Sociedade civil como as chaves do futuro

Por: GIFE| Notícias| 28/02/2012

Mandeep Tiwana*

Apesar de os levantes que estremeceram os regimes da região árabe terem sido espontâneos e refletirem o colapso da tolerância das pessoas com o sistema, as organizações civis têm agora um papel crucial a desempenhar para assegurar que a euforia do momento gerado pelos revolucionários não se perca. Este foi o consenso geral da sessão plenária no CIVICUS World Assembly de 2011, que reuniu mais de 800 representantes da sociedade civil, governos, organismos multilaterais e mídia para discutir o papel a desempenhar pela sociedade civil antes e depois das revoluções.
À medida que transcorre a transição de ditaduras para regimes democráticos em muitas partes da região, os analistas alertam que desfazer-se dos ditadores é a parte fácil. O sistema de clientelismo que eles têm presidido será mais difícil de desmantelar. O que é visto como uma revolução, poderá ser uma simples rotação das elites. Neste contexto, a sociedade civil é necessária para vigiar como está sendo elaborada a nova constituição e as instituições do Estado.
Entre as diversas funções que as Organizações de Sociedades Civis (OSCs) podem desempenhar inclui a coordenação de diferentes e, às vezes, difusos grupos que participaram da revolução de modo que eles possam atuar como mantenedores do espírito revolucionário e vigilantes dos novos responsáveis do poder. Eles podem propor emendas na constituição e leis, defender e divulgar as propostas e oferecer meios para a participação contínua e construtiva de aqueles que se mobilizaram pela revolução.
Paralelo a tudo isto, a sociedade civil clássica continua no seu papel de assegurar o funcionamento dos serviços essenciais quando os recursos humanos e financeiros são escassos.
Os doadores também têm um papel a desempenhar em ajudar as OSCs a liberar estes papeis, muitas vezes devido à oposição de governos que a sociedade civil intervenha na esfera política.
A função da sociedade civil na reconstrução da nação após o conflito.

Três exemplos da participação da sociedade civil na construção da nação em situações de diferentes contextos após os conflitos dão uma ideia de como podem ser estas participações.

Libéria
Na Libéria, os grupos de direitos femininos tomaram a iniciativa de resolver o aparente e interminável ciclo de conflitos que arrasou o país nos anos 1990 até início de 2000. A rede de Mulheres para a Construção da Paz mobilizou um distrito anteriormente excluído que exercia uma pressão crítica para juntar os partidos de oposição para a mesa de negociação. Em último, a análise levou para um compreensivo acordo de paz assinado em Accra, Gana, pelos três beligerantes e 18 partidos políticos em 2003.
É significativo que o governo de transição que foi colocado para as eleições de 2005 incluiu representantes da sociedade civil. Quando as eleições foram organizadas, grupos de mulheres mobilizaram esse público mulheres para participarem em amplo número, o que levou a Libéria a ter a primeira presidente eleita.
Kosovo
Em Kosovo, depois do conflito de 1998-99, o Conselho pela Defesa dos Recursos Humanos e Liberdade trabalhou intensamente para destacar os casos de abuso do regime Sérvio, em colaboração com o tribunal internacional da Antiga Iugoslávia (ICTT) para recolher evidências de abusos dos direitos humanos e crimes contra a humanidade. Além do mais, as OSCs tiveram um papel importante na documentação dos massacres em Drenícia, onde ocorreram execuções em massa de albaneses étnicos por várias Forças Especiais Sérvias. O trabalho chamou a atenção global às atrocidades para organizações semelhantes de outros países, gerando mobilização, solidariedade e chamados para mudanças.
África do Sul
A África do Sul teve que lidar não apenas com o problema defensivo de partidários e das forças policiais, ou mesmo com o enorme problema de pessoas morando na pobreza extrema l- com esperanças de que suas vidas melhorariam rapidamente com a entrada da democracia. Os membros da sociedade civil tiveram um desempenho vital na reorientação e no treinamento das forças de segurança em direitos humanos assim como também na ajuda para ordenar e implementar o Programa de Reconstrução e Desenvolvimento (PRD) do governo de Mandela, para expandir os direitos sociais e econômicos dos grupos anteriormente marginalizados. O próprio programa foi liderado por um conhecido ativista, Jay Naidoo, e lhe foi dado um status de ministro no governo.
Uma função política, mas não partidária
Um seminário internacional sobre ‘transição democrática’ organizada em Março de 2011 pela International Federation for Human Rights (FIDH) [Federação Internacional para os Direitos Humanos FIDH], a Euro-Mediterranean Human Rights Network [Rede Euro – Mediterrânea de Diretos Humanos] e suas organizações membros enfatizaram o papel chave da sociedade civil tunisiana. Os delegados identificaram uma série de objetivos para o país incluindo a introdução de uma constituição que incorpora padrões dos direitos humanos internacionais nas leis locais.

