Relatório identifica baixa perspectiva de cumprimento de metas em relação à infância

Por: GIFE| Notícias| 13/09/2004

MÔNICA HERCULANO
Repórter do redeGIFE

No último dia 10 de agosto, em Brasília (DF), a Rede de Monitoramento Amiga da Criança lançou seu primeiro relatório, intitulado Um Brasil para as Crianças – A Sociedade Brasileira e os Objetivos do Milênio para a Infância e a Adolescência. O documento traz uma análise sobre os atuais dados relacionados com a melhoria da qualidade de vida de crianças e adolescentes e os investimentos que o Brasil precisa fazer para cumprir as metas estabelecidas pela ONU (Organização das Nações Unidas) na sessão especial de sua Assembléia Geral sobre a criança, em 2002.

O relatório também avalia se o Plano de Ação Presidente Amigo da Criança, lançado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2003, traz ações para alcançar as metas de saúde, educação e proteção e combate ao HIV/Aids. Foram analisadas mais de 200 ações a serem desenvolvidas nos quatro anos de governo. A partir daí, detectou-se que, se políticas específicas não forem implementadas e os investimentos não aumentarem, o país alcançará apenas três das oito metas passíveis de mensuração.

A Rede de Monitoramento Amiga da Criança foi criada para acompanhar o cumprimento das estratégias e políticas definidas em 2003. Composta por diversas organizações da sociedade civil, ela criou, em conjunto com o governo federal, um sistema de acompanhamento, com dados e indicadores sociais, para avaliar as possibilidades de alcance das metas e identificar recomendações necessárias para que isso aconteça.

Além de trazer explicações sobre cada objetivo, o documento apresenta as indicações e aponta em quais regiões o investimento social deve ser focado para que o país alcance maior eqüidade social. Segundo Ana Maria Wilheim, assessora da presidência da Fundação Abrinq e conselheira do GIFE, o relatório é um bom guia para o investimento social privado. “”Ele indica que, em termos de recursos do governo, falta 45% do necessário para o país atingir as metas. Temos aí uma boa oportunidade de atuação””, afirma.

Em termos de orçamento, se a tendência do gasto público se mantiver, o governo brasileiro investirá R$ 238,7 bilhões, até 2010, para cumprir as metas para as quais foi possível calcular custos. No entanto, para alcançá-las, o país precisaria destinar R$ 429,4 bilhões. Ou seja, haverá uma diferença de R$ 190,7 bilhões para atingir os resultados do pacto internacional, para a qual deverão ser procuradas alternativas de financiamento.

Pontos positivos – De acordo com o estudo, uma das três metas que devem ser atingidas é a diminuição da mortalidade infantil. “”Segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), a cada mil crianças que nascem no país, 27,8 morrem antes de completar o primeiro ano de vida. A meta do Plano de Ação Presidente Amigo da Criança é reduzir a taxa para 24 por mil nascidos vivos até 2007. O documento da ONU propõe a redução para 19,8 até 2010. Se a tendência histórica de queda da taxa se mantiver, o Brasil muito provavelmente vai alcançar a marca necessária””, calcula Daniela Rodriguez, da Secretaria Executiva da Rede de Monitoramento Amiga da Criança.

Outra meta que o relatório aponta como possível de ser atingida pelo país é de aumentar em pelo menos 90% a taxa líquida da matrícula na educação infantil e no ensino fundamental. Daniela conta que, no segundo caso, o Brasil já ultrapassou o a meta, estando hoje com 93,9% de escolarização. Até 2010, o país ainda deve diminuir a porcentagem de crianças com idade entre 7 e 14 anos que estão fora da escola de 3,1% para 1,8%.

A redução do número de lares que não possuem saneamento e água potável a preços acessíveis deve ser outra meta cumprida. Atualmente, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), 34,4% da população não têm acesso ao esgotamento sanitário adequado (rede coletora ou fossa séptica) e 12,8% não têm acesso à água potável (abastecimento por canalização interna). O objetivo é que estes índices sejam de 23,8% e 9,6%, respectivamente, até 2010. De acordo com a tendência observada nos 10 últimos anos, no caso da água potável, a meta será alcançada com folga (apenas 3% não terão acesso). Já no caso do esgotamento, a diferença percentual deve ser pequena (25,2% não terão acesso).

