrado nos países em desenvolvimento. Já em relação “comércio e integração econômica sustentável”, percebe-se que há pouca diversificação e no comércio internacional, que acaba se focando muito nos EUA, o que é prejudicial, pois fica sujeito a todas as nuances que aquele país sofrer.
Outro aspecto analisado foi o do ambiente regulatório, sendo observado um ambiente pouquíssimo favorável para a abertura de novas empresas. Na América Latina, a abertura de um negócio leva 28.7 dias, em média, enquanto nos países da OCDE isso cai para 8.5 dias. Ainda nessa condicionante, as empresas na América Latina gastam 479 horas para conseguir fazer todos os trâmites necessários para pagar os seus devidos impostos, enquanto nos demais países de comparação gasta-se 169 horas. “O que observamos é que há uma falta de incentivos para as empresas em estarem do lado correto da economia”, apontou Jorge.
Em relação ao Brasil, o coordenador do CIDAC trouxe alguns dados preliminares. Na comparação com os demais países, no contexto da microeconomia, o Brasil fica em sexto lugar, tendo como piores indicadores o tempo requerido para inciar um negócio e o número de procedimentos para começar os negócios. Já no contexto macroeconômico, a situação é mais crítica, ficando o Brasil em 15º lugar. O pior indicador é o que diz respeito à dívida governamental e a política macroeconômica do setor público.
O relatório coloca o Brasil em sétimo lugar no contexto social, no qual o melhor indicador é o que diz respeito à proteção das minorias e, entre os piores, a desigualdade e esperança de vida, assim como a capacidade do sistema educativo para satisfazer as necessidades de economia.
“Esperamos que os grupos e representantes de empresas possam utilizar estes dados, inclusive, para mostrar aos governos quais são as áreas mais vulneráveis e que impactam diretamente na criação de um ambientel favorável para as empresas serem sustentáveis e desenvolvam políticas focadas nisso”.
Ações práticas
Mas, como transformar os desafios de sustentabilidade em soluções de negócios bem sucedidas? Essa pergunta é um dos objetivos inclusive de ação da EMM Network – Emerging Market Multinationals Network for Sustainability, iniciativa da GIZ (Agência de Cooperação do Governo Alemão), que foi apresentada durante o encontro da Rede Temática.
Cristina Fedato, consultora da EMM, explicou que a rede EMM faz parte de uma iniciativa internacional “Emerging Market Sustainability Dialogues”, que tem como missão desenvolver e implementar soluções para o desenvolvimento econômico e sustentável em economia emergente por meio de pesquisas, estudos e diálogo.
A EMM atua em três linhas de ação com desenvolvimento de modelos inovadores de negócios; gestão e relacionamento com stakeholders; e produção de guias, manuais e certificações. Em abril de 2014, a rede iniciou sua primeira atividade no Brasil, com a proposta de contribuir para que as empresas participantes identificassem e simulassem o retorno financeiro de determinados aspectos da sustentabilidade em alguns cases.
O Gvces foi o parceiro escolhido para levar o projeto adiante. E, neste primeiro ciclo, participaram sete empresas: Adidas, AES Brasil, Odebrecht, CPFL Energia, Grupo O Boticário, Votorantim e Siemens. Elas aplicaram a metodologia em 12 estudos de caso, sendo que cinco empresas trabalharam variáveis ambientais (ex: ecoeficiência, melhorias na cadeia de valor e logística reversa etc); e quatro empresas com o desenvolvimento e engajamento das comunidades (projeto de formação na comunidade do entorno, engajamento de fornecedores e stakeholders, financiamentos a crédito etc). Os dados serão transformados em uma publicação a ser lançada em fevereiro.
Segundo Cristina, foi possível perceber alguns resultados deste processo como a aproximação entre a área de Sustentabilidade das empresas com a de Finanças, o que incentiva que o cálculo do ROI (Sustainability Return on Investment) para as iniciativas de Sustentabilidade se torne uma atividade contínua e dentro do planejamento estratégico. “Entre os aprendizados, descatamos a importância de se desenvolver a métrica de valoração desde o início da execução de cada iniciativa, coletar informações em conjunto das áreas financeira e sustentabilidade, a necessidade de treinamento técnico e engajamento das equipes relacionadas, a importância de se discutir e alinhar métodos de cálculo e o potencial de replicabilidade da ferramenta e tema em diversas áreas da mesma empresa”, destacou.
Para exemplificar o trabalho que foi feito, o Instituto Votorantim compartilhou de que forma aplicou essa metodologia junto ao Projeto Primavera Sustentável, desenvolvido com a Votorantim Cimentos. O projeto teve como proposta atender a cidade de Primavera no Pará, local em que a empresa está instalando uma nova planta. O projeto teve início em 2011 e até março de 2016, quando as operações terão início, terão sido investidos 9 milhões.
A proposta do Primavera Sustentável é desenvolver ações para potencializar o desenvolvimento social e econômico do município por meio da elaboração de projetos e ações como: fortalecimento da Gestão Pública (modernização administrativa e ordenamento territorial); fortalecimento da educação pública; incremento de infraestrutura social (escolas, posto de saúde, biblioteca); promoção de direitos infantojuvenis; ações de geração de trabalho e renda (fortalecimento de cooperativa); e capacitação de mão de obra – para alavancar taxa de empregabilidade local.
Segundo Rafael Gioielli, gerente geral do Instituto Votorantim, o diagnóstico inicial mostrou que a comunidade tinha grande receio dos impactos da operação no pequeno município – cerca de 10 mil habitantes – e o Instituto passou a criar uma agenda positiva com ações estruturantes, a fim trazer também ganhos de competitividade.
Para que fosse possível estabelecer uma correlação da licença social para operar e as iniciativas promovidas com os impactos financeiros foram definidos os custos do projeto – investimento social; horas alocadas da equipe; despesas logísticas; custos administrativos; e custo de capital – e o retorno do projeto – custos evitados (perda de produtividade, reparos/reposição de bens, segurança, seguros, turnover equipe, capital etc); economias (redução de gastos em ações compensatórias e obrigações legais, custo de mão de obra; e valor adicionado (mão-de-obra mais produtiva, qualidade de fornecedores, dinamismo do ambiente de negócios, eficiência da infraestrutura e serviços públicos etc).
O IV tomou como base uma projeção de 15 anos para poder estabelecer um cálculo, que soma os custos evitados, mais as economias e o valor adicionado e divide pelo investimento social mais os custos do projeto. Entre os resultados do cálculo, foi possível perceber, por exemplo, que o valor presente líquido (VPL) do projeto, ou seja, qual valor gera para a empresa é de 13,8 milhões – frente aos 9 milhões investidos e o payback (a partir de que ano tem retorno), é de cinco anos.
Todo o detalhamento das análises feitas e os resultados estarão também disponíveis na publicação a ser lançada pela EMM.