Relação entre terceiro setor e imprensa requer ações de ambos

Por: GIFE| Notícias| 31/03/2003

MÔNICA HERCULANO
Repórter do redeGIFE

O processo de profissionalização e desenvolvimento pelo qual passa o terceiro setor torna necessária uma cobertura jornalística mais profunda e eficiente da atuação social de empresas e organizações sem fins lucrativos.

Uma das maiores dificuldades encontradas pelos profissionais da imprensa ao tratar das ações sociais é a complexidade que envolve o tema. Os jornalistas não tiveram uma capacitação formal para falar sobre este cenário dinâmico e de conceitos diversos e precisam de motivação pessoal e de tempo dedicado por conta própria para ter condições de realizar uma cobertura mais qualificada.

Essa é a opinião de Veet Vivarta, diretor editor da Andi (Agência de Notícias dos Direitos da Infância), que aponta como obstáculo a falta de uma percepção mais técnica sobre o assunto. “”Quando falamos em terceiro setor, em sociedade civil, nos referimos a um universo enorme. Viemos de uma tradição de assistencialismo para um novo paradigma de ação consistente, realizada a partir de metas, avaliações, objetivos e resultados. É um outro cenário e o profissional de imprensa está tendo que aprender e se inteirar sobre isso.””

Para Mariângela de Almeida, da equipe de comunicação do Instituto Ayrton Senna, é notável a dificuldade do profissional da mídia em cobrir os temas sociais de uma forma mais ampla, menos fragmentada e menos focada em um só aspecto. “”As mudanças pelas quais o país passa são radicais e pedem mega-ações. Assim, também é fundamental que a imprensa amplie os assuntos, ajudando a gerar discussões mais abrangentes e a formar consciências que, de fato, levam às mudanças necessárias.””

Além disso, ela lembra que nem sempre o jornalista chega às fontes mais precisas sobre esses temas. Pensando nisso, o Instituto Ayrton Senna, a Andi e o Programa Comunidade Ativa lançaram, no final do ano passado, o guia para jornalistas Fontes em Desenvolvimento Humano e Social. A publicação apresenta mais de 200 nomes voltados ao desenvolvimento humano (DH) e ao desenvolvimento local integrado e sustentável (DLIS), sugestões bibliográficas e dicas de eventos.

Direitos humanos – A Andi é responsável ainda por mais três guias: Fontes em Educação (também com o Instituto Ayrton Senna), Fontes para a Educação Infantil e Fontes em Direitos Humanos.

Parceira na pesquisa que deu origem ao Fontes para a Educação Infantil, a Fundação Orsa também percebeu falhas no olhar do jornalista para a educação de crianças de 0 a 6 anos. “”Os resultados da análise mostraram que a presença da educação infantil nos meios de comunicação não condiz com sua importância e não reflete os avanços da legislação””, afirma Vera Melis, coordenadora de educação infantil da Fundação e uma das organizadoras do guia.

O Guia de Fontes em Direitos Humanos foi feito em parceria com a ONG Conectas para disponibilizar aos jornalistas fontes de informação que atuem nos mais diversos campos relacionados aos direitos humanos. Outro objetivo foi aprofundar algumas questões apresentadas no Manual de Mídia e Direitos Humanos, lançado em 2001 pelo Consórcio Universitário pelos Direitos Humanos e a Fundação Friedrich Ebert.

Fernanda Vidigal, assessora de programas da Conectas, acredita que há um espaço a ser conquistado na mídia, mas para isso é preciso conhecer as dinâmicas de comunicação existentes e interagir melhor com os jornalistas, realizando ações que despertem sua atenção e seu interesse.

“”É preciso divulgar dados concretos para o repórter, deixar claro quais problemas a instituição tenta prevenir ou erradicar, fornecer números de pesquisas confiáveis que demonstrem essa realidade e resultados práticos alcançados pela organização””, exemplifica.

A ONG Escola de Gente também lançou um guia, com orientações para uma melhor abordagem jornalística sobre o direito à inclusão de pessoas com deficiência na sociedade. O Manual da Mídia Legal foi feito a partir da análise de reportagens por alunos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), pelo Ministério Público e pela jornalista Cláudia Werneck, diretora executiva da Escola de Gente.

Cláudia diz que dois equívocos são básicos nas matérias sobre pessoas com deficiência: a postura pouco crítica dos repórteres em relação às fontes que procuram e a falta de discernimento entre os dois conceitos que norteiam e definem a inserção de pessoas com deficiência: integração e inclusão.

“”Essa diferença é muito sutil, mas permeia todo o manual. Os guias são importantes, mas desde que tragam, mais do que recomendações, muita reflexão. É preciso rever a concepção que cada jornalista tem de seu papel nas transformações sociais””, diz Cláudia.

Soluções – Segundo o jornalista Fernando Rossetti, há uma falta de tradição do jornalismo brasileiro na área social, o que resulta em matérias fracas e desinteressantes. “”O jornalista é como um especialista em generalidades, mas não consegue ir fundo na maioria das questões. Além disso, a mídia tem que investir mais nessa área. Questões sociais em geral envolvem processos, mas a imprensa hoje está excessivamente voltada para eventos.””

Já tendo atuado na redação do jornal Folha de São Paulo e dirigido a ONG Cidade Escola Aprendiz, Rossetti diz que o próprio terceiro setor não compreende a dinâmica da mídia e, em geral, espera como resultado uma reportagem estilo “”chapa branca”” sobre sua ação social. Ele conta que a relação entre a imprensa e as organizações responsáveis pelos projetos sociais é extremamente conflituosa.

“”Primeiro por essa necessidade da área social em ter reportagens elogiosas, em vez de textos mais analíticos e críticos. Segundo, pela tensão entre o processo e o evento. O tempo da Educação, por exemplo, é medido em gerações. Já a mídia funciona em tempo real.””

Ele cita algumas atividades que podem ajudar a melhorar essa relação, como ter um site com informações sempre atualizadas e promover a capacitação de jornalistas e fontes.

“”É muito útil produzir estatísticas e indicadores que tratam da causa e da questão social em foco. Deve-se manter relação com os jornalistas, dar retornos, escrever freqüentemente para o painel do leitor e para o ombudsman. Também facilita muito manter uma assessoria de imprensa não-terceirizada dentro do projeto, que entenda profundamente a causa e o trabalho e saiba traduzir isso para a mídia””, completa o jornalista.

Rossetti acredita que as entidades sem fins lucrativos devem focar a comunicação na causa. Veet Vivarta concorda, lembrando que é preciso aprender a valorizar a transformação social, e não apenas a organização. “”Muitas vezes as entidades querem destaque para si, esquecendo sua ação e aquilo que elas trazem para o público atendido, que realmente têm potencial para virar notícia””, explica o diretor editor da Andi.

Vivarta aponta a necessidade de multiplicar os procedimentos mais formais, como seminários, cursos de pós-graduação, oficinas de comunicação e guias. Explica ainda que existe um grande número de jornalistas realmente interessados em materiais de apoio como esses, mas que ainda há um contingente em potencial que precisa ser abordado. “”As estratégias envolvem mobilização dos que ainda não foram tocados e avanço na qualificação de quem já tem consciência do papel da sociedade civil e do terceiro setor no contexto de desenvolvimento humano e social do país.””

Para isso, as entidades sem fins lucrativos também devem perceber a importância das estratégias de comunicação em seu trabalho. “”Num momento em que há uma crise reconhecida dos meios de comunicação no país, o que essas instituições puderem fazer para facilitar o estabelecimento de um elo com a mídia é muito importante””, aconselha Vivarta.

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