Semana do Investimento Social inaugura o trilho do 11º Congresso GIFE

Por: GIFE| 11º Congresso GIFE| 10/08/2020

A persistência de desigualdades históricas, os efeitos disruptivos das novas tecnologias, as pressões crescentes pelo equilíbrio ambiental, os desafios para a consolidação de uma cultura de doação no Brasil, a emergência de novos conflitos que ameaçam os fundamentos da coexistência cidadã e da vida democrática e o papel dos investimentos de impacto, da filantropia, das empresas, do poder público e da sociedade civil organizada para construir o futuro que queremos. Estes foram alguns dos debates que permearam a Semana do Investimento Social.

Realizado de 3 a 7 de agosto, o evento online marcou o início de um trilho de atividades que culminará na realização do encontro presencial do 11º Congresso GIFE, em março de 2021.

“Fronteiras da Ação Coletiva”, tema do Congresso, foi também o que abriu os trabalhos da Semana a fim de provocar o debate sobre os desafios e as inspirações, no Brasil e no mundo, que convocam a sociedade ao aprofundamento das capacidades de ação pública e à reflexão sobre as transformações necessárias para a construção do futuro.

Neca Setubal, presidente dos conselhos do GIFE e da Fundação Tide Setubal, lembrou que a pandemia tem descortinado desigualdades históricas no país, assim como a importância das políticas públicas intersetoriais e territoriais e das lideranças comunitárias para enfrentá-las.

“A pandemia deixou claro que as desigualdades no Brasil têm cor e gênero. Também visibilizou a importância das soluções articuladas nas periferias, que é um valor que precisamos ter em vista na hora de pensar os próximos passos e de desenhar a atuação dos nossos institutos e fundações, que precisam estar cada vez mais conectados com o que está acontecendo nos territórios. Ao mesmo tempo, a crise tem nos mostrado a necessidade de um olhar sistêmico e territorial na hora de pensar políticas públicas. Temos que ter clareza dos limites da nossa atuação e, por isso, levar em conta a importância da nossa articulação com as políticas públicas para que possamos atuar de forma integrada e colaborativa.”

Marcia Castro, professora-titular da Escola de Saúde Pública da Universidade de Harvard, concorda. Para a pesquisadora, é preciso ouvir e ninguém melhor do que as pessoas que vivem os problemas para pensar sobre como resolvê-los.

“A ciência precisa chegar à população de forma ampla. Temos que disseminar o conhecimento de maneira simples para enfrentar a negação da ciência. Assim, também é importante a disseminação de experiências inspiradoras. A crítica deve ser ao sucateamento do SUS [Sistema Único de Saúde] e não a um dos sistemas que é referência para o mundo. As parcerias entre os diversos setores não podem ser uma alternativa às políticas públicas, mas podem contribuir para a mobilização de ações comunitárias e o engajamento de lideranças para enfrentar localmente os desafios.”

Educação e resistência

Educação e trabalho são as apostas de Rachel Maia, CEO da Lacoste Brasil, para um futuro diferente. “Educação e emprego devolvem a dignidade às pessoas e, uma vez que elas têm isso, recuperam o direito de sonhar e são capazes de planejar o futuro.”

Eliane Dias, advogada e empresária, concorda e lembra que a meritocracia não existe para a população pobre e negra do país. “Uma pessoa que estuda em uma boa escola larga dez anos na nossa frente. Por isso, eu acredito na revolução através do estudo, da nossa capacidade de atuação conjunta, da nossa resistência e competência. A mão de obra da periferia não é só braçal. Nós também pensamos e realizamos”, defende.

Para além da emergência, por um Brasil mais doador

Os desafios e oportunidades para a consolidação de uma cultura de doação no Brasil tiveram espaço na programação do segundo dia da Semana de Investimento Social.

Esses desafios são apresentados no documento Por um Brasil + Doador, Sempre, lançado durante a mesa. A publicação é resultado de um mapeamento abrangente e coletivo organizado pelo Movimento por uma Cultura de Doação (MCD) no intuito de articular uma agenda comum em favor da promoção de uma cultura de doação no país.

Além do manifesto do Movimento, o documento apresenta cinco diretrizes que prometem potencializar a cultura de doação brasileira: educar para a cultura de doação, promover narrativas engajadoras, criar um ambiente favorável à doação, fortalecer as organizações da sociedade civil e fortalecer o ecossistema promotor da cultura de doação. Em cada uma delas, a publicação mapeia atores-chave e traz recomendações.

