Representante da sociedade civil assume presidência do Conanda

Por: GIFE| Notícias| 07/03/2005

MÔNICA HERCULANO
Repórter do redeGIFE

Depois de dois anos com o governo, a presidência do Conanda (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente) voltou para uma representação da sociedade civil. Em fevereiro, José Fernando da Silva, da Abong (Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais), foi eleito presidente do órgão.

Em entrevista ao redeGIFE, Silva destaca que, na atual conjuntura política, um representante da sociedade civil assumir o Conanda tem um valor simbólico e multiplicador. “”Na democracia é necessária que haja a alternância, e que esta seja capaz de explicitar conflitos e promover construções compartilhadas entre os diferentes.””

As eleições do Conanda são anuais, com alternância entre governo e sociedade civil no comando do órgão. No biênio 2003/2004, o Conselho foi presidido pelo ministro chefe da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, Nilmário Miranda. Esta exceção – dois anos na presidência dedicadas ao governo – foi acertada em comum acordo, com o objetivo de dar continuidade às ações que o ministro desenvolveu ao longo de 2003.

redeGIFE – Na atual conjuntura política, qual a importância de ter um representante da sociedade civil como presidente do Conanda?
José Fernando da Silva – Tem um valor simbólico e multiplicador, pois em muitos conselhos (estaduais e municipais) não há a prática do rodízio. O princípio democrático da alternância do poder é elemento fundamental na vida política-institucional dos conselhos deliberativos de composição paritária. Portanto, deve ser praticado. Na democracia é necessário que haja a alternância, e que esta seja capaz de explicitar conflitos e promover construções compartilhadas entre os diferentes.

redeGIFE – Quais os principais desafios encontrados para o trabalho do Conanda atualmente?
Silva – Nos âmbitos estadual e municipal, é necessário um incremento substantivo na articulação com os Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente e com os Conselhos Tutelares. No âmbito nacional, torna-se importante a articulação com os Conselhos de Assistência Social, Educação e Saúde, que deve acontecer numa perspectiva de tomada de decisões conjuntas. Outro desafio é informar e formar uma opinião pública favorável à cultura dos Direitos Humanos. São também desafios a elaboração de uma política pública integral à criança e ao adolescente, inclusive com destinação privilegiada de recursos financeiros, e o fortalecimento dos mecanismos de controle social.

redeGIFE – Quais são as principais ações a serem realizadas pelo Conselho neste ano?
Silva – Destaco duas ações. A primeira é a realização da VI Conferência Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente. Esse evento promove um amplo processo de reflexões, críticas e a identificação das conquistas, bem como dos desafios a serem postos na agenda política dos governos e da sociedade nos próximos anos. É um processo muito rico que tem três etapas: conferências municipais, que acontecerão até final de junho; as estaduais, entre agosto e setembro; e a nacional, no final de novembro, em Brasília. Outra ação prevista é o monitoramento dos programas e projetos na área da infância e adolescência, com atenção especial para os 16 desafios e cerca de 200 ações contidas no Plano Presidente Amigo da Criança e do Adolescente, todas contempladas no PPA 2004 – 2007 (Plano Plurianual), com recursos orçamentários da ordem de R$ 55,9 bilhões.

redeGIFE – Como foi o processo de eleição para este mandato, depois de dois anos com gestão de representante do governo? A proposta é dar continuidade ao trabalho que vinha sendo desenvolvido?
Silva – Da parte da sociedade civil, o processo foi coordenado pelo Fórum Nacional de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente. O Fórum congrega as organizações nacionais que atuam na promoção, garantia e defesa dos direitos da infância e adolescência. Neste espaço, houve o consenso de que a sociedade civil deveria manter conversas com a representação governamental para garantir o rodízio na presidência do Conselho. O diálogo com a Secretaria Especial de Direitos Humanos, órgão ao qual o Conanda é vinculado administrativamente, possibilitou os entendimentos necessários à deliberação pela alternância na presidência no pleno do Conanda. Como órgão permanente, o Conanda precisa dar continuidade a ações essenciais de articulação dos operadores do Estatuto da Criança e do Adolescente e avançar com definições relativas à promoção, garantia e defesa dos direitos, com atenção especial para crianças e adolescentes indígenas, negros e quilombolas. Estes são os que mais têm os direitos violados, sobretudo, se forem residentes nas regiões Norte e Nordeste do país. É urgente, ainda, superar o modelo prisional das Febens e efetivar a gestão educacional determinada no Estatuto da Criança e do Adolescente.

redeGIFE – Como resolver a questão da falta de conselhos tutelares em centenas de cidades brasileiras?
Silva – O Conanda aprovou o Pró-Conselho Brasil, programa composto de 4 projetos, que estabelece algumas metas. Uma delas: 80% dos municípios brasileiros devem criar, até 2007, este órgão vital ao funcionamento do Sistema de Garantia de Direitos. É importante que haja pressão política no nível municipal, junto ao prefeito, para que este envie projeto ao legislativo local criando o Conselho Tutelar. Contudo, é preciso que, além do Conselho Tutelar, todos os municípios também criem os Conselhos de Direitos, responsáveis pela formulação, deliberação e controle da política municipal.

redeGIFE – Muitos dos conselhos já implementados sofrem com a precariedade de sua estrutura. De que maneira isso deve ser trabalhado?
Silva – A responsabilidade para garantir a estrutura física e os recursos humanos necessários aos Conselhos de Direitos e Tutelares é do Poder Executivo municipal. Para tanto, em 2005, vamos ter um momento fundamental: todos os municípios brasileiros têm, por obrigação constitucional, a elaboração e aprovação dos PPAs 2006 – 2009 (Planos Plurianuais). É no orçamento que os Conselhos de Direitos e Tutelares devem fazer a garantia da prioridade absoluta, contida no artigo 227 da Constituição Federal, garantindo, inclusive, estrutura e apoio técnico.

redeGIFE – Podemos dizer que os conselheiros municipais e tutelares no Brasil são bem capacitados?
Silva – Não é possível ter uma resposta generalista. Em primeiro lugar, é preciso considerar que existe renovação no mandato de conselheiros. Em segundo lugar, as atribuições de conselheiros, sejam de direitos ou tutelares, são complexas e exigem habilidades políticas e técnicas. O Conanda vem discutindo parâmetros para formação continuada de todos os operadores do Sistema de Garantia de Direitos. Esses parâmetros devem ser aprovados ainda no primeiro quadrimestre de 2005, e vai contribuir com os processos de qualificação. Esta é uma reivindicação antiga dos que atuam na área da infância e adolescência.

redeGIFE – De que maneira empresas, fundações e institutos podem apoiar a melhoria dos conselhos voltados à infância e adolescência?
Silva – A responsabilidade pela total efetivação dos Direitos Humanos de crianças e adolescentes é, constitucionalmente, compartilhada entre a família, a sociedade e o Estado. Alguns caminhos precisam ser percorridos, como garantir que não haja violação de direitos dentro das atividades das empresas e ter uma maior aproximação com os Conselhos de Direitos (Nacional, Estadual e Municipal) para aumentar o aporte de recursos ao Fundo da Infância e Adolescência. Outra possibilidade é apoiar a publicação do Estatuto da Criança e do Adolescente, em versões que possam ser utilizadas por professores, estudantes, profissionais da área de saúde e do sistema de justiça e segurança.

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