Relação entre conselheiros e equipe técnica desafia organizações

Por: GIFE| Notícias| 08/10/2001

O que fazer para que as relações entre o conselho e a equipe técnica sejam boas para ambos, gerando resultados melhores para a organização? A questão vem desafiando o terceiro setor ao longo de sua história e parece não ter resposta.

Mas John Carver – pesquisador que mais publicou trabalhos sobre o tema em todo o mundo – diz que os problemas não são exclusivos do setor, surgindo em todos os ambientes democráticos. E garante: é possível faze-los desaparecer.

redeGIFE – Qual o segredo para um bom relacionamento entre os Conselhos e as equipes técnicas organizações sem fins lucrativos?
John Carver – Os fatores mais importantes são uma definição apropriada dos seus papéis e a disciplina para mantê-los. As decisões devem vir de um paradigma global ou de um modelo conceitual coerente.

redeGIFE – Qual a origem dos problemas entre os conselheiros e liderança executiva?
Carver – O problema reside em três tradições: os Conselhos em geral são reativos ao invés de pró-ativos, parecem preferir detalhes administrativos a políticas mais amplas e acreditam que os administradores devem trazer para o Conselho os seus planos, de maneira a serem aprovados por ele.

redeGIFE – É possível eliminar estes problemas de maneira segura para ambos os lados?
Carver – A maioria dos problemas desapareceria se os Conselhos priorizassem decisões a respeito de questões mais amplas – utilizando-se dos administradores e outras pessoas para ganhar sabedoria -, instruíssem o principal executivo a colocar em prática as decisões do Conselho, dando a ele o direito de dar qualquer interpretação razoável às palavras deste, e demandassem informações periódicas que medissem o desempenho da organização no que dissesse respeito às decisões do Conselho. Dessa forma, não existiria motivo para o Conselho ser reativo ou entrar nos detalhes dos planos administrativos para aprová-los. É verdade que para isso ambas as partes precisam se sentir seguras: o Conselho de que suas decisões estão sendo postas em prática e que tudo vai bem e os executivos de que o Conselho somente os avaliará pelos objetivos previamente explicitados. Os Conselhos que se sentem inseguros começam a entrar em muitos detalhes e a interferir nas ações executivas. Já os executivos que se sentem ameaçados começam a esconder coisas, gerenciando o Conselho e tentando influenciar os votos de alguns membros.

redeGIFE – Onde está o erro em relações conflituosas: no Conselho ou na liderança executiva?
Carver – Os dois lados podem errar, mas como os Conselhos têm mais autoridade, os seus erros podem fazer mais estragos. Com maior autoridade, vem maior responsabilidade. As pessoas, em geral, acreditam que a equipe técnica deveria ser responsável pelo bom relacionamento. Não acredito nisso. A medida em que se tratam os conselheiros como crianças, eles jamais alcançarão excelência. A criação de um bom relacionamento é responsabilidade do Conselho e não da equipe técnica.

redeGIFE – Historicamente especialistas na área vem defendendo que a captação de recursos para a organização sem fins lucrativos seja função do Conselho. Esta postura vem mudando? Quais os benefícios e malefícios deste papel ser destinado à liderança executiva?
Carver – Eu diria que a captação de recursos é, às vezes – mas não sempre – papel dos membros do Conselho. Se os recursos existentes não são suficientes para cumprir os desejos estabelecidos, é hora do Conselho diminuir as suas expectativas ou aumentar a captação de recursos? Se a receita deve ser aumentada, quem deve trabalhar por isso? Em algumas organizações, os executivos, mais do que os membros do Conselho, podem conseguir financiamento. Já em outras, isso não funciona e o Conselho tem que assumir essa obrigação. A decisão depende de uma avaliação de cada caso. Porém, independente da situação, a decisão de quem capta é do Conselho.

redeGIFE – Uma das queixas das organizações em fins lucrativos diz respeito à dificuldade de lidar com as personalidades dos conselheiros. Como esta questão pode ser amenizada?
Carver – Temos que reconhecer que o Conselho tem um enorme poder. A não ser que tenha poder, não poderá delegá-lo à equipe. Mas eu estou falando do poder do grupo e não do poder de indivíduos do Conselho. Estes jamais devem usar o seu poder como indivíduos – especialmente para se intrometerem nas decisões dos executivos -, apesar de poderem usar a sua influência com outros membros do Conselho durante as deliberações deste. A maior salvaguarda contra o problema é o Conselho criar uma força de grupo que neutralize os “”egos”” individuais e o seu desejo de poder.

redeGIFE – Qual a sua opinião sobre membros da equipe técnica integrarem os Conselhos?
Carver – Se o trabalho for feito corretamente, não há necessidade da equipe técnica participar. Porém, eu não acredito que os Conselhos tenham tradicionalmente feito suas tarefas direito, de maneira que as equipes acham que elas têm que exercer influência sobre os conselheiros para se proteger. Membros da equipe no Conselho com direito a voto geram um conflito de interesses e confundem governança e administração.

redeGIFE – O senhor tem falado sobre este assunto em várias partes do mundo. Onde esta questão está mais avançada?
Carver – Não sei, pois o interesse é grande em todo lugar, especialmente em ambientes democráticos. Tenho certeza que as pessoas têm o mesmo tipo de problemas e fazem sempre as mesmas perguntas. A minha experiência mostra que a dificuldade de relacionamento entre administração e governança é um problema global em associações, empresas e governos.

redeGIFE – Quais os maiores desafios que o senhor enfrenta ao ajudar organizações sem fins lucrativos a lidar com suas dificuldades com os Conselhos?
Carver – Na verdade ajudo os Conselhos a lidarem com as suas organizações. Os problemas de governança não se resolvem quando ensinamos as equipes a lidar melhor com o Conselho. Por exemplo, se você tem um presidente medíocre em uma empresa, eu nunca diria que a solução está em ensinar os vice-presidentes a se relacionarem melhor com ele! Tentaria fazer com que o presidente melhorasse. Eu louvo o GIFE por sua preocupação em ajudar as organizações sem fins lucrativos a melhorar os Conselhos. Uma boa solução em curto prazo talvez seja aperfeiçoar a administração. Mas, a longo prazo, a solução mais poderosa é desenvolver os Conselhos. Nenhum país no mundo fez isso muito bem, de forma que existe a oportunidade do Brasil liderar ao invés de seguir. Eu não recomendo que vocês tentem seguir o que os Estados Unidos, a Grã-Bretanha, o Canadá ou qualquer outro lugar tenha feito. O melhor caminho a seguir, e o mais esperançoso, é não repetir os erros dos outros, mas adiantar-se em relação a todos eles.

Colaboração: Elisa Grinspum e Mara Regina Cunio (Instituto Alumni)

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