Responsabilidade de empresas envolve também direitos humanos

Por: GIFE| Notícias| 01/04/2011

Rodrigo Zavala*

De que forma as práticas empresariais impactam nos direitos humanos de suas partes interessadas (trabalhadores, fornecedores, consumidores e comunidades)? Como reduzir ou mitigar esses efeitos? Como a defesa dos direitos fortalece os negócios de forma prática? Essas foram algumas das questões levantadas na mesa redonda “Direitos Humanos e Práticas Empresariais: Entendendo as Responsabilidades”, realizada no último dia 30, em São Paulo.
Promovida por meio de uma parceria entre as organizações Conectas Direitos Humanos, Instituto Ethos, The Global Business Initiative on Human Rights, Levy&Salomão Advogados e o Centro Regional de Apoio para a América Latina e Caribe do Pacto Global, o encontro internacional reuniu mais de 120 lideranças empresariais para refletir sobre os desafios do tema local e globalmente.
E não é por acaso que o tema do evento está propositalmente em gerúndio. De forma franca, os especialistas que se revezaram nas apresentações mostraram que as corporações e as instâncias de apoio ainda estão dando os primeiros passos nesse movimento, que passou a ganhar mais adeptos há poucos anos.
“Mesmo grandes empresas de atuação global começaram a trabalhar com o tema há pouco mais de cinco anos. Na prática, muito pouco tempo. A discussão está no começo”, afirmou o consultor especial da Representação de Empresas e Direitos Humanos das Nações Unidas, criada em 2005, pelo então secretário-geral, Kofi Annan.
Mas, o que é preciso entender dessa questão? Ainda no âmbito da ONU, em 2008, o representante de Empresas e Direitos Humanos, o professor John Ruggie, apresentou uma estrutura de políticas para administrar os desafios inerentes a esse tema baseada em três pilares: o dever do Estado de proteger contra violações dos direitos humanos, inclusive empresas; a responsabilidade corporativa de respeitá-los e; a necessidade de melhor acesso, pelas vítimas, a recurso efetivo, judicial e extrajudicial.
A preocupação nesse momento estava clara, basta ver que os princípios 1 e 2 do Pacto Global – outra iniciativa da ONU – versam exatamente sobre esses pontos. “Qual é o meu papel como empresa, em conjunto com o Estado, sobre a proteção dos direitos humanos?”, lembrou a diretora do Centro Regional de Apoio para a América Latina e Caribe do Pacto Global, Diana Chavez.
Nesse sentido, há um reconhecimento claro que a responsabilidade de respeitar os direitos humanos também se aplica a atores comerciais. Em um contexto de sustentabilidade, em que as empresas competem em um mercado global que exige comprometimento socioambiental, esses direitos se tornaram preocupação de investidores, presidentes de empresas, gestores de risco, profissionais da área jurídica, diretores funcionais, líderes operacionais e empregados.
“Uma empresa pode assinar pactos em que se compromete a não violar os direitos humanos, mas como ela sabe que realmente os respeita?”, questionou John Ruggie, em vídeo transmitido durante o encontro.
Gerenciamento de crise
Um dos pontos que chamaram a atenção nas discussões foi a desconfiança de que os gestores pouco sabem sobre o impacto de suas práticas no que tange o tema. Se no frigir, a responsabilidade social de empresas se dá em uma gestão ética do negócio – como defende o Instituto Ethos –, é preciso analisar se existe algo de insustentável em toda a cadeia produtiva, antes que o assunto vem à baia e uma crise sem precedentes recaia sobre a empresa.
Entre as máximas ditas durante o encontro, nenhuma foi tão assertiva quanto: “poucas empresas podem prosperar quando é sabido que abusam dos direitos humanos”. Questões relacionadas à má gestão dos direitos humanos podem macular uma reputação por muitos anos, prejudicando operações comerciais.
Exemplos não faltam. É de conhecimento público um sem número de casos em que empresas transnacionais foram enquadradas e responsabilizadas por seus fornecedores por utilizarem mão de obra escrava, infantil ou ilegal em países em desenvolvimento. Indústrias que poluem o meio ambiente, levando à marginalização comunidades inteiras. Ou mesmo corporações, cujas práticas de contratação escondiam critérios discriminatórios de etnia e gênero.
Não que seja um atenuante, mas o fato é que alguns dos escândalos que saltaram aos olhos nas últimas décadas não eram causados, necessariamente, por uma política expressa dessas empresas. A desinformação reinante sobre as operações de fornecedores e prestadores de serviço causou o constrangimento e a responsabilização objetiva dessas organizações.
Um caso pode elucidar essa falta de clareza dos gestores. Ao tomar a palavra, o fundador do Centro para os Direitos Humanos e Meio Ambiente (Argentina), Daniel Taillant, afirmou que a academia não está preparada para discutir o tema. “As universidades de administração, quando ouvem falar de direitos humanos, já dizem que se trata de matéria de direito, não daquela faculdade”, desabafou.
Quando aqueles que estão na frente dos negócios são míopes sobre essa relação, os equívocos passam a ser uma questão de tempo. “Quando demos início a nossa política de direitos humanos na empresa, o primeiro passo foi qualificar os colaboradores. Eles acreditavam que violação dos direitos humanos era práticas de tortura”, lembrou o vice presidente de Cidadania Corporativa da General Eletric, Bob Corcoran.
Franco e direto, ele comentou sobre os desafios de seu trabalho. Embora exista uma política aplicável aos fornecedores – que devem, entre outros critérios, seguir prerrogativas de sustentabilidade e direitos humanos – torna-se difícil para uma empresa global ter ingerência sobre os fornecedores dos fornecedores. Essa supervisão, para ele, não deve ser vista como um custo, mas um investimento para aproximar os grupos de interesse.
O vice-presidente da mineradora colombiana Cerrejón, Julián Gonzáles, também apresentou as dificuldades de se fazer um diagnóstico dos impactos do negócio sobre os direitos humanos. Em pouco mais de cinco anos, a partir de alianças intersetoriais, envolvendo governos locais, organizações sociais e comunidades diretamente atingidas pela extração de minério e carvão, mais de 14 mil pessoas foram qualificadas sobre direitos humanos.
Nesse trabalho, a população de mais de 300 comunidades diretamente relacionadas ao negócio entendem o que ocorre a sua volta, sabem onde estão os problemas e fazem chegar à empresa formas de compensação, principalmente nas comunidades indígenas. Trata-se, no fim, de uma espécie de licença social para operar.
Embora ainda esteja no começo, não mais de cinco anos, a iniciativa já criou uma ouvidoria apenas para levantar as constatações da população e, com isso, criar uma radiografia local que baseia as estratégias da empresa. “Às vezes, não querem compensação ou dinheiro, mas serem ouvidas”, afirmou o colombiano.
No intervalo, uma brincadeira entre os participantes mostrou que o movimento ainda está dando seus primeiros passos. Quando um deles disse que poucas pessoas discutem este tema no mundo, outro alfinetou: “basicamente este auditório, não é?”

*Rodrigo Zavala é editor de Conteúdo do GIFE.

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