Sete Princípios para Redes Sociais

Por: GIFE| Notícias| 19/12/2005

FERNANDO ROSSETTI*
Secretário geral do GIFE

O campo social vive atualmente uma moda que poderia ser chamada de “”redismo””, que resulta na criação de diversas redes, muitas delas com pouca ou nenhuma sustentabilidade. Por vezes, breves reuniões são suficientes para formar uma “”rede””, que se traduz, na prática, em um e-group, que não dura mais do que o tempo das afetividades construídas no encontro presencial.

Mas esse modismo está bem fundamentado em uma série de evidências teóricas e práticas a favor das redes. Há obras já clássicas, como A Sociedade em Rede (Paz e Terra, 1999), do sociólogo espanhol Manuel Castells, que apontam ser esta uma das formas mais adequadas para a organização do trabalho no contexto da revolução nas tecnologias de informação e comunicação, que caracteriza o modo de produção capitalista no século 21.

Hoje, movimentos globais da maior importância, como o Fórum Social Mundial (com seu lema “”Um outro mundo é possível””), cada vez mais recorrem a conceitos de organização em rede para fundamentar seu modelo de atuação. No Brasil, o ideólogo mais influente nesse campo é o acadêmico militante Francisco Whitaker.

Alguns trabalhos até apontam as redes como uma forma mais “”natural”” de organização. Um exemplo é a recente publicação Redes: Uma Introdução às Dinâmicas da Conectividade e da Auto-Organização, da WWF Brasil (2003), que cita extensamente, além de Castells, um dos autores mais “”naturalistas”” em relação às redes: Fritjof Capra, em A Teia da Vida – Uma Nova Compreensão Científica dos Sistemas Vivos (Cultrix/Amaná-Key, 2001), que também escreveu O Tao da Física (Cultrix, 1985).

O fato é que, a começar do campo empresarial, as redes realmente constituem um meio poderoso de organização social. Nesta virada de milênio, elas oferecem uma das formas mais lucrativas de produção – de pequenos negócios às grandes corporações. Segundo esses autores, a articulação de redes também favorece enormemente a transformação social.

Os consultores Remo Häcki e Julian Lighton, num artigo publicado na McKinsey Quarterly (The Future of the Networked Company , 2001), afirmam que o sucesso de um negócio em rede – como Cisco, CNET, Schwab ou eBay – se deve à disseminação de uma plataforma de relacionamento, em que as organizações que fazem parte da rede usam essa plataforma não só para as relações com a rede, como também em suas relações com outros fornecedores e parceiros. Ou seja, para formar uma rede no mundo dos negócios é preciso desenvolver uma plataforma (um software) de relacionamento que dê conta do conjunto das relações envolvidas no empreendimento – isto é, bem mais do que um simples e-group.

As redes de movimentos sociais são, talvez, mais complexas do que as empresariais, pois implicam as já citadas afetividades e, além disso, utopias. Mas, na prática, quanto mais bem definido o objetivo de uma rede, melhor tende a ser seu resultado.

No Seminário Internacional Avaliação, Sistematização e Disseminação de Projetos Sociais, da Fundação Abrinq, em São Paulo (2003), o intelectual orgânico colombiano Bernardo Toro iniciou sua lista do que faz uma rede social funcionar com “”construir confiança””. Toro também define que, para participar de uma rede, suas lideranças têm que ter os objetivos “”voltados para fora””, para aquilo que é público. Os princípios abaixo incorporam essa idéia do coletivo, comum, mas acrescentam que os indivíduos e as organizações participantes precisam obter benefícios individuais, privados, se não a rede não arma.

No instigante livro Linked (Plume, 2002), o físico húngaro Albert-László Barabási, da Universidade de Notre Dame (EUA), desvenda o funcionamento de todas as redes: elas não são uniformes. Há pontos numa rede que concentram muito mais conexões do que outros – os nós (ou hubs, em inglês).

No campo social, isso é representado pelas lideranças, os empreendedores. Há também subgrupos nas redes, freqüentemente chamados de “”grupos de afinidade”” (clusters, em inglês). Qualquer projeto que focalize esses nós tende a ter mais sucesso, pois atinge – por reedição, como diria Toro – muito mais gente. Da prevenção da Aids ao controle social do Estado, o foco em lideranças, em pontos mais articulados da rede, incrementa os resultados, demonstra Barabási.

Há pouco foi lançado o livro Da Árvore à Floresta – A História da Rede ANDI Brasil (Cortez, 2005), que sistematiza as experiências dessa rede promovida pela Agência de Notícias dos Direitos da Infância, de Brasília. Este artigo tenta resumir as aprendizagens da pesquisa feita para essa publicação. O objetivo é oferecer alguns parâmetros para quem quer estruturar uma rede social. Os sete princípios adiante devem ser vistos como arquétipos, ou caricaturas, de uma realidade sempre muito mais complexa.

