Se não há confiança, que feche as portas

Por: GIFE| Notícias| 03/07/2006

Rodrigo Zavala

O aumento da visibilidade e das críticas, entre outros fatores, levou a uma maior pressão sobre as ONGs e empresas por maior accountability em suas práticas Em entrevista ao redeGIFE, Vincent Defourny, representante interino da Unesco no Brasil, fala sobre as articulações sociais no país e afirma que a transparência e a prestação de contas são fatores imprescindíveis para as ações do primeiro, segundo e terceiro setores.

Defourny foi um dos destaques do encontro Parcerias por um Brasil sem fome e mais justo – Responsabilidade Social e Políticas Públicas de Desenvolvimento Social, promovido pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) e pela Unesco, realizado na semana passada, em Brasília (DF).

Segundo ele, “”a melhoria da condição humana é um dever ético, uma responsabilidade compartilhada por todos””.

redeGIFE – Como vê o trabalho em articulação entre o primeiro, segundo e terceiro setores?
Vincent Defourny –
Essa é uma idéia muito importante que existe na Unesco desde sua criação, no contexto do pós-guerra. Ela nasceu como uma organização intergovernamental, que fosse capaz de reunir a sociedade civil, intelectuais, universitários, as mais diferentes associações dentro do marco da Unesco. E a idéia principal, que existe desde o princípio na organização, é unir todas as forças para atacar os desafios sociais.

No contexto do pós-guerra, o grande desafio era manter a paz, mas agora, desde os últimos 60 anos, cresceram enormemente os problemas sociais. E a idéia chave é unir governos, empresas e sociedade civil para minimizar essas problemas.

Nestes últimos anos o Secretário-Geral da ONU, Kofi Annan, tem insistido cada vez mais no papel do setor privado ao lado dos governos. É sabido que muitas empresas têm um maior orçamento do que países inteiros, tal como mais possibilidades de atuação que esses países.

Então, se observa como uma oportunidade não apenas financeira, mas no desenvolvimento de experiências e em sua capacidade de impacto social por meio de seus funcionários, fornecedores e colaboradores. Esse é o papel importante que as empresas devem se enquadrar, trabalhando nas áreas em que os governos estão deficientes, mas de forma conjunta para atacar os desafios sociais.

redeGIFE – O que isso significa para o desenvolvimento de um país como o Brasil?
Vincent Defourny –
Hoje existem muitos desafios no Brasil. Mas está claro que os maiores deles são: inclusão social e combate à pobreza. Mais de 50 milhões de pobres é uma cifra enorme; quase cinco vezes mais habitantes que a Bélgica. Esse é o contexto que deve ser combatido por todos os atores da sociedade e não apenas as políticas de governo, que dão bolsas e dinheiro.

E nesse meio entram realmente todos: os governos locais, municipais e estaduais, as organizações não-governamentais, o setor privado. Está mais do que claro que ninguém sozinho pode conseguir muito coisa, mas unindo esforços e combinando dinâmicas. Apenas nesse sentido pode haver um movimento sistêmico em que os projetos criem ciclos econômicos, sociais e culturais. Um exemplo é quando se adaptam projetos de geração de renda, que estimulam a economia local, o emprego etc.

redegife- Desenvolvimento de base?
Vincent Defourny –
O compromisso do setor privado é crescente. Há experiências importantes sobre fundos mútuos empresariais para o fomento do desenvolvimento local por meio de cooperativas. Essas iniciativas aumentam a renda das comunidades contempladas, de forma sistemática, criando dinâmicas integradas com outras políticas (educação, saúde etc). Um passo para que elas se tornem sustentáveis.

Há milhares de projetos desse tipo, que em seu princípio não estão orientadas para o lucro, como empresas capitalistas. Mas essas cooperativas jogam com todas as regras do setor privado e somam uma função social muito forte.

E pensar em experiências como é essa é pensar em um avião carregado. A decolagem pode ser mais dura e difícil, mas quando consegue subir, voa bem e muito alto. E acredito que no Brasil existe muita oportunidade e quando eu vejo o entusiasmo e dinamismo dos empresários e diferentes atores da sociedade civil no país, me parece que há um potencial enorme no desenvolvimento do terceiro setor ou da economia social.

redeGIFE – Qual a importância de um evento como o Parcerias por um Brasil sem fome e mais justo nesse processo?
Vincent Defourny –
Fiquei impressionado de ver na mesma sala justamente pessoas tão diferentes, como ministros, empresários, confederações de empresas, ativistas. Pessoas com perfis distintos, mas com o mesmo objetivo. Acho que isso é uma característica brasileira que é preciso cultivar.

O Brasil tem uma originalidade para lidar com seu gigantesco território, tal como seus gigantescos problemas. E acredito que ele esteja se organizando bastante bem, mas o caminho é grande e ainda falta muito.

redeGIFE – Conhece experiências relevantes desse tipo em outros países?
Vincent Defourny –
A Unesco tem parcerias com inúmeras empresas do setor privado. Uma delas, em conjunto com a multinacional de cosméticos L′Oreal, começou com uma idéia simples: As Mulheres pela Ciência. Está claro que a mulher é uma peça-chave para o desenvolvimento social, do fortalecimento da família e da identidade cultural de sua comunidade.

Articulando mulheres e ciência, além do campo social, dá possibilidade de conquistar uma carreira e ser reconhecidas em um espaço em que existe uma maioria masculina. Esse é um projeto pequeno, mas tem uma grande repercussão, pois não é a ciência somente que avança com as mulheres, mas as mulheres avançando por meio do reconhecimento internacional e, claro, toda a sociedade.

Há muitos exemplos; grandes e pequenos. A Unesco é um imenso guarda-chuva, baixo o qual todos podem se encontrar. Esse é o papel da organização, pois a Unesco é de todos. Baixo a esse guarda-chuva, as lideranças podem discutir e solucionar os problemas onde todos os atores trabalham juntos.

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