“Temos que entender a doação não como caridade, mas como um ato de cidadania. Contamos com a sociedade civil organizada para promover as transformações de que necessitamos, mas, para isso, essas organizações precisam pagar a conta de luz e o salário de profissionais qualificados”, observa Roberta Faria, representante da Editora MOL/Instituto MOL, uma das organizações que integraram a força-tarefa que deu origem ao documento.

Para Beatriz Azeredo, diretora de responsabilidade social da Globo, a doação é um ato político, assim como o consumo. “É hora de empreender mudanças na sociedade e no mundo dos negócios. Já vemos algumas empresas incentivando a doação ou o apoio por parte do consumidor a determinada organização ou movimento na hora da compra. Existe um ato político na hora do consumo de escolher como ou para onde vai parte do seu dinheiro.”

O fortalecimento dessa cultura de doação no país, na avaliação da especialista, envolve ações de comunicação em pequena e larga escalas, conexão entre atores do campo para a troca de metodologias e inovação. “O calendário do Dia de Doar [01 de dezembro] pode ser uma oportunidade para exercitar essa sinergia entre os diversos atores do movimento e fazer um Dia de Doar histórico”, observa.

“Daqui a 20 anos, eugeu que todos fôssemos doadores e que a discussão sobre causas fosse tão comum quanto falar sobre o tempo. Que todas as empresas tivessem em seus portfólios ao menos um produto com renda revertida para causas sociais e ambientais. Como é hoje em países considerados doadores, onde, no dia a dia, você tem a oportunidade de doar, o tempo todo você se depara com uma campanha ou com uma caixa com a explicação de alguma causa. Aqui ainda temos poucas oportunidades e acho que a pandemia está mudando isso”, afirma Roberta.

Filantropia, Cidadania e Democracia

Durante o debate sobre democracia promovido no quarto dia da Semana de Investimento Social, Átila Roque, diretor da Fundação Ford no Brasil, criticou o processo de concentração de riqueza observado nos primeiros meses de pandemia no país, como demonstra um estudo realizado pela Oxfam.

“Os números chocantes mostram o quanto os mais ricos lucraram e aumentaram suas riquezas no período da crise, o que mostra que os impactos da pandemia, claramente, não são os mesmos para todos.”

Para Maria Sylvia Oliveira, presidenta do Geledés, o maior desafio do país é pensar uma democracia para todos os brasileiros.

“Metade da população brasileira, quase 100 milhões de pessoas, vivem em situação de extrema vulnerabilidade. Em São Paulo, 62% das pessoas que morrem de Covid são negras e não é porque os negros estão biologicamente mais propensos a ser contaminados, mas por suas condições de vida que os impedem de se proteger adequadamente”, lembra.

A ativista pontua como a violência que atinge essa parcela da população vem sendo historicamente naturalizada.

“O movimento negro vem denunciando a violência racial e policial há anos. Nos Estados Unidos, a morte do George Floyd conseguiu atravessar a pauta da crise sanitária. Aqui no Brasil, muitas pessoas se solidarizaram e levantaram a hashtag BlackLifesMatter, mas não conseguimos uma comoção real pelo assassinato de um George Floyd a cada 23 minutos ou de crianças brincando dentro de casa. A população negra está na zona do ‘não ser’, da desumanização. Para essa parcela da população, o Estado Democrático de Direitos nunca existiu. Enquanto houver racismo, não haverá democracia”, observa.

Horizontes para o pós-pandemia

Durante a mesa de encerramento da Semana, na hora de falar sobre futuro,  a curadora e escritora Lilia Schwarcz lembrou que o conceito de ‘novo normal’, amplamente difundido em referência ao período pós-pandemia, se pauta na experiência de pessoas que moram em casas com vários cômodos, acesso à internet, computador, etc., mas que essa não é a realidade do Brasil.

“33 milhões de brasileiros não têm água potável. A cada quatro brasileiros, um não tem acesso à internet. Então, minha pergunta é: como chamar de novo normal? Normal para quem?”.

Outros debates

Acompanhe os vídeos de todos os debates promovidos durante a Semana do Investimento Social no canal do GIFE no Youtube. No site do 11º Congresso estão disponíveis os detalhes sobre o trilho que levará ao evento de três dias, em março de 2021.

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