1. Construir confiança

Bernardo Toro afirma que, para construir confiança, é necessário que as pessoas envolvidas numa rede saibam como cada participante reagirá em situações de grande pressão, por exemplo, a divisão de um financiamento insuficiente para todos. É nessas situações que se conhece os princípios e valores de cada um. Para armar uma rede é necessário reservar tempo para as pessoas se conhecerem e construírem confiança. Os coffee-breaks devem ser longos. É preciso conversar sobre as relações, expor as divergências, vivenciar conflitos, de preferência, com facilitadores profissionais. A transparência nos mecanismos de governança e tomada de decisões também favorece a construção de confiança.

2. Compartilhar valores

Toda vez que o grupo se encontra presencialmente é preciso reafirmar os valores, re-pactuar os princípios. Por vezes, os pioneiros da rede estabelecem valores que esperam ser eternos. Mas os valores devem ser sempre re-visitados, reeditados, pois a realidade muda constantemente. Redes sociais, em geral, têm uma rotatividade elevada de membros. Em cada reunião presencial há várias pessoas novas. Por isso, deve-se sempre promover e compartilhar valores, se possível, de maneira planejada e sistemática.

3. Dar e receber

“”O que eu ganho com isso?”” Essa pergunta, que caracteriza mais o mundo dos negócios privados, também orienta o sucesso de uma rede social. As pessoas e organizações participam de redes que trazem benefícios individuais. Pode ser no alcance de objetivos maiores, públicos – e, para isso, estão dispostas a dar muito do que possuem, em conhecimento e trabalho. Mas a missão da rede também tem que estar inscrita nos objetivos de cada pessoa e organização membro, se não, as demandas do dia-a-dia se sobrepõem às necessidades da rede.

4. Criar produtos e eventos

Na maioria dos casos, a simples troca de informações, por site, e-mail ou e-group, não é suficiente para armar uma rede social. As tecnologias de informação e comunicação são meio, não fim. Há exceções – por exemplo, o processo de produção do sistema operacional Linux, em que o fim (um software de informação e comunicação) se confunde com o meio (uma plataforma de relacionamento). Outro campo em que a relação virtual por si só produz resultados é a academia, a universidade, cujo trabalho é a produção e disseminação de conhecimento. Mas redes sociais envolvem prática. A transformação social implica ação, além de reflexão. As redes sociais armam de fato quando se instaura um processo de produção coletiva, em que todos se reconhecem como autores em produtos e eventos.

5. Investir em lideranças

Segundo Albert-László Barabási, redes não são uniformes. Há sempre elos e conjuntos de elos muito mais conectados do que outros. Esses nós e grupos de afinidade têm um poder de multiplicação de idéias e práticas muito maior do que unidades com poucas conexões. Além disso, alguns elos da rede reúnem competências, habilidades e conhecimentos que não estão presentes nos outros. Redes sociais com um centro muito carregado, responsável pelo conjunto das atividades, tendem a ter menos sustentabilidade do que outras em que as funções estão distribuídas de acordo com as competências e lideranças de suas partes. É necessário identificar e fortalecer esses nós e promover grupos de afinidade. Em geral, é preciso também ter alguém que assuma o papel de “”líder chato””, que mantenha o cronograma de ações e cobre de cada parte seus compromissos. Por isso, é favorável ter uma secretaria executiva ou estrutura semelhante – sem, no entanto, concentrar nela todas as atividades e funções da rede.

6. Sistematizar conhecimentos

A memória de uma rede tem que ser planejada. O tempo e a rotatividade de pessoas em uma rede são sempre uma ameaça de “”amnésia sistêmica””. Novos membros numa rede tendem a diluir os princípios e valores, se não houver mecanismos de transmissão dos conhecimentos acumulados. Sem isso, há também o risco da rede ter que se reinventar periodicamente. Assim, toda rede precisa sistematizar suas aprendizagens, o que implica não só produzir materiais escritos, como manter processos estruturados de oferta desses conhecimentos – manuais, cursos, tutoria por pares etc.

7. Aprender fazendo

Por mais que existam princípios comuns, cada rede é uma rede, as relações e os objetivos são únicos, é sempre uma nova aprendizagem. Nenhuma rede está nunca completa, pois vive sempre em mutação. Redes são orgânicas, alcançam tanto sucesso no mundo dos negócios porque se adaptam às mudanças do ambiente, além de reunir num coletivo diversas competências, habilidades e conhecimentos. Cada rede tem uma cultura, seus princípios e valores. Para construir esse tipo de identidade é necessário se arriscar a aprender fazendo.

*Fernando Rossetti, cientista social, é secretário geral da Rede GIFE de Investimento Social Privado, foi fundador da Rede CEP (Rede de Experiências em Comunicação, Educação e Participação), em 2004, e atuou como facilitador do planejamento estratégico da Rede ANDI Brasil, em 2003, e da primeira reunião da Rede ANDI América Latina, em 2002.

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