No entanto, Daniela lembra que a média esconde as grandes diferenças regionais. “”A população mais desatendida é a de baixa renda e a que vive em regiões desfavorecidas, como o semi-árido ou partes da região Norte do Brasil. Por isso, outro desafio é garantir o direito ao saneamento às populações das periferias dos grandes centros urbanos.””

Para Marco Segone, oficial de monitoramento do Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) no Brasil, para que o país alcance todas as metas estabelecidas, terá que reduzir as iniqüidades existentes entre estados e regiões, entre brancos, negros, indígenas, meninas e meninos, crianças com e sem deficiências, pobres e ricos. “”Assim, seria importante que o governo estabelecesse metas para reduzir essas iniqüidades, dando prioridade às populações tradicionalmente excluídas. Somente dessa maneira seria possível alcançar o objetivo de garantir direitos a cada criança e adolescente brasileiros””, acredita.

Célio Silva, diretor executivo da ONG Missão Criança, entende que o fato de o governo ter assumido publicamente um compromisso para alcançar estes resultados requer de todos, cada um em sua área de atuação, participação, contribuição, crítica e aperfeiçoamento das ações. “”O documento traz recomendações no sentido de avançar e acelerar o processo de algumas ações e propostas do governo que já vêm tendo impactos favoráveis na vida dos brasileiros. Entretanto, especificamente para crianças e adolescentes, percebe-se a falta de uma política mais arrojada””, afirma. Ele acredita que os recursos públicos precisam ser revistos.

Dificuldades – Mais da metade das metas estabelecidas pela ONU provavelmente não serão atingidas no Brasil. De acordo com o relatório da Rede Amiga, não deve haver a redução da taxa de mortalidade materna em 1/3, a eliminação da disparidade entre os sexos na educação infantil e no ensino fundamental, a melhoria dos aspectos da qualidade da educação e o aumento em 50% da alfabetização de adultos, especialmente das mulheres. A meta de reduzir em um terço a desnutrição de crianças menores de cinco anos não pode ser verificada por ausência de dados.

Daniela Rodriguez afirma que a ausência de dados para acompanhar as tendências históricas e as melhores formas de atuação também dificultam o trabalho. O eixo de proteção contra maus-tratos, exploração e violência, por exemplo, é o que tem piores condições de monitoramento. “”O governo federal não possui dados suficientes sobre crianças em situação de risco, que permitam não só monitorar a situação mas também delinear políticas públicas adequadas””, aponta.

Falta de informação é um desafio apontado por diversos especialistas. Eduardo Santos, assessor nacional de aprendizagem da ONG Plan Brasil, concorda que a má qualidade da informação, sua insuficiência ou subnotificação impossibilitam a identificação das relações entre situação encontrada e metas fixadas. Algumas vezes, segundo ele, o plano de governo não apresenta propostas consistentes, em outras, não traz metas e objetivos mensuráveis para os indicadores propostos.

“”O governo deve utilizar este relatório na revisão de suas políticas de atendimento à criança e ao adolescente. Já a sociedade civil deve utilizar o Plano Presidente Amigo da Criança como um instrumento para monitorar essas políticas públicas e mobilizar organizações no apoio e na contribuição para que se atinja as metas estipuladas no documento””, afirma Santos.

Marco Segone, do Unicef, diz que ainda não é possível medir se o fato do presidente ter assumido este compromisso melhorou a situação das crianças e adolescentes como um todo nos últimos anos. No entanto, ele acredita que os esforços de coordenação e cooperação interministerial do governo federal são inovadores e terão um impacto positivo na implementação das políticas públicas em favor das crianças e adolescentes.

Para ele, o cumprimento das metas é um compromisso da nação brasileira, e não apenas do Estado. “”A Rede de Monitoramento Amiga da Criança faz sua parte ao monitorar o desempenho do país, avaliar as condições para o alcance dos seus compromissos e apontar caminhos para isso. Do lado do governo, há uma articulação para analisar essas recomendações e incorporá-las.””

Clique aqui para fazer o download do relatório Um Brasil para as Crianças.

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