Sem demarcação, prevalece o conflito na vida dos indígenas, enfatiza fundador do Instituto Socioambiental
Por: GIFE| Notícias| 06/09/2021Indígenas de várias etnias fazem caminhada para acompanhar em frente ao STF a votação do chamado Marco Temporal. Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil Local: Brasília-DF
Em Brasília, nas últimas semanas, mais de 6 mil indígenas de 176 povos de todas as regiões do país passaram pelo Acampamento Luta pela Vida para acompanhar o histórico julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o Marco Temporal, o qual sugere que apenas teriam direito à demarcação de terras, áreas que estivessem sob posse dos povos indígenas antes do dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição brasileira.
O julgamento do Marco Temporal foi parar na instância máxima do Judiciário após uma ação de reintegração de posse movida pelo governo de Santa Catarina contra o povo Xokleng, referente à Terra Indígena (TI) Ibirama-Laklãnõ, onde também vivem os povos Guarani e Kaingang. Em 2019, o caso recebeu status de “repercussão geral”, o que significa que a decisão servirá de diretriz para a gestão federal e todas as instâncias da Justiça no que diz respeito aos procedimentos demarcatórios.
“O cenário atual desafia a gente em relação à demarcação da terra indígena. Nós estamos passando pelo pior momento desde a Constituição Federal que garantiu os direitos originários para os indígenas, o direito à terra e o direito ao seu território. Estamos num cenário de inúmeros retrocessos e com um parlamento que possui uma agenda antidígena”, analisa Dinaman Tuxá, advogado e coordenador executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).
Márcio Santilli, sócio fundador do Instituto Socioambiental (ISA), analisa outros entraves para os indígenas, especialmente em relação ao poder executivo. “O governo paralisou o processo de demarcação das TIs à revelia do que determina a Constituição e havendo centenas de processos em curso. As ações e medidas do governo só consideram como terras indígenas as que dispõem de decretos de homologação e ignoram os direitos desses povos que vivem em terras não demarcadas, desrespeitando a jurisprudência do STF”, aponta o especialista.
O que está em disputa
A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados, sob presidência da deputada Bia Kicis (PSL-DF), aprovou, em junho deste ano, um projeto que modifica as demarcações de terras indígenas. Entre os pontos polêmicos do texto aprovado estão a liberação e legalização do garimpo e da mineração em territórios indígenas, além do fortalecimento da tese do Marco Temporal. Com relação ao uso e à gestão das terras indígenas, a proposta estabelece que o usufruto da terra pelos povos originários não abrange:
- o aproveitamento de recursos hídricos e potenciais energéticos, que dependerá sempre de autorização do Congresso Nacional;
- a pesquisa e lavra das riquezas minerais, que também dependerão de autorização do Congresso, assegurando-lhes a participação nos resultados da lavra, na forma da lei;
- a garimpagem nem a faiscação, devendo se for o caso, ser obtida a permissão da lavra garimpeira;
- as áreas cuja ocupação atenda a relevante interesse público da União.
“Esse impacto vai ser sentido diretamente pelos povos indígenas e, consequentemente, por toda a humanidade. Os povos indígenas já têm avisado, já têm feito denúncias e chamamos para que todos abracem as causas indígenas. É o papel da sociedade civil lutar junto conosco pelas demarcações das terras e contra a destruição dos biomas Amazônia, Cerrado, Caatinga, Mata Atlântica e Pantanal. Estão sob risco devido ao desmonte da política ambiental e da política indigenista brasileira”, sublinha Dinaman.
Conflitos pela vida e terras indígenas
De acordo com o relatório Conflitos no Campo Brasil 2020, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), em 2021 algumas modalidades de violência no campo, como a invasão de territórios indígenas, sofreram um crescimento exponencial em relação aos anos anteriores. Das 81.225 famílias vítimas de invasões, 58.327 são indígenas – 71,8% do total. Em 2019, essa porcentagem havia sido de 66,5% (26.621) e em 2018, 50,1% (14.757).
Em consonância com os dados da Pastoral, Márcio alerta para as invasões, ameaças e violências contra os povos indígenas, crescentes ano a ano. “Terra é vida. Sem demarcação, prevalece o conflito na vida dos indígenas. Invasões, esbulhos, doenças, depredações, impossibilidade de produzir, falta de horizontes, risco de extinção. Com a demarcação, o conflito cede espaço para agendas positivas, gestão do território, geração de excedentes, melhoria nas condições de vida, fortalecimento das expressões culturais e melhora na qualidade das relações de contato com a nossa sociedade”.
Dinaman e Márcio concordam que a integridade das terras indígenas é fundamental para a saúde do clima e, portanto, para toda a sociedade. “É obrigação de todos apoiar os indígenas agredidos por governantes e por frentes predatórias. As empresas podem desenvolver projetos em parceria com comunidades indígenas, que viabilizem a geração de renda de forma compatível com as suas culturas, em vez de se apropriarem dos seus recursos de forma predatória”, salienta o integrante do ISA. Já Dinaman é enfático: “É uma luta pela vida”.
Até o fechamento desta matéria, em 03/09, o julgamento do Marco Temporal no Supremo Tribunal Federal ainda estava em andamento e previsto para ser retomado no dia 08/09.