Reintegração familiar é base de projetos para crianças em situação de rua

Por: GIFE| Notícias| 22/08/2005

MÔNICA HERCULANO
Repórter do redeGIFE

Lançado no início de agosto, o livro Minha Vida Mudou – Reintegração familiar de crianças e adolescentes em situação de rua foi elaborado a partir de parceria entre a Associação Brasileira Terra dos Homens e o Instituto Holcim para o Desenvolvimento Sustentável, no âmbito da Rede Rio Criança (composta por 15 instituições que atuam na defesa dos direitos da criança e do adolescente).

A publicação traz a metodologia do projeto e os resultados obtidos no atendimento a 60 crianças e adolescentes em situação de rua no Rio de Janeiro. Dessas, 77% estavam em busca de dinheiro para auxiliar na renda doméstica. Com acompanhamento sistemático, foi feita a reintegração familiar de 86% dos casos e inserção escolar de 90% ao final do projeto.

“”Nossa maior especificidade é trabalhar os contextos familiar e comunitário dessas crianças. O fluxo de trabalho não passa pela institucionalização (abrigo), mas procura reintegrar a criança diretamente à família””, conta Valéria Brahim, gerente de programas sociais da Terra dos Homens. De acordo com pesquisa do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) apresentada em abril deste ano, 87% das crianças atendidas em abrigos têm família.

“”O que essa pesquisa aponta é que o abrigo, que deveria ser uma medida excepcional e provisória, por vezes institucionaliza a criança por longo prazo. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) coloca que a pobreza não pode ser motivação para o abrigamento. São necessárias políticas públicas de apoio sócio-familiar que permitam à família manter seus filhos em casa e garantir sua subsistência””, afirma Valéria.

Para Max Dante, da Fundação Projeto Travessia, uma das principais especificidades de projetos voltados ao atendimento de crianças e adolescentes em situação de rua é o desenvolvimento de estratégias para abordagem em um ambiente com múltiplas interferências, que sejam acolhedoras o bastante para iniciar a construção dos vínculos de confiança necessários para uma relação educativa. “”Essas crianças costumam ser muito arredias, porque vivem em ambiente extremamente hostil e perigoso””, lembra.

Além disso, Max indica outros aspectos a atentar nesses projetos: as atividades propostas devem ter início e fim no mesmo dia, já que não existe nenhuma garantia de continuidade nos encontros; o atendimento deve ser extensivo à família do educando, tendo em vista a fragilização dos vínculos afetivo familiares; a equipe de educadores deve desenvolver estratégias para a sensibilização de moradores e comerciantes quanto à complexidade do problema vivido por essas crianças e quanto ao trabalho pedagógico necessário; o atendimento deve ser feito em rede, visto a insatisfação de quase todas as necessidades básicas para o desenvolvimento integral destas crianças.

A Fundação Projeto Travessia foi criada em dezembro de 1995, por sindicatos de trabalhadores, bancos e empresas privadas, com a missão de garantir os direitos de crianças e adolescentes que utilizam as ruas do centro histórico da cidade de São Paulo como espaço de moradia e sobrevivência. Entre seus apoiadores estão o Bradesco e a Fundação BankBoston.

Para Bettina Grajcer, coordenadora de parcerias do Projeto Quixote, o trabalho em rede é essencial, garantindo a acessibilidade dessas crianças aos serviços da rede pública. Ela defende que a sociedade precisa entender que a permanência de crianças na rua não é uma questão de delinquência, mas sim uma questão social. Assim, todos devem estar comprometidos com a transformação desta realidade.

“”As crianças em situação de rua apresentam um histórico de abandono. Para trabalhar com essa população é necessário estabelecer um vínculo consistente. É interessante que o projeto se torne uma referência para essa criança, que pode procurar auxílio quando necessário””, explica. Para isso, as atividades devem ser atrativas, criativas e de qualidade, para despertar o interesse.

Ligado ao Departamento de Psiquiatria da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e mantido, entre outros, pela Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social do Estado de São Paulo e a Secretaria Municipal da Saúde, o Projeto Quixote existe desde 1996, com sede na capital paulista. Seu trabalho envolve o atendimento a crianças e adolescentes, formação de profissionais, desenvolvimento de pesquisas e criação de uma rede de intervenção com outros projetos.

“”O trabalho de reintegração com a família deve incluir os aspectos subjetivos e sociais da criança, da família e da comunidade onde ela será inserida. A inclusão não é um ato pontual, é sempre um processo, que pressupõe um acompanhamento antes, durante e após o retorno familiar, para garantir a permanência desta criança em sua comunidade de origem””, completa Bettina.

As empresas, fundações e institutos, segundo Max Dante, podem apoiar a reinserção social de crianças em situação de rua financiando programas de atendimento, disponibilizando vagas em postos de trabalho para os adolescentes e seus familiares, investindo em campanhas para o esclarecimento da sociedade em relação às complexas situações de exclusão social vividas por essas crianças e famílias, além de combater práticas assistencialistas que contribuem para a perpetuação destas situações.

Leia mais:

  • Projetos como o Axé, que completa 15 anos, são exemplos

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