Relatório aponta principais riscos para a melhoria da educação na América Latina

Por: GIFE| Notícias| 29/11/2004

MÔNICA HERCULANO
Repórter do redeGIFE

No início de novembro, aconteceu em Brasília (DF) a IV Reunião do Grupo de Alto Nível de Educação para Todos, convocado anualmente pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura). Paralelamente, organizações da sociedade civil fizeram o encontro A Educação na América Latina no Centro da Roda de Integração, realizada pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação. Elas discutiram a efetividade das instâncias internacionais de monitoramento e de financiamento de educação, o fortalecimento da articulação dos movimentos sociais nessa área e a importância da América Latina na agenda global de educação.

Como resultado dos debates, produziram o documento político A Educação na América Latina: Direito em Risco, entregue ao Grupo de Alto Nível (GAN). O GAN reúne cerca de 30 ministros de Educação de países em desenvolvimento, de Desenvolvimento e Cooperação Internacional de países desenvolvidos e chefes de agências multilaterais e bilaterais. Entre as principais propostas do documento estão o resgate do sentido de Educação para Todos, o aumento dos investimentos em educação pública e a retirada do tema da pauta de negociação dos acordos internacionais e bilaterais de comércio.

Foi considerado que os avanços com relação ao acesso à educação nas últimas décadas na América Latina têm se referido prioritariamente ao ensino básico, enquanto persistem problemas no conjunto da educação pública, em especial na educação infantil, nos ensinos médio e superior e na educação de jovens e adultos. Além disso, indica-se que as metas da agenda global de educação, a partir da década de 90, tornaram-se mais tímidas, os prazos para o cumprimento foram estendidos (de 2000 a 2015), o financiamento foi limitado e a abrangência se restringiu.

“”Os financiamentos nacionais e internacionais para educação não tiveram avanço como exigido pelas metas assumidas na Conferência de Jontiem (Tailândia, 1990) e na Cúpula Mundial de Educação de Dacar (Senegal, 2000). Dessa forma, assistimos no plano internacional um reducionismo dessas metas no sentido de restringi-las à chamada educação primária obrigatória (ensino fundamental) e à igualdade de gênero somente no que se refere ao acesso ao ensino””, afirma a coordenadora geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Denise Carreira.

Ela conta que, além de cobrar que os organismos internacionais assumam que as políticas de ajuste fiscal ferem a efetivação dos direitos educacionais, o documento propõe a urgência da revisão dos termos do pagamento da dívida externa e a taxação de capitais internacionais e do comércio de armas como fontes de recurso para a educação e outros investimentos sociais.

A lógica dos acordos internacionais de comércio, segundo Denise, vai contra a efetivação da educação como direito de todas as pessoas, independentemente de situação econômica, origem étnica/racial, sexo, região, entre outros aspectos. De acordo com o coordenador do programa de educação da ActionAid Brasil e ActionAid Américas, Alexandre Arrais, os governos latino-americanos não têm incluído a educação como política central para um desenvolvimento com justiça social, optando por seguir as orientações do Banco Mundial e suas estratégias de focalização. Ele acredita que, de forma geral, todas as metas sociais estão sofrendo um retrocesso.

“”A questão dos indicadores sobre pobreza, por exemplo, demonstra como a discussão tomou um caráter economicista e afastou-se da perspectiva de debater as relações de poder. Esta concepção, adotada pelos organismos internacionais, vem focalizando cada vez mais as políticas sociais, o que se reflete mais gravemente na educação, porque sua qualidade exige recursos de médio e longo prazo, e a única maneira dos governos tentarem apresentar melhores resultados em pouco tempo é limitando o alcance das políticas sociais e comprimindo as suas metas””, afirma Arrais.

Financiamento – Lucia Dellagnelo, doutora em educação pela Universidade de Harvard e fellow visitante da Universidade de Bologna (Itália), lembra que há países para os quais a inclusão da educação na pauta de negociação dos acordos internacionais e bilaterais de comércio é benéfica, como naqueles onde era negado ou negligenciado o acesso de mulheres à educação ou onde ocorriam desvios de recursos. Mas no caso do Brasil, por exemplo, só faz sentido continuar a incluir a educação em acordos multilaterais se não se garantir, em nível interno, que os investimentos sejam realizados.

