Secretário propõe criação de índice oficial para medição da pobreza

Por: GIFE| Notícias| 01/09/2003

MÔNICA HERCULANO
Repórter do redeGIFE

No início de agosto, o economista Márcio Pochmann, secretário do Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade da prefeitura de São Paulo, propôs a criação de um índice oficial de pobreza, que considere os efeitos da desigualdade de renda no país. Em entrevista ao redeGIFE, ele fala sobre esse modelo de indicador, exclusão e programas sociais no Brasil.

redeGIFE – A Secretaria de Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade apresentou recentemente uma proposta para a construção de um indicador oficial de pobreza para o Brasil. Por que existem tantos modelos de indicadores no país?
Márcio Pochmann – Na verdade, a pobreza é um fenômeno concreto e real no Brasil, mas a sua mensuração, tal como nos outros países, depende de critérios essencialmente subjetivos. Até hoje, as várias linhas de pobreza se concentraram no cálculo da pobreza absoluta, que avalia o montante mínimo necessário para a satisfação das condições básicas de vida. Essas linhas se diferenciam na definição do que vem a ser esse básico. Entretanto, apesar dessa “”riqueza”” de dados, ainda não conseguimos caminhar para a criação de uma linha de pobreza oficial no país, que sirva de referência para os formuladores de políticas públicas e para a sociedade civil.

redeGIFE – E qual seria o modelo ideal para um indicador de pobreza?
Pochmann – No nosso recente estudo, Pobreza Humana: Medidas e Dimensões no Brasil, procuramos mostrar que os tradicionais indicadores de pobreza absoluta utilizados no país possuem uma deficiência básica: como partem de uma cesta básica mínima, não refletem a evolução da desigualdade. Pode-se, assim, reduzir a pobreza sem impacto significativo sobre a desigualdade. Neste caso, a renda dos ricos subiria mais rapidamente do que a dos pobres. No nosso entender, o combate à pobreza somente é efetivo se a distância entre os mais pobres e o restante da sociedade se reduzir. É isso que chamamos de pobreza relativa. Segundo esse critério, também utilizado pela União Européia, os pobres seriam aqueles que recebem menos do que 50% da renda média dos brasileiros, o que representava, em 2001, 49% da população.

redeGIFE- No Atlas da Exclusão Social no Brasil, o senhor fala em exclusões sociais novas e antigas. Quais são as diferenças entre elas?
Pochmann – O problema da exclusão social está relacionado com a nossa história. Desde a escravidão até os dias de hoje, o país viveu com altos níveis de exclusão social. O que chamamos de velha exclusão social é aquela pobreza associada a famílias grandes, migrantes, com baixos níveis de renda e escolaridade, típica do Brasil dos anos 60. Hoje, ainda que tenhamos logrado aumentar os níveis de alfabetização e de escolaridade, vivenciamos uma nova exclusão social, associada aos processos de geração de desemprego, informalidade e de aumento da violência e da desigualdade social, que aparecem, sobretudo, nas grandes metrópoles brasileiras.

redeGIFE – Os programas desenvolvidos na cidade de São Paulo podem ser replicados para as outras regiões do país? O que pode ser empecilho para isso?
Pochmann – Nos programas sociais da prefeitura de São Paulo conseguimos superar a tradicional dicotomia entre políticas sociais focalizadas e universais. O princípio foi atender de forma universal as famílias abaixo da linha de pobreza, começando pelos distritos periféricos e nos quais os índices de violência e pobreza mostravam-se mais elevados. Eles podem ser replicados em qualquer parte do país, desde que sejam feitas as adaptações de acordo com as condições sociais de cada cidade. Os maiores empecilhos para isso são a escassez de recursos e as estruturas burocráticas centralizadas e com elevado custo-meio.

redeGIFE – Com tantas disparidades existentes entre as regiões do Brasil, quais ações têm mais chance de funcionar para o desenvolvimento social do país, de maneira integrada?
Pochmann – A primeira condição para a expansão da política social do país é a recuperação da capacidade de crescimento econômico. Mas isso não é suficiente. Deve-se pensar numa política de investimentos públicos ede redirecionamento privado, levando em conta as disparidades regionais, e de universalização da saúde e da educação para o conjunto do país. Políticas de microcrédito, de cooperativas populares, de aumento da escolaridade de jovens e adultos, e de transferência de renda também são necessárias, devendo contar com o financiamento de recursos públicos e privados e com uma gestão participativa.

redeGIFE – É possível garantir que os programas sociais não serão apenas para superação da emergência da exclusão social, mas sim formas de emancipação social e financeira das famílias atendidas? Como?
Pochmann – Essa foi uma preocupação da Secretaria desde o início da elaboração dos programas sociais. Ou seja, além de fornecer uma “”bolsa”” no caso dos chamados programas redistributivos – Renda Mínima, Bolsa Trabalho, Começar de Novo e Operação Trabalho -, foram desenvolvidos vários programas emancipatórios, com o intuito de permitir que estas pessoas, de forma paulatina, lograssem sair da condição de exclusão social. Esses programas viabilizam a formação de cooperativas populares, o acesso a cursos de capacitação ocupacional e ao microcrédito, além de estarem vinculados a iniciativas de reinserção no mercado de trabalho e de estímulo a atividades econômicas em cada distrito onde os programas são realizados. Como resultado, os distritos beneficiados até o presente momento viram cair as suas taxas de mortalidade e evasão escolar, além de terem acusado um aumento da arrecadação do ISS (Imposto sobre Serviço).

redeGIFE – Quais as vantagens do sistema de cadastramento único? Quais os obstáculos existentes na sua implementação e como é possível superá-los?
Pochmann – O Cadastramento Único permite que o setor público conheça o perfil e as carências dos beneficiários dos programas sociais. É uma ferramenta fundamental para o acompanhamento e avaliação das políticas públicas, permitindo o seu constante aperfeiçoamento. Na Secretaria de Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade, conseguimos implantar com sucesso o Banco de Dados do Cidadão, indispensável para acompanhar a dimensão da pobreza e os impactos dos nossos programas. No âmbito nacional, a criação de uma ferramenta semelhante seria fundamental para coordenar as políticas sociais e enfrentar a pobreza e a desigualdade nas suas várias manifestações regionais, sem desperdício de recursos e no sentido da universalização.

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