Relatório faz balanço dos primeiros 60 dias de Covid-19 no Brasil

Por: GIFE| Notícias| 11/05/2020

Mais de 450 ações entre campanhas solidárias e de doações em dinheiro, plataformas online, iniciativas de auxílio médico e psicológico, listas de cursos, livros e filmes gratuitos e notícias sobre as periferias brasileiras figuram no Mapeamento de Iniciativas contra a Covid-19, iniciado pela ponteAponte em uma planilha tornada pública para receber contribuições na semana em que o Brasil começou a contabilizar vítimas fatais da doença. 

O mapeamento serviu como ponto de partida a uma análise quantitativa de 154 ações e qualitativa de 260 ações que deu origem ao relatório Os primeiros 60 dias de Covid-19 no Brasil em 60 fatos, reflexões e tendências em filantropia, investimento social e no campo de impacto social, criado pela ponteAponte com o objetivo de gerar inteligência e informações para o campo socioambiental brasileiro. 

Rachel Añón, diretora de alianças da ponteAponte, explica que a ideia de fazer o relatório analítico estava atrelada desde o começo à realização do mapeamento das inúmeras ações que foram surgindo conforme a pandemia foi avançando no país. “Nós tínhamos a percepção clara de que não era uma crise pontual, mas sim uma situação complexa, e julgamos que as ações precisavam começar a pensar nisso. A ideia do mapeamento era olhar para o que estava sendo feito e analisar sobreposições, onde havia escassez de iniciativas e pensar em formas de ajudar esse direcionamento de esforços e recursos”, afirma. 

O relatório tem um recorte de ações realizadas nos temas investimento social privado, filantropia, chamadas públicas (editais, desafios etc.) e comunicação. O guia, portanto, busca oferecer uma visão abrangente de iniciativas criadas nos 60 dias iniciais da pandemia no Brasil – de 26 de fevereiro a 26 de abril – a investidores sociais, filantropos, executivos de empresas, líderes de OSCs (organizações da sociedade civil), movimentos sociais e coletivos periféricos, bem como intermediários desenvolvedores do campo. 

Apesar de o mapeamento ter surgido para ajudar a ponteAponte internamente, Cássio Aoqui, diretor executivo da organização, afirma que a percepção de que as informações poderiam ajudar outros atores do campo foi somada às interpretações que essas organizações parceiras tinham das ações de combate à pandemia e do momento. 

“Trocamos muito com algumas fundações, institutos e até com o próprio GIFE e procuramos fazer o mapeamento com uma estrutura mais padronizada para o campo. No relatório analítico, poderíamos focar em inúmeras lentes, mas entendemos que conectar com a missão da ponteAponte de fortalecer o campo socioambiental brasileiro de forma crítica era onde nós poderíamos contribuir mais com nossa expertise”, defende. 

Outro objetivo do relatório foi avançar do momento de ações emergenciais e lançar luz sobre os próximos passos para o Brasil. “Os fundos emergenciais, distribuições de kits de higiene e de alimentação são essenciais, uma vez que muitas pessoas estão passando fome e morrendo, considerando as vulnerabilidades de um país altamente desigual como o Brasil. Entretanto, também tentamos dar um passo além do momento atual para visualizar para onde estamos caminhando e de que forma podemos repensar alguns dos nossos processos e até a cultura dos atores do investimento social”, reforça Cássio. 

60 reflexões 

A proposta do relatório de reunir 60 fatos, reflexões e tendências em filantropia, investimento e o campo de impacto social foi estruturada em cinco blocos: os movimentos de institutos, fundações, empresas, filantropos e intermediários nesses dois meses; campanhas de arrecadações e doações – análises, oportunidades e desafios; editais, fundos e chamadas públicas; boas práticas em comunicação; e recomendações. 

A análise cita o crescimento veloz de iniciativas de filantropos e investidores sociais para arrecadar dinheiro e artigos/produtos para populações mais vulneráveis, sobretudo durante a segunda quinzena de março, em São Paulo e no Rio de Janeiro. Também há menção sobre menor surgimento de novas ações e maior coordenação das já existentes; a atuação de organizações que já tinham experiência em contextos periféricos, o que ocasionou o surgimento de iniciativas mais direcionadas e articuladas; doação financeira por empresas e iniciativas que conversam com as culturas institucionais – a exemplo da Ambev, produzindo e distribuindo álcool em gel -; e outras iniciativas. 

