Senador defende grande campanha na mídia contra a discriminação racial

Por: GIFE| Notícias| 25/04/2005

MÔNICA HERCULANO
Repórter do redeGIFE

A Comissão de Educação do Senado aprovou, no último mês de março, o projeto que trata da criação do Estatuto da Igualdade Racial. De autoria do senador Paulo Paim (PT-RS), o documento prevê cotas para negros em cursos de graduação de universidades públicas e privadas, empresas, partidos políticos, programas, filmes e anúncios de TV e no serviço público.

O projeto já passou também pela Comissão de Assuntos Econômicos do Senado. Segue agora para a Comissão de Assuntos Sociais e, depois, para a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania. Se aprovado sem alterações, segue para a Câmara.

O texto estabelece a cota mínima de 20% para a população negra em concursos públicos, vestibulares e no preenchimento das vagas dos contratos do Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (Fies). Além disso, as empresas que tiverem mais de 20 empregados também terão que reservar 20% das vagas para afrodescendentes. O mesmo índice vale para a aparição em veículos de comunicação e peças publicitárias.

O projeto prevê ainda políticas de saúde, educação e lazer específicas para negros e sua valorização na produção cultural brasileira. Também procura promover o combate à discriminação a religiões afro-brasileiras, agiliza a posse da terra por comunidades remanescentes de quilombos e cria um Fundo Nacional de Promoção da Igualdade Racial.

No início do mês de abril, Paulo Paim – autor também do Estatuto do Idoso – foi eleito presidente da Subcomissão Permanente de Igualdade Racial e Inclusão, que irá funcionar no âmbito da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH).

Em entrevista ao redeGIFE, ele fala sobre a polêmica do sistema de cotas, parceria entre governo e iniciativa privada na luta contra a discriminação e o Fundo Nacional de Promoção da Igualdade Racial, um dos pontos mais polêmicos do Estatuto.

redeGIFE – Quais os critérios utilizados para a definição da porcentagem de cotas para cada setor (trabalho, educação, comunicação, etc), de acordo com o Estatuto da Igualdade Racial?
Paulo Paim – O sistema de cotas foi baseado pelo seguinte: no Brasil, de acordo com o IBGE, a comunidade negra representa praticamente 50% da população. Entendemos, que num primeiro momento, se colocássemos um índice em torno de 20% não seria nada exagerado e seria uma linha intermediária – menos da metade do que representa essa população no país. Alguns dizem que na região sul, por exemplo, isso pode ser muito, e na Bahia pouco. Mas eu não podia definir que os negros na Bahia deveriam ficar com 90% das cotas. Então, 20% foi uma linha intermediária. Mas isso é um primeiro passo. Na minha visão, a questão das cotas e seu percentual é uma política transitória. Nós temos que abrir as portas, dar oportunidade de formação superior a população negra, mas enfrentando os testes da mesma forma que os outros.

redeGIFE – Como o senhor mesmo acabou de dizer, muitas pessoas afirmam que este tipo de sistema serve apenas para “”apagar o fogo”” da questão da ausência de negros em universidades ou em determinados cargos nas empresas. Além disso, de que maneira é possível gerir a diversidade nas empresas e nas escolas e universidades? Até quando essas cotas deveriam vigorar, então?
Paim – Eu concordo que é uma ação emergencial e por isso deve ter uma regra transitória, como uma experiência num primeiro momento e limitada, por cinco ou dez anos. É esse o objetivo. Precisamos investir mais no chamado estudo de base, mas temos hoje um potencial enorme de homens e mulheres negros que precisam de uma oportunidade. Devemos construir uma política de parceria, interagir com a iniciativa privada e alavancar programas para a comunidade negra, de forma que haja esse incentivo em todos os setores da sociedade, sem ter uma lei que obrigue. Por isso digo que é uma transição. Precisamos incentivar as empresas a ter negros em suas mais diversas áreas. É um processo de construção, mas deve haver uma política de parceria entre governo, empresas e sociedade civil organizada, para construir essa inclusão.

redeGIFE – Falando em parcerias, como o senhor tem visto os programas das empresas e das ONGs que visam essa inclusão?
Paim – Eu acho que hoje já existe uma série de ações nesta linha e que devem ser replicadas, mas precisamos avançar mais. É preciso que se entenda que no Brasil há uma lei que combate e pune o racismo. Para mim, o racismo é algo tão grave que deveria haver uma grande campanha contra isso, também em parceria entre governo e iniciativa privada. Porque eu sinto que cresce no mundo todo, a volta de práticas racistas e preconceituosas, como o que estão fazendo na Europa com nossos jogadores de futebol. Se nada for feito, se não houver uma reação em cadeia de todos, em todo o mundo, pra coibir essas práticas, daqui a pouco teremos de novo essas políticas nazistas, e não só contra negros, mas contra judeus, palestinos, nordestinos, sulistas.

redeGIFE – O senhor acha, então, que deveria haver um esforço por uma grande campanha, como a que existe contra a Aids, ou pelo uso de preservativo, claramente falando sobre racismo nos meios de comunicação?
Paim – Exatamente. Porque hoje em dia ainda não se trata a questão da discriminação como um grande problema. Ainda hoje recebo inúmeros casos aqui no meu gabinete, do Brasil inteiro, de crianças do jardim da infância que não querem pegar na mão de uma criança negra. A formação que os pais tiveram ao longo de sua vida causa isso. Isso merece uma ampla campanha nos meios de comunicação em todo o país. Onde tiver espaço, temos que mostrar que somos todos seres humanos brasileiros.

