Sem trabalho voluntário não atingiremos os Objetivos do Milênio

Por: GIFE| Notícias| 30/01/2006

RODRIGO ZAVALA
Repórter do redeGIFE

Há cinco anos à frente do Programa dos Voluntários das Nações Unidas no Brasil (UNV), o jornalista e sociólogo alemão Dirk Hegmmans percebe como poucos a cultura brasileira de voluntariado. Mesmo crítico em pontos cruciais, como informação e investimento, o especialista em políticas de desenvolvimento não deixa de ser otimista a respeito do tema: “”o Brasil pode ser referência nessa área se souber aproveitar o seu potencial. O brasileiro tem pique””.

Em entrevista especial ao redeGIFE, Hegmanns fala mais sobre a atuação do programa no país, defende uma maior participação social, pede mais apoio aos empresários e fala aos brasileiros olharem para a sua própria rua quando pensarem em ajudar o próximo. “”Não adianta querer mudar o mundo se o filho de seu vizinho não vai à escola.””

redeGIFE – O Programa dos Voluntários das Nações Unidas chegou ao Brasil em 2001, o Ano Internacional do Voluntariado. Como você analisou esse ano?
Dirk Hegmanns – Depois de 2001, a questão de voluntariado se estabeleceu efetivamente dentro da sociedade brasileira. No imaginário popular. Eu diria que as pessoas passaram a entender o que é realmente voluntariado, ou pelo menos o tema entrou na agenda de discussão. Nesse sentido, começamos a ver uma mobilização forte de grupos, principalmente juvenis, em que se tornou freqüente escutar dos brasileiros sua vontade participar. O problema é que eles têm vontade de cooperar em uma ação, mas não sabem como se encaixar nas estratégias dos projetos.

redeGIFE – Você vê essa falha como falta de informação?
Hegmanns – De certa forma isso realmente existe. Recebo diariamente e-mails e telefonemas de pessoas dizendo: “”eu quero fazer algo, mas não sei como””. Então, pergunto se a pessoa não conhece nenhuma ação comunitária em seu bairro, se já procurou ou pesquisou na sua rua. Há também aqueles que me pedem dicas para trabalhar em ações fora do Brasil. Isso não é o ideal. Quando você quer fazer alguma coisa, não precisa procurar em outra cidade, pode buscar em sua própria comunidade e realizar um pequeno projeto ou iniciativa.

Mas, a princípio, as informações estão à disposição. Embora a internet ainda não esteja ao alcance de todos, uma série de notícias e oportunidades começou a ser difundida por diversos meios, principalmente na divulgação das próprias organizações sociais. Nas grandes cidades, por exemplo, existem centros de voluntariado. Esse seria um primeiro passo.

redeGIFE –Esse é um problema comum em outros países ou é uma peculiaridade brasileira?
Hegmanns – Para dizer a verdade eu não vejo grandes diferenças. Trabalhei mais de 25 anos em uma organização social alemã e o que percebo em primeiro lugar é a vontade das pessoas. Não importa se são brasileiros ou alemães. Eles querem se engajar no social, em diferentes áreas, com vontade e a dedicação. No Brasil, as pessoas parecem ter mais pique.

No entanto, os incentivos ao voluntarismo em instituições de ensino são maiores em países como a Alemanha, o que não acontece no Brasil. Mas, tentamos nos aliar com instituições para entrar em escolas, principalmente as públicas. Temos um projeto que articula mais de 20 mil escolas públicas, às quais enviamos materiais didáticos sobre os Objetivos do Milênio da ONU, com dicas de como o jovem pode se engajar dentro da própria comunidade.

Desde o segundo semestre de 2004, alunos de 20 mil escolas públicas recebem cartazes, material didático, livretos sobre os Objetivos do Milênio e convite para participar da campanha em prol das metas da ONU. As escolas, após acompanhamento, enviam relatórios de atividades, contando as práticas sociais de seus alunos em seus bairros. É uma iniciativa que o Programa dos Voluntários das Nações Unidas no Brasil realiza com o instituto Faça Parte.

redeGIFE – O Programa de Voluntários das Nações Unidas dá preferência a projetos realizados em escolas?
Hegmanns – Não necessariamente. O UNV (United Nations Volunteers) promove contribuições voluntárias para o desenvolvimento, com especial atenção a atividades comunitárias. Procuramos também influenciar as políticas públicas na obtenção de resultados sustentáveis. Afinal, é o braço voluntário do sistema das Nações Unidas e outras organizações de desenvolvimento através das delegações nacionais do PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) espalhadas pelo mundo.

Como prática, nós temos no país ferramentas para organizar demandas sociais, desenvolvidas a partir de parcerias com organizações não-governamentais, institutos e centros de voluntariado. Quando alguém me diz que quer fazer algo, o desafio é definir esse “”algo””, enquanto se organiza a demanda e a oferta desse potencial.