Cássio comenta que, a partir das análises do mapeamento, foi possível identificar que as ações refletem, em maior escala e em formatos diferentes, o que já acontecia no campo do investimento social antes da pandemia. “O tíquete médio de recursos destinados para a saúde, ainda mais considerando que estamos falando de uma crise nessa área, continua infinitamente superior do que as demais campanhas”, reflete.  

O diretor também pontua que as campanhas nascidas de organizações do investimento social privado batem muito mais metas (65%), em comparação às campanhas públicas (27%) e comunitárias (26%). “É claro que um instituto ou fundação tem um poder muito maior de comunicação e articulação de atores para doação. Mas puxamos questões críticas de como podemos, aos poucos, construir um campo de investimento social no qual isso vai se equilibrando. Pontuamos que todos precisam ser sustentáveis, seja quem está gerindo fundos, recebendo recursos ou fazendo campanhas de crowdfunding, fundamentais para dar escala nesse momento em que tudo precisa ser muito rápido. Ao mesmo tempo, precisamos analisar quanto de dinheiro realmente está chegando na mão de quem está fazendo as ações.” 

No que diz respeito aos editais e chamadas públicas, a ponteAponte notou que predominaram iniciativas com processos simplificados, liderança do poder público no lançamento das chamadas, períodos de inscrição reduzidos, público prioritário mais abrangente e outras descobertas. 

Contribuições 

Aproveitar infraestrutura já existente, conversar com coletivos e OSCs, formar coalizões setoriais e multissetoriais, prorrogar prazos de editais abertos, usar a rede de parceiros e abrir chamadas de recursos emergenciais são algumas recomendações apontadas pelo documento como importantes para o momento. 

Segundo Rachel, uma das grandes contribuições da pesquisa foi observar alguns movimentos feitos pelo campo, não só do lado do investimento social e da filantropia, mas também de organizações em contextos periféricos. “A CUFA [Central Única das Favelas] não entrou nas iniciativas com o papel de beneficiária, mas sim de parceira.” 

Considerando que os recursos do investimento social privado foram destinados prioritariamente para São Paulo (36%), seguido de uma abrangência nacional (35%), outros estados (16%) e Rio de Janeiro (13%), Cássio pontua a oportunidade que o momento oferece de investidores repensarem suas ações. 

“Em termos geográficos, será que hoje devemos olhar prioritariamente para o entorno? Estamos vendo uma grave crise na região Norte e se espalhando pelo Nordeste, ao passo que ainda vemos recursos muito concentrados no eixo Rio-São Paulo, que é onde está o ISP e grande parte do poderio econômico. Olhando para a cidade de São Paulo, vemos muitas campanhas acontecendo na zona Sul, que, por sua vez, é praticamente um país. A sociedade civil organizada de Paraisópolis, por exemplo, tem sua importância reforçada em momentos como esse, mas como está a Brasilândia, na zona Norte, e a Água Rasa, na zona Leste? Buscamos trazer essas provocações para olhar outras referências quando falamos de investimento e tentar diminuir nossas desigualdades e incoerências”, reforça Cássio. 

Rachel também pontua que a ponteAponte começou a perceber, por parte de doadores e pessoas dispostas a ajudar, maior interesse nas organizações locais. Segundo a diretora, o acesso a informações apuradas e de qualidade incentiva um tipo de mudança de atitude, ainda que existam casos de investimentos mais conservadores. 

“Deixamos aqui uma provocação: esse é o momento de inovar. Ao trabalhar com organizações da sociedade civil, arrisque, confie, coloque recursos na mão dessas pessoas. Já estamos nos surpreendendo com as coisas incríveis que esses grupos podem fazer, com sua capacidade de entrega e eficiência.”  

Próximos passos 

Para dar continuidade à exploração das iniciativas e divulgação de dados apurados, a ponteAponte já está trabalhando em um guia de melhores práticas com uma visão tanto crítica como construtiva. Além disso, a organização faz parte do comitê estratégico de um estudo em nível nacional sobre a situação das OSCs no médio prazo.


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