Sociedade civil africana busca parceiros para se desenvolver

Por: GIFE| Notícias| 20/10/2003

MÔNICA HERCULANO
Repórter do redeGIFE

Uma década após o fim de uma guerra civil de 15 anos, Moçambique vive um processo de fortalecimento de sua sociedade civil. Como em todo o continente africano, tem-se buscado refletir mais sobre a participação dos cidadãos e das organizações sociais no desenvolvimento e na promoção da democracia local. A FDC (Fundação para o Desenvolvimento da Comunidade), instituição que tem como objetivo apoiar as comunidades desfavorecidas no país, é um exemplo desse avanço.

Amâncio Armando, gerente regional de programas da organização, fala ao redeGIFE sobre o investimento social de empresas e da sociedade civil africanas, as áreas de atuação prioritárias no continente e o apoio de organizações internacionais ao desenvolvimento das comunidades locais.

redeGIFE – Como o senhor definiria a atual ação das organizações da sociedade civil em Moçambique?
Amâncio Armando – Em comparação com outros países, inclusive seus vizinhos, a sociedade civil organizada em Moçambique é uma realidade muito nova. Está em fluxo e é frágil. O código civil permite que organizações sem fins lucrativos se legalizem, mas limita a forma organizativa a associações de membros ou fundações. Esta última é menos utilizada porque impõe restrições especiais, e a maior parte das entidades sem fins lucrativos em Moçambique tem o estatuto legal de associação.
Pode-se identificar diferentes categorias de atores da sociedade civil em Moçambique, e seu nível de influência, alcance geográfico e representatividade são determinados por diversos fatores, como organização interna e capacidade de comunicação. A sociedade civil organizada em Moçambique vê seu papel sob quatro perspectivas diferentes, mas complementares: como contra-peso ao poder político, como voz crítica contra o Estado, como executores de políticas públicas nas áreas em que têm mais experiência – ou em que o governo não tem capacidade de execução – e como facilitadores da promoção de conhecimento e informação da sociedade civil.
Apesar da fraqueza de nossa sociedade civil, alguns atores têm assumido gradualmente maior força e importância. Pode-se constatar que as organizações estão ficando mais fortes e desenvolvendo um vasto leque de atividades, mas as suas capacidades de análise, organização e execução variam muito. A maioria reconhece que precisa melhorar sua capacidade organizativa, de execução e sua democracia interna. Nesse sentido, esperam poder estabelecer parcerias que lhes permitam atingir esses objetivos. A falta de recursos humanos qualificados é um problema essencial.

redeGIFE – Como tem sido o diálogo entre as organizações sociais africanas?
Armando – Ultimamente, esse diálogo tem sido em torno das iniciativas governamentais do continente. Isso porque há um reconhecimento de que as políticas e os projetos que aí surgem influenciam direta e indiretamente a vida dos povos em nível local e as atividades das organizações sociais. Iniciativas como a Cimeira sobre o Desenvolvimento Sustentável, em Johannesburgo, e a Conferência Internacional sobre o Desenvolvimento da África, no Japão, contribuíram bastante para despertar consciências, principalmente para promover discussão e reflexão sobre a voz dos cidadãos e das organizações sociais, promover a democracia na África e a participação da sociedade civil nas instituições governamentais. O último avanço, registrado em uma conferência em Johanensburgo, em maio deste ano, foi estabelecer os focos da sociedade civil e um grupo de trabalho – constituído por dois representantes da sociedade civil de cada uma das quatro regiões africanas que participaram da conferência – para formalizar a constituição do Fórum Pan Africano da Sociedade Civil, ao abrigo da Nepad (Nova Parceria para o Desenvolvimento Africano) e do Mecanismo Africano de Revisão por Pares.

redeGIFE – Quando e como surgiu a Fundação para o Desenvolvimento da Comunidade (FDC)?
Armando – Os primeiros passos foram dados em 1990, como Associação para o Desenvolvimento da Comunidade. O conceito baseava-se em duas fortes convicções: de que a pobreza não é uma fatalidade e de que os esforços para o desenvolvimento da comunidade devem sustentar-se a partir da própria sociedade moçambicana. Com base nas discussões com comunidades de todo o país, em 1994, a Associação transforma-se em Fundação, dotada de patrimônio, com a finalidade de financiar as comunidades, tornando-se uma fonte estável e sustentável de recursos. A FDC foi a primeira instituição do gênero em Moçambique.