redeGIFE – Ainda sobre a questão das parcerias, foi feito algum diálogo específico com as ONGs para a redação deste estatuto?
Paim – Sim. Este estatuto vem sendo debatido com a sociedade há quase oito anos. Ele está mais ou menos com a mesma maturação que teve o Estatuto do Idoso. Nós debatemos sobre ele em vários Estados, na maioria das capitais, e fizemos cerca de quatro seminários. Por isso, hoje este Estatuto é quase uma unanimidade. A maior polêmica que existe é com relação ao Fundo Nacional de Promoção da Igualdade. Entendemos que este Fundo é essencial. Eu sempre digo que o Estatuto está para o Brasil como foi a questão da aprovação dos direitos civis para os negros norte-americanos. E se ele tem esta envergadura que visa demonstrar que é possível ter políticas de inclusão, precisa ter Fundo. E quando eu digo inclusão, não falo só sobre o negro, mas sobre todo tipo de discriminação.

redeGIFE – E como deve funcionar este Fundo Nacional de Promoção da Igualdade Racial? Qual a sua importância dentro da proposta do Estatuto e por que ele causa tanta polêmica?
Paim – Porque o Estado não quer aportar recursos. Em tese, gostaríamos que o fundo fosse gerido dentro do governo, administrado por ele, com a participação de um conselho com poder deliberativo da sociedade civil. E de onde viria? No meu entendimento, uma parcela deveria vir do Orçamento, poderia vir algo dos jogos lotéricos legalizados no país e de investimentos que poderiam ser deduzidos da área privada.

redeGIFE – E para quais ações estes recursos seriam destinados?
Paim – Por exemplo, para as questões de educação e saúde. Só para se ter uma idéia, a anemia falciforme afeta principalmente a criança negra. Então, este Fundo seria para formação, educação, saúde e até habitação. Se virmos hoje, 90% da população das favelas é composta por negros. Investindo em habitação, gera-se emprego e dá-se mais qualidade de vida para a população dessas áreas, brancos ou negros. Essa discriminação social também seria contemplada pelo Fundo. Quando falamos em políticas de inclusão da comunidade negra, isso não deve acabar se transformando em uma discriminação também do seu colega, que é branco e está na mesma situação. Acho que, neste país, é fundamental investir em escolas técnicas. É essencial que nossa educação destine este olhar sobre a possibilidade de sair do ensino básico já com uma profissão. Mesmo que a pessoa não vá segui-la, ela deve ter tido uma chance de aprender alguma profissão. Enquanto não apontarmos caminho para esta juventude que está aí, ela cai nos braços do narcotráfico e da violência.

redeGIFE – É comum tratar da questão da discriminação racial nos quesitos educação e trabalho. O estatuto, porém, prevê também ações nas áreas de saúde, esporte, cultura e lazer. Quais seriam as ações específicas para os negros neste sentido?
Paim – Acho que o esporte é um dos caminhos para combatermos essa situação desesperadora pela qual passam os nossos jovens. Seria ideal se pudéssemos, junto com a escola técnica, implantar um centro olímpico, onde eles pudessem fazer suas atividades físicas e tivessem lazer também. Essas outras áreas são fundamentais, para o corpo e para a mente.

redeGIFE – O Estatuto também prevê reserva de espaço para pessoas negras em veículos de comunicação e peças publicitárias exibidas no cinema ou na TV. O senhor acredita que a cota indicada no estatuto eleva de maneira significativa ou equipara a aparição de negros com relação aos brancos?
Paim – Isso para mim é fundamental e tem a ver com a questão da auto-estima do negro. Quando falo isso não estou preocupado somente com o número de negros ou negras que estará no outdoor, na propaganda, na novela ou no cinema. Estou preocupado com o número de pessoas que está assistindo televisão, filme ou uma peça de teatro. Que está pagando e não se vê lá. Nós, negros, precisamos de referência. Ao longo da história, temos mais de uma centena de grandes personagens e intelectuais que são negros, mas que não aparecem. Eu sempre assisti televisão e não via heróis negros. Até hoje ainda é assim. Esta imagem é fundamental para a auto-estima de uma criança negra: ver um médico, um professor, um executivo, um engenheiro, um grande empresário, negros. Mas enquanto essas referências não aparecem na televisão, ela fica achando que a referência é aquela da favela. Para a comunidade negra, é muito importante que as pessoas negras assumam sua identidade, sua origem e sua raça.

redeGIFE – O senhor acha que as emissoras e os produtores vão aceitar isso? Eles não vão entender como uma espécie de “”censura””?
Paim – Tenho certeza que não. Porque quando comecei este debate, há mais ou menos 10 anos, tínhamos muito menos negros em papéis importantes do que temos hoje. E por que aumentou? Porque começamos a dizer que iam entrar as cotas. Só o debate sobre a importância do negro na mídia já fez com que se rompessem barreiras. Hoje, quase ninguém faz lobby contra a política de cotas. A maioria diz que 20% é o que já coloca, ou vai colocar com tranqüilidade. A criatividade não pode ser racista e preconceituosa. Temos que fazer dos meios de comunicação também instrumentos de educação, de cultura e de crescimento.

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