Respeito à diversidade diz muito sobre uma empresa e um país

Por: GIFE| Notícias| 26/02/2007

Ricardo Voltolini

Um dos indicadores do nível de civilidade de um país é o respeito que ele tem pelas pessoas com deficiência. Embora possua um dos códigos legais mais sofisticados do mundo na garantia dos direitos dos deficientes, o Brasil evoluiu a passos lentos até os anos 90, quando o Estado começou a reagir às pressões da sociedade civil, notadamente de uma atuante rede de ONGs às quais se devem, sem dúvida, os avanços no monitoramento dos direitos, na cobrança por políticas públicas, na educação inclusiva, na oferta de serviços médicos, capacitação profissional e inserção no mercado de trabalho. Não fosse elas, certamente uma parte expressiva dos quase 25 milhões de deficientes estimados pelo IBGE estaria reclusa em suas casas, exatamente como era não muito tempo atrás.

Cada uma a seu modo, essas organizações têm feito diferença em favor da idéia de que a inclusão é um direito nas sociedades modernas, que indivíduos deficientes são cidadãos plenos e não subcidadãos passíveis do favor e da caridade alheios. A noção mais moderna de inclusão compreende mais do que acesso a atendimento médico, escola regular e trabalho. Envolve, a rigor, uma convivência igualitária no espaço público, sem restrições, com respeito a direitos constitucionais elementares, como, por exemplo, o de ir e vir. Este é um dilema central a ser enfrentado no Brasil. A maioria das cidades brasileiras não está preparada para as pessoas com deficiência porque foram planejadas, se é que se pode chamar de planejamento a expansão urbana observada nas últimas décadas, para atender à regra e não a exceção.

Calçadas cheias de buraco, semáforos convencionais, ausência de rampas, ônibus sem adaptação e outras tantas más condições prejudicam a acessibilidade e tornam muitas vezes impossível a realização de atividades simples, como circular pelas ruas, utilizar o transporte público, passear em parques ou freqüentar cinemas, teatros e museus. Ainda há, portanto, muito a se fazer no campo das políticas públicas. Não se pode negar, no entanto, avanços importantes na área da saúde. Se antes a assistência médica das pessoas deficientes procurava assegurar a diminuição do sofrimento e a sobrevivência digna, hoje ela considera, entre outros aspectos, a qualidade de vida e a inclusão social.

Nas últimas décadas, além da evolução no acompanhamento psicológico, pesquisas importantes resultaram em novos tratamentos de estímulo e reabilitação física. A educação também ganhou um impulso. Mas não o suficiente para atingir o patamar necessário de qualidade. Até 1989, o destino das crianças deficientes era uma instituição de ensino especial, quase sempre escassa e inacessível.

Nesse ano, foi criada uma lei que proíbe uma escola pública ou privada de recusar um aluno deficiente. O que era para ser, no entanto, uma solução acabou por ressaltar o tamanho do problema e expôs publicamente a dificuldade da sociedade brasileira de lidar com a diversidade. Muitas escolas, especialmente as particulares, têm resistido a cumprir a lei, alegando falta de estrutura e incapacidade técnica para receber alunos tão especiais.

Nas escolas públicas, pouco se fez para preparar os educadores. Recentemente, uma novela de TV explorou, em horário nobre, os percalços de uma mãe adotiva que luta para encontrar uma escola inclusiva para sua filha com Síndrome de Down. Assim como ninguém discute se o deficiente tem ou não direito à saúde e à escola, também há um consenso de que ele precisa de trabalho para viver com dignidade.

Documentos importantes, como o extraído da última Convenção Internacional de Direitos Humanos das Pessoas Com Deficiência, (ONU, 2006) reconhecem o direito dessas pessoas a uma boa capacitação profissional e a um lugar no mercado de trabalho. Neste sentido, seguindo o exemplo de alguns países da Europa, o Brasil deu um passo importante ao regulamentar, há sete anos, lei de cotas que torna obrigatória a contratação de um percentual de deficientes em empresas com mais de cem funcionários.

São dois os desafios atuais. O primeiro é desenvolver estratégias de capacitação levando os deficientes a se tornarem profissionais integrados às necessidades das empresas, contratar aprendizes deficientes constitui, por exemplo, uma oportunidade ainda não totalmente explorada, já que as empresas, também obrigadas a contratar aprendizes, podem usar o período de aprendizagem dos jovens (a idade máxima saltou de 18 para 24 anos), preparando-os para, em seguida, ocuparem de modo qualificado as vagas cobertas pelas cotas. O segundo desafio, sem dúvida grande, é assegurar que a lei seja plenamente cumprida num país conhecido, perversa e cinicamente, por ter “”leis que pegam e leis que não pegam””.

Apesar de ser lei, cumprida muitas vezes com o nariz torcido, a contratação de pessoas com deficiência chegou a ser empregada, há um dou dois anos, como uma ação de responsabilidade social, dando a impressão de que as empresas tivessem escolhido, por livre vontade, integrar deficientes aos seus quadros. Exagero. Aos poucos, a prática começa a ganhar consistência e a se tornar uma convicção comum: companhias mais sérias, que tem na responsabilidade social empresarial um conceito de atuação colado à sua cultura e à sua estratégia de negócio, sabem que o respeito à diversidade humaniza o ambiente de trabalho, melhoras relações interpessoais, gera sentimento de orgulho entre os funcionários, ajuda a atrair e reter talentos e produz valor para a reputação na medida em que tende a ser percebida, com simpatia, pelo consumidor mais crítico.

Ainda há empresas que, por preconceito, inexperiência ou desinteresse resistem à idéia, preferindo o risco da autuação e da multa. Mas uma hora serão forçadas a compreender que só podem prosperar numa sociedade democrática. E que uma sociedade só pode ser democrática se consegue tratar todos os seus cidadãos com respeito e equidade.

Ricardo Voltolini é consultor de comunicação organizacional, especializado em Terceiro Setor e Responsabilidade Social.

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