redeGIFE – Qual é o principal foco de atuação da FDC?
Armando – Ela focaliza suas atuações na promoção do desenvolvimento humano nas comunidades desfavorecidas, buscando, entre outras coisas, garantir a segurança alimentar e promover iniciativas de geração de renda, apoiar a redução da mortalidade, promover o empoderamento da mulher, prevenir a disseminação do vírus HIV e reduzir o impacto da Aids, apoiar o fortalecimento das organizações da sociedade civil e capacitar lideranças comunitárias. Para isso, privilegia a promoção do desenvolvimento institucional e redes de contato, o co-financiamento de programas, advocacia e práticas sustentáveis de desenvolvimento comunitário em Moçambique.

redeGIFE – De que maneira a Fundação é mantida financeiramente?
Armando – Nossas principais fontes de financiamento são doadores tradicionais, como instituições bilaterais e multilaterais, fundações e organizações internacionais, empresas, eventos e doações de indivíduos. Além disso, temos retorno de investimentos feitos a partir do patrimônio financeiro da própria fundação. Rentabilizamos esse patrimônio, doado em 1994 pelos fundadores, indivíduos, pequenos comerciantes e empresas locais, com aplicações financeiras e investimento imobiliário.

redeGIFE – Quais são as áreas sociais que mais necessitam de investimento na África?
Armando – Na África, metade da população – 340 milhões de pessoas – vive com menos de um euro por dia. A taxa de mortalidade entre crianças com menos de cinco anos de idade atinge 140 a cada mil, e a esperança de vida é de apenas 54 anos. Somente 58% da população tem acesso à água potável, e a taxa de analfabetismo entre pessoas com mais de 15 anos atinge os 41%. Portanto, falar dos setores sociais na África é falar essencialmente da satisfação das necessidades básicas da maioria da população, particularmente aquela que vive nas zonas rurais. Redução da pobreza e do fosso na educação, com particular atenção à mulher e à informação para o desenvolvimento local, saúde, fortalecimento dos sistemas agrários e segurança alimentar são alguns temas que devem ser tratados com prioridade.

redeGIFE – Como é a atuação das empresas em projetos sociais em Moçambique?
Armando – É muito incipiente. Há anos elas têm enfrentado as calamidades naturais e a crise resultante das oscilações do mercado mundial. Devido a razões históricas e a vicissitudes diversas, o setor privado moçambicano ainda é emergente e encontra-se fragilizado num mercado de elevada exigência. A sua base de acumulação é recente, e sua capacidade técnica e de gestão, muito precária. No entanto, nos últimos cinco anos, começamos a ter a contribuição de algumas multinacionais, com conhecimentos e experiências de investimento social, principalmente por meio de doações a projetos de ONGs, patrocínios a eventos e campanhas de sensibilização pública, movimentos esportivos e culturais. A lei de mecenato foi aprovada, mas ainda não está regulamentada e operacionalizada. Ela deve encorajar a participação do setor privado em ações sociais, com o benefício de isenções fiscais em contrapartida.

redeGIFE – As organizações internacionais têm apoiado de maneira significativa o financiamento a projetos sociais nos países africanos?
Armando – De maneira geral, os doadores reconhecem a necessidade de apoiar e fortalecer a sociedade civil. São várias as modalidades e estratégias de apoio. No entanto, apesar desse interesse, a maioria ainda não tem uma estratégia integrada de apoio. Em parte, isso acontece devido à falta de conhecimento aprofundado e global dos atores locais, das suas capacidades, potencialidades, das áreas onde têm vantagens comparativas e onde pode ser maior a complementaridade com ações do governo. De modo geral, eles partilham da convicção de que não é dando dinheiro que podem melhor apoiar a sociedade civil africana. Pelo contrário, os riscos de subverter dinâmicas internas, alimentar os já elevados níveis de corrupção, aumentar ainda mais as dependências destas organizações face aos doadores, com implicações para a credibilidade das mesmas face ao governo e aos grupos-alvo, são preocupações partilhadas também por muitos deles.
Também nota-se que não existe cooperação e é quase nula a troca de experiência entre eles. De um modo geral, reconhecem a necessidade de apoiar a sociedade civil na África, mas geralmente são unânimes em reconhecer o quanto é difícil prestar um apoio efetivo para o seu desenvolvimento, em grande parte devido à falta de conhecimento aprofundado sobre os atores da sociedade civil.
Para finalizar, utilizo as palavras da presidente da FDC, Graça Machel: “”Desenvolvimento depende dos africanos””. Ela diz que os recursos para o crescimento da África estão dentro do próprio continente, e o dinheiro dos ricos africanos, a sabedoria popular e o conhecimento já produzido pelas instituições científicas devem ser utilizados em parceria com os países desenvolvidos.

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