Ricardo Abramovay acredita que o grande papel dos institutos e fundações é fomentar a inovação

Por: GIFE| Notícias| 14/04/2014

Os desafios sociais e ambientais enfrentados pela sociedade mundial estão aí e é preciso resolvê-los. Como fazer isso de maneira a garantir um desenvolvimento sustentável? Quais estratégias utilizar para que as questões econômicas não prevaleçam acima de tudo? Qual pode ser o papel das fundações e institutos na busca por soluções eficientes e de impacto?

São questões como essas que nortearam a conversa do RedeGIFE com o especialista Ricardo Abramovay, professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade e do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (USP). Ricardo é também coordenador do projeto temático sobre “Impactos Socioeconômicos das Mudanças Climáticas no Brasil”, da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e autor do livro “Muito Além da Economia Verde” e coautor de “Lixo Zero: gestão de resíduos sólidos para uma sociedade mais próspera”.

Na entrevista, Ricardo enfatizou a importância de se alterar a lógica de funcionamento atual do setor empresarial, fazendo com que cada investimento econômico seja movido pela preocupação explícita em resolver um problema socioambiental. Neste sentido, na avaliação de Abramovay, a área de investimento social privado tem papel fundamental, trazendo novas propostas de ação, por meio da inovação.

Confira a entrevista completa:

RedeGIFE: Há uma separação clara entre investimentos econômicos feitos pelas empresas e investimentos sociais realizados pelos institutos e fundações?

Ricardo Abramovay: Essa distinção entre investimento econômico e investimento social é algo que caracteriza o século XX. Assim, esta não pode ser a distinção na qual a gente opera no século XXI porque o nosso maior desafio diante do curto prazo que temos para enfrentar os temas cruciais é justamente o de fazer com que cada investimento econômico seja movido pela preocupação explicita em resolver um problema socioambiental. O pensamento econômico clássico e moderno do século XX, que dizia que isso automaticamente se faz porque o mercado solicita coisas que as empresas são capazes de responder, sabemos que não é verdade.

RedeGIFE: O senhor poderia dar um exemplo?

Ricardo Abramovay: Um exemplo típico é a mobilidade. O mundo continua produzindo 70 milhões de automóveis e as cidades estão cada vez mais estranguladas por imobilidade. Falar de investimentos sociais como uma compensação a essa prática econômica destrutiva me parece inócua. O mais importante é que o próprio investimento econômico faça com que a indústria automobilística se transforme numa indústria capaz de propiciar para as pessoas mobilidade e não paralisia.

RedeGIFE: Qual é o papel dos institutos e fundações nesse sentido?

Ricardo Abramovay: Para mim o grande papel é fomentar a inovação. Essas organizações têm que ser cada vez mais aquelas que conectam o mundo da empresa com o mundo da sociedade civil propondo experimentações e ousadia para que elas possam ir adiante. Portanto, estes institutos e fundações têm que ser entidades que correm muito risco porque se elas não fizeram coisas arriscadas não poderão contribuir de forma inovadora para resolver os problemas que temos pela frente.

RedeGIFE: E quais seriam estes riscos?

Ricardo Abramovay: O risco no sentido de fazer coisas diferentes do que hoje o governo ou as empresas fazem. Por exemplo, o instituto está numa localidade onde não tem educação. Ai, ele vai lá e oferece educação. Claro que isso é uma contribuição importante, mas seria muito mais significativo para o futuro se ele olhasse para o que se tem hoje em termos mais avançados para preparar a juventude para o mundo do trabalho do século XXI e não para o século XX, por exemplo, e investisse nisso.

As fundações têm responsabilidade de inovação e isso vai ter sempre um componente de risco de se fazer algo fora do comum. No entanto, eu tenho a impressão de que essa não é a tônica dos institutos brasileiros.

RedeGIFE: Hoje se fala muito também na importância das aproximações entre os diversos setores da sociedade e como eles podem atuar em conjunto. Como fazer isso?

Ricardo Abramovay: Estamos vivendo um momento em que as fronteiras entre investimentos ditos sociais, econômicos e a sociedade civil estão se borrando. E essa é uma boa notícia porque há uma fertilização cruzada que pode ser muito favorável ao processo de desenvolvimento.
E isso se traduz em duas coisas. Em primeiro lugar, num movimento empresarial voltado a alterar as práticas das empresas, como a economia circular, por exemplo, no qual são criadas propostas organizadas para o meio empresarial para que as transformações pelas quais as empresas estão passando sofram uma aceleração disruptiva, pois o gradualismo não satisfaz as necessidades do presente.

Em segundo lugar, vai ser importante prestar atenção a um processo de organização social que é apoiado sobre a difusão de mídias digitais e que se exprime de diversas formas. Hoje se chama de economia colaborativa, que vai além da economia que vemos atualmente. O mundo do compartilhamento e das ações voltadas a produzir efeitos sociais positivos tem uma força e um potencial para as empresas e para a sociedade que, no Brasil, ainda não nos demos conta. Ou a gente se dá conta disso ou o processo de inovação vai deixar a gente para trás, como já está deixando.

RedeGIFE: Muito tem se discutido sobre o alinhamento entre o negócio da empresa e a atuação dos institutos e fundações. Qual a sua opinião sobre este tema?

Ricardo Abramovay: Acho que temos dois alinhamentos. O alinhamento entre os negócios e os investimentos sociais é importante e compreensível, pois as empresas têm uma série de necessidades localizadas que não fazem parte das suas finalidades e, que muitas vezes, as fundações vêm preencher.
Mas, o mais importante, é o alinhamento tanto do investimento social quanto das empresas com as necessidades da sociedade civil. Isso significa que o pensamento estratégico tem que estar voltado para isso. De que maneira as ações sociais e as empresariais são capazes de melhorar a vida social, que estimule as pessoas a se organizarem melhor e de forma mais ágil etc.

RedeGIFE: E como alcançar um equilíbrio nestes alinhamentos?

Ricardo Abramovay: Seria importante que os institutos e fundações tivessem conselhos externos efetivos, críticos e com uma forte participação da sociedade civil, coisa que no fundo todas as empresas deveriam ter nos seus conselhos de administração. Em alguns casos, até tem, mas muitas vezes não são efetivos, pois no mundo contemporâneo, a submissão das empresas às finanças é tão forte que os conselhos passam a ser regidos pelo sistema financeiro.

Assim, seria muito relevante que as fundações tivessem expressões da sociedade civil no seu conselho no sentido de dizer: se a empresa ou a família quer dedicar certa soma de recursos para ações filantrópicas e para melhoria da sociedade, a definição de onde será aplicado não pode ser apenas devido às necessidades da empresa. Se a decisão tiver de passar por um conselho, com membros da sociedade civil, tanto a legitimidade quanto a efetividade desta ação para a sociedade civil e para a empresa será muito maior.

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