Relatório levanta falhas na definição de critérios para participação da sociedade civil

Por: GIFE| Notícias| 22/11/2004

MÔNICA HERCULANO
Repórter do redeGIFE

Durante a conferência Participação na Elaboração de Políticas: Critérios para a Seleção de ONGs, ocorrida recentemente em Bruxelas (Bélgica), foram apresentados os resultados de uma pesquisa sobre os princípios institucionais e as práticas de seleção de organizações da sociedade civil para participarem da criação de políticas públicas.

Participaram da pesquisa, que durou sete meses, 28 países europeus e 20 latino-americanos, entre eles o Brasil. Além de levantamento bibliográfico, foram realizadas entrevistas gravadas com agentes do governo e líderes de organizações em São Paulo (SP), Rio de Janeiro (RJ) e Brasília (DF), que geraram cerca de 20 horas de material.

De acordo com a Active Citizenship Network, organização responsável pelo levantamento, a Europa tem como base um caráter mais formal e público do que a América Latina. “”Não existe uma lista de critérios de seleção ideais, estática e definitiva, uma vez que eles dependem das políticas orientadas à participação cívica, do objetivo da seleção (consulta pública, implementação, avaliação) e da natureza da sociedade local. Porém, eles devem ser públicos, razoavelmente flexíveis e definidos em parceria com as organizações civis””, explica.

Enquanto na Europa já existe um profundo reconhecimento, tradição e hábito comum de que essas instituições da sociedade civil são aliadas na formação de políticas públicas, a América Latina ainda atravessa uma fase transitória. É o que explica a advogada Silvia Giovannoni, membro do Núcleo de Estudos Avançados do Terceiro Setor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (Neats/PUC). “”Em geral, pelo fato da Europa já cultivar a cultura de inclusão e participação social há mais tempo, os critérios de seleção são mais facilmente identificados e conhecidos pelo governo e pelas instituições. Aqui, pelo contrário, há uma carência de fundamentos escritos e centralizados e, mesmo que esta informação exista, é difícil de localizar e, portanto, desconhecida.””

O levantamento foi feito dentro de um projeto que tem como objetivo envolver as organizações civis da Europa e da América Latina na avaliação e revisão dos fundamentos de representatividade das ONGs em níveis nacional e internacional. Desenvolvido pela Active Citizenship Network, organização italiana que busca promover a participação dos cidadãos na criação de políticas na Europa, teve o apoio da Comissão Européia, da Oficina Especial do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) na Europa, do Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), do Banco Mundial e da Secib (Secretaria de Cooperação Ibero-Americana).

Andrés Falconer, coordenador executivo da ABDL (Associação Brasileira para o Desenvolvimento de Lideranças), convidada pela coordenação do estudo para organizar os dados brasileiros, lembra que o Brasil é freqüentemente citado como referência no processo de participação cidadã. Entretanto, ainda existem tentativas de cerceamento da sociedade civil e entraves à sua verdadeira atuação. “”Estamos longe de ter uma prática consistente com o discurso democrático, mas as questões que se debatem são similares às da Europa.””

Ele acredita que, em muitos casos, e em todo o mundo, os governos ainda tendem a ser reativos à participação da sociedade civil. Seja porque ainda não entendem do que se tratam as ONGs, seja porque não reconhecem esse direito em uma esfera que tradicionalmente considera de sua competência exclusiva. “”Ademais, a atuação de ONGs muitas vezes incomoda. Por isso, não surpreende que governos tentem impor critérios que dificultem esse processo, ou que favoreçam aquelas organizações mais dóceis a eles.””

Comunicação – O relatório aponta que o critério de inclusão das organizações da sociedade civil na formulação das políticas públicas freqüentemente carece de transparência e é inadequado. As causas são diversas e complementares. Para Silvia Giovannoni, uma delas é justamente a falta de informação e de conhecimento por parte dos agentes governamentais sobre as organizações da sociedade civil. “”Não existem canais de comunicação suficientes para que sejam estabelecidos critérios mais objetivos e eficazes na escolha para a participação política. Por outro lado, a falta de capacitação das instituições sociais também pode ser citada como um fator que contribui para a inadequação dos critérios.””