Ela entende que as políticas de ajuste fiscal podem restringir os recursos dedicados à educação. Porém, se existir compromisso político com a educação, é possível a realocação de recursos de modo que investimentos prioritários sejam mantidos. “”Este foi, de certo modo, o caso do Brasil na ultima década. Apesar de planos austeros de ajuste fiscal, conseguimos avançar em alguns aspectos, como na expansão das oportunidades educacionais. Há ainda um longo caminho a percorrer na busca da qualidade da educação e isso vai requerer que o atual governo priorize a área como foco de investimento. A alocação de recursos para esse setor é, no fundo, uma escolha estratégica de cada governo.””

O representante da Unesco no Brasil, Jorge Werthein, conta que o GAN estabeleceu a necessidade de incrementar recursos para alcançar as metas de Educação para Todos e pronunciou-se a favor da adoção de modalidades específicas de financiamento segundo a realidade de cada país, incluindo o intercâmbio de dívida externa por educação, a ampliação do alívio da dívida e do seu serviço e o desbloqueio de recursos para a educação básica nos países que demonstraram transparência e compromisso nas políticas educativas e na mobilização de recursos próprios.

Por outro lado, fez-se um chamado a uma maior colaboração com o setor privado na mobilização de recursos e na necessidade de explorar novas vias de financiamento. “”Corresponde à Unesco alertar, promover, apoiar e acompanhar ações que conduzam à concretização e ao cumprimento das recomendações do Grupo de Alto Nível e de outras iniciativas similares para alcançar as metas de Educação para Todos. A Unesco não se omite em recomendar o aumento dos recursos para a educação, e essa é uma responsabilidade que deve ser compartilhada também com o setor privado””, afirma Werthein.

Qualidade – Guiomar Namo de Mello, diretora executiva da Fundação Victor Civita, afirma que o problema não é a falta de dinheiro para a educação, mas sim seu mau gerenciamento. “”Levar educação a sério é enfrentar o corporativismo dos professores, cobrar resultados e, ao mesmo tempo, colocar dinheiro. Este discurso de atribuir tudo à dívida externa e ao ajuste fiscal é antigo e nos desresponsabiliza pelo que acontece dentro de cada sala de aula. Lógico que com dinheiro tudo pode melhorar, mas podemos trabalhar com o financiamento que já existe e muito melhor do que é feito hoje.””

Segundo ela, falta preparação para que os professores possam exercer a função social também reivindicada no documento entregue ao Grupo de Alto Nível. “”Nós ainda não somos capazes, neste país, de preparar bem um professor que paga pela sua formação. 90% dos professores estudam no ensino superior particular. O que eles precisavam é que o governo garantisse cursos decentes, mas encontramos secretarias de educação passando dinheiro para o ensino particular sem avaliar sua qualidade. Precisamos colocar nos postos-chave da educação pessoas sem compromissos partidários ou corporativos””, explica Guiomar.

O documento aponta ainda para uma falta de transparência e disseminação de informações estratégicas para uma participação mais qualificada da população como um todo na área de educação. Para Guiomar, é necessário que o poder público forneça dados assimiláveis. “”Não adianta ficar publicando resultados de avaliação sem contextualizar, porque ninguém consegue interpretar aquele resultado a ponto de poder agir””, alerta. Já as organizações que trabalham com educação deveriam tentar falar com os professores nas escolas. “”É ali que está o problema, e não no Grupo de Alto Nível.””

Ela afirma que os parâmetros e diretrizes curriculares existentes no Brasil precisam ser colocados em prática para se identificar o que deve ser mudado. “”Agora, um grande problema no Brasil é que quando chega um novo gestor, acaba tudo e começa de novo. Nós inventamos a roda a cada gestão. Querem usar o dinheiro da educação pra fazer bandeira política eleitoral. Como levar a sério uma coisa dessas?””, questiona.

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