Nosso foco maior, no entanto, são os Objetivos do Milênio, como um projeto de conscientização de comunidades pelo Brasil. A idéia é promover o desenvolvimento humano tendo como base essas metas. Isso exige uma cooperação catalisadora e facilitadora, bem como articulação entre as instituições de desenvolvimento e a população local através de organizações do voluntariado.

Outro grande projeto em andamento é realizado por meio de observadores brasileiros que seguem o exemplo dos relatores dos direitos humanos das Nações Unidas. É a primeira iniciativa desse tipo no mundo, e já será exportada para outros países, como a Argentina. Concomitante a esses trabalhos, ações menores na área de inclusão digital, desenvolvimento local de comunidades quilombolas, educação, saúde, enfim, nas áreas de atuação das N.U.

redeGIFE – Esses projetos não vivem exclusivamente de voluntariado…
Hegmanns – Normalmente eu tenho que levantar recursos para todos os meus projetos, já que não somos uma agência financiadora. E raramente o Brasil recebe fundos das Nações Unidas para essas iniciativas, porque a organização acredita que o país possui dinheiro suficiente para financiar os projetos de desenvolvimento. Trata-se de gerir corretamente esses recursos.

Eu trabalho com embaixadas, portanto, o dinheiro vem de fora do Brasil. No entanto, eu gostaria muito que as empresas se engajassem mais no desenvolvimento, porque conseguimos poucos fundos de empresas privadas. O papel das empresas dentro do desenvolvimento é fundamental.

redeGIFE – Mas as empresas investem em programas sociais no país. Algumas têm seu próprio projeto comunitário.
Hegmanns – Quando eu cheguei há quatro anos no Brasil, eu fiquei surpreso com o engajamento com as empresas. Fala-se muito de responsabilidade social e investimento social privado, mas depois eu entendi melhor como funciona essa questão. Tudo bem, eu reconheço o esforço dessas empresas em realizar pequenos projetos. Mas, muitas vezes, essas iniciativas são realizadas no âmbito da própria empresa. E qual é o problema dessa prática? A empresa não tem expertise no social, então tem que investir muito dinheiro para conseguir pouco impacto. É nesse momento que faz diferença o know-how.

O caminho mais fácil seria cooperar com organizações que têm essa experiência e fazer parcerias colaborativas, por meio de investimento. Com os mesmos recursos, a ação teria mais impacto. Nesse sentido, então, todos saem ganhando por ser mais eficiente o trabalho. O parceiro ganha por ter mais recursos para implementar seu projeto e o beneficiário ganha uma ação mais estruturada. Os empresários precisam entender isso.

Eu vejo que a vontade está presente, mas falta um trabalho de eficiência no envolvimento social.

redeGIFE – Então, um caminho mais coerente seria investir em ações sociais por meio de programas de voluntariado?
Hegmanns – Em primeiro lugar, eu tenho que explicar que existe uma diferença entre os voluntários das Nações Unidas e os voluntários clássicos, que vemos no Brasil. Aqueles trazidos pelas N.U. são profissionais que têm um contrato com a organização internacional e possuem uma ajuda de custo, porque eles trabalham em um projeto em tempo integral.

A idéia que fica por trás de nosso conceito é a de profissionalismo. São pessoas que saem de seus respectivos empregos, oferecem os seus conhecimentos, as suas experiências para um projeto. Depois de um certo tempo (pode ser até quatro anos), eles voltam aos seus empregos convencionais. O objetivo deles não é ser funcionário das Nações Unidas, mas mobilizar a sociedade civil, engajar os voluntários clássicos e aumentar o impacto de suas atividades.

Nós documentamos que cada voluntário das N.U. consegue – dependendo do tipo de projeto – mobilizar entre 50 e mil outros voluntários para cooperar nas ações. São projetos que custam pouco dinheiro, pouco financiamento e normalmente resultam em um grande impacto. Tem que ser criativo.

redeGIFE – O brasileiro é, então, um voluntário clássico?
Hegmanns – Esse é o voluntário mais comum no Brasil, porque dedica algumas horas de seu dia ou semana para uma atividade social. Por outro lado vemos crescer o número do que chamamos de “”voluntários empresariais””, quando a empresa estimula seus funcionários para se engajarem em atividades sociais; seja em ações ligadas à empresa, seja em atividades externa. Creches são os exemplos mais simples.

Independente dessas diferenças, acredito que o voluntariado, clássico ou não, é fundamental para qualquer processo de desenvolvimento. Sem o trabalho voluntário, sem a participação ativa da sociedade civil, não será possível alcançar os Objetivos do Milênio dentro do prazo.

O projeto de levar as metas às comunidades fez muito sucesso internacional, sendo considerado pela ONU uma iniciativa exemplar para alcançar as ODM. E é uma iniciativa brasileira. É uma chance para o Brasil se tornar referência.

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