Coordenadora de Gestão do Conhecimento do Instituto Akatu pelo Consumo Consciente, Márcia Regis trabalhou na Inglaterra nos últimos quatro anos, tanto no terceiro setor quanto para o governo. Segundo ela, as próprias ONGs podem facilitar o trabalho de seleção e aumentar sua participação. Elas devem ser bastante objetivas, pragmáticas e capazes de demonstrar realizações com objetividade e resultados concretos. “”Se forem muito pequenas, que se mostrem abertas a trabalhar em parcerias com organizações médias ou grandes. Capacidade de relacionamento público e de construção de alianças é fundamental para a primeira etapa de um processo de seleção, que é a de saber comunicar sobre si mesmo.””

Zeca Teodoro, consultor brasileiro contratado pelo BID para a pesquisa no Brasil e para a produção dos relatórios, concorda que as ONGs devem, entre outras coisas, produzir conhecimento e disseminá-lo além de suas fronteiras, comunicar-se, trabalhar em grupo e aprender a traduzir os meandros estatais para inclusão. “”Por outro lado, deve haver respeito à diversidade, tradução de conceitos que se tornam barreiras limitadoras e filtros de seleção, disseminação de conhecimento, ampliação do arco de alianças e inclusão das organizações menores, produção de estudos mais profundos e detalhados sobre o caldo de cultura de ONGs que temos no país e editais mais arejados e menos enviesados””, explica.

Outros fatores a serem considerados são a relevância e a legitimidade dos serviços desenvolvidos pelas organizações da sociedade civil, de acordo com Maurício Mirra e Daniel De Bonis, coordenadores de políticas públicas do Instituto Ethos de Responsabilidade Social. “”Esses critérios de seleção deveriam ser mais amplos, impedindo cerceamento e restrições de cunho ideológico e/ou partidário””, afirma Mirra. “”Invertendo o sentido da questão, as organizações da sociedade civil é que devem conquistar, pelo seu histórico de atuação, por seu compromisso com a sociedade, espaço na formulação de políticas públicas, e não o poder público selecionar entidades a partir de critérios pré-definidos””, complementa De Bonis.

Para eles, critérios podem se tornar mecanismos de controle político e, com isso, perde-se o caráter de representatividade da sociedade civil. Em contrapartida, a possibilidade de participação em espaços públicos, como conselhos e fóruns, é um canal importante. “”Fortalecer e dar legitimidade a esses espaços é uma forma de conduzir o diálogo respeitando a representatividade conquistada por cada instituição junto à sociedade, de forma democrática.””

Consultor e coordenador de apoio à gestão do terceiro setor da Rits (Rede de Informações para o Terceiro Setor), Dalberto Adulis também defende que conselhos e fóruns são bons canais de fortalecimento da participação da sociedade civil. “”E quanto mais fortes, maior será a exigência por transparência e a influência da própria sociedade na definição dos critérios.””

Ele completa o time dos que acreditam que, em muitos casos, é mais importante assegurar canais de participação amplos e democráticos do que definir critérios de seleção de ONGs para que participem da elaboração de políticas públicas. Com isso, permite-se que um leque diversificado de instituições possa participar do debate e influir no desenho, na gestão e avaliação dessas políticas.

Andrés Falconer, da ABDL, afirma que a credibilidade das ONGs se dá por uma base de legitimidade ampla e diversa: a sua capacidade técnica, a sua eficiência, o fato de alcançarem grupos mais excluídos e não-organizados, o respeito e a reputação que criam na sua atuação, sua capacidade de mobilização e inovação, entre outras. Ele conta que uma inversão de perspectiva foi proposta na reunião de Bruxelas: ao invés de indicar critérios de representatividade de ONGs, subentendendo-se que o Estado define e seleciona as ONGs com quem quer trabalhar, deve-se falar em mecanismos e processos de participação da sociedade civil na formulação de políticas.

“”Antes de falar em critérios de seleção para, por exemplo, escolher organizações que participam de licitações ou recebem fundos públicos, deve-se enfatizar o direito que a sociedade civil tem de participar, ser ouvida, ter sua voz levada em consideração, e de fiscalizar as ações do Estado.””

Clique aqui para acessar o relatório latino-americano.

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