A sociedade civil tunisiana também anunciou os planos para participar no processo em andamento para engendrar liberdades democráticas e justiça social. No entanto, eles declararam enfaticamente que a intenção deles não era a de “ser substitutos dos partidos políticos”, mas “construir projetos políticos que os cidadãos pudessem administrar”.

Isto significa um desafio às OSCs para conectar online os ativistas e difundir os movimentos e espaços onde as pessoas podem participar para ajudar a colocar à disposição uma grande variedade de ferramentas de responsabilidade social. Também sugere ser um desafio para os doadores que sustentam as OSCs de modo a respeitar as minúcias da sociedade civil local e na formação de amplas coalizões cívicas em vez de transplantar os modelos das ONGs ocidentais, um movimento que fracassou depois da onda de revoluções das sociedades pós-comunistas. Na análise da CIVIUS ainda são necessárias as OSCs como eixos do ativismo, a advocacy e o escrutínio do Estado.
Isto torna tudo muito mais intrincado em comparação com o papel de uma sociedade civil organizada em transições democráticas. Isto é deliberadamente negligenciado por muitos governos da região árabe e até mesmo no próprio Egito, onde as crescentes restrições estão dificultando o acesso a fundos filantrópicos internacionais para apoiar as suas atividades. Em julho, o Ministro Egípcio de Solidariedade Social advertiu as OSCs para não requerer fundos estrangeiros e anunciou a intenção oficial da formação de um comitê para estreitar os controles legais de doações estrangeiras para grupos da sociedade civil.
Em Bahrein, as legítimas demandas dos ativistas da sociedade civil para as (muito necessárias) reformas democráticas estão sendo esmagadas para manter o regime no poder. Um número de proeminentes ativistas da sociedade civil, que poderia participar com um papel chave em resolver o impasse político do país, recebeu sentenças draconianas em pseudojulgamentos nas cortes militares por exercerem seus direitos em manifestações pacíficas.
Na Síria, também os ativistas desafiantes têm duas desoladas escolhas: serem esmagados pelos militares ou serem exilados. Acima de tudo, a instituição mais poderosa do mundo responsável pela manutenção da paz e segurança permanece paralisada. Uma resolução do Conselho de Segurança da ONU condenou a violência patrocinada pelo Estado, que até agora matou 2.700 pessoas e, de acordo com as estimativas da ONU, permanece obstruída com influentes membros que se opõem à resolução ou se abstém nas votações.
O Iêmen, um dos países menos desenvolvidos de acordo com a classificação da ONU, continua com o esmagamento da sociedade civil a favor da democracia apesar de até os seus cambaleantes serviços públicos precisarem do apoio da sociedade civil. Para tentar chamar a atenção da comunidade internacional sobre a sua situação desesperada, o Comitê do Prêmio Nobel ao anunciar o Prêmio Nobel da Paz de 2011 para a proeminente jornalista iemenita, enfaticamente observou: “Nas circunstâncias mais difíceis, antes e depois da Primavera Árabe, Tawakkul Karman tem desempenhado uma liderança na luta dos direitos das mulheres e pela democracia e paz no Iêmen.”
O papel dos grupos da sociedade civil é chave para assegurar uma paz justa e uma segurança duradoura na região do MENA. (Oriente Médio e Norte da África). Ironicamente, em vez de adotar as soluções oferecidas pela sociedade civil, os governos estão perseguindo os ativistas.
Atualmente, por um lado, a maior parte da região permanece paralisada pelos impasses políticos entre os ativistas pró-democracia e a sociedade civil organizada e, por outro lado, os líderes autoritários e o seu regime apoiado pelos militares.

Até nos países que têm passado por mudanças os argumentos pela democracia não estão ganhos e o apoio às OSCs é uma parte crítica para solidificar e crescer o que foi conquistado. A comunidade internacional, o setor filantrópico e em particular, a ONU, não podem ficar à espera, observando a continuidade desta luta injusta.


Manndeep Tiwana é gerente de políticas da CIVCUS: World Alliance for Citizen Participation. (Aliança Mundial Para a Participação Cidadã). Email: [email protected]

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