“Sociedade deve ajudar população a ajudar o país””, diz Ladislau Dowbor

Por: GIFE| Notícias| 19/09/2005

MÔNICA HERCULANO
Repórter do redeGIFE

O Relatório de Desenvolvimento Humano 2005 apresenta o mais recente quadro do desenvolvimento humano no mundo. No que diz respeito ao ranking dos 177 países e territórios quanto ao Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), o Brasil ocupa hoje a 63ª colocação. No relatório de 2004, o país aparecia em 72º lugar, mas os dados não podem ser comparados aos dos relatórios anteriores, pois houve uma revisão e atualização de indicadores, tanto no que diz respeito à metodologia quanto aos dados utilizados.

Para poder verificar as tendências no desenvolvimento humano, as novas séries estatísticas foram utilizadas não só para calcular o IDH de 2003 (os relatórios sempre se referem ao IDH de dois anos antes), mas também para recalcular o índice de 2002 e de outros sete anos de referência: 1975, 1980, 1985, 1990, 1995 e 2000. Assim, o ranking do RDH 2004, no qual o Brasil aparecia em 72º lugar, foi refeito com base em dados mais recentes, o que colocou o país em 63º lugar – a mesma colocação em que está no RDH 2005.

A decomposição do IDH mostra que, em esperança de vida, o Brasil supera a média global, mas não a latino-americana. Em educação, o país tem desempenho melhor em ambos os casos, tanto no que diz respeito à média mundial quanto à média regional. Já no sub-índice de renda, os brasileiros estão abaixo dos índices mundial e da América Latina.

O estudo mostra que, no Brasil, os 10% mais ricos têm 46,9% da renda. Apenas em sete países esta parcela da população se apropria de uma fatia da renda nacional maior que a dos ricos brasileiros: Chile (47%), República Centro-Africana (47,7%), Guatemala e Lesoto (48,3%), Suazilândia (50,2%), Botsuana (56,6%) e Namíbia (64,5%).

Em entrevista ao redeGIFE, o economista político Ladislau Dowbor fala sobre distribuição de renda e a participação das comunidades em ações contra a desigualdade social.

redeGIFE – Existem casos de ações e projetos de empresas e organizações da sociedade civil que ajudam a transformar índices de pobreza e violência, por exemplo, em alguns municípios brasileiros. O que pode/deve ser feito por esses atores para melhorar o IDH brasileiro?
Ladislau Dowbor – O IDH no Brasil apresenta médias, quando dentro de cada município existem tragédias, grandes áreas de miséria e exclusão, cujo IDH específico é simplesmente obsceno. São segmentos da população cujo grau de pauperização (em termos de dinheiro, de saúde, de nível de educação e outros fatores de oportunidade) os reduze à impotência. Esta impotência é particularmente dramática para os jovens, que se sentem excluídos de um mundo que não entendem.
É uma questão de elementar decência, e não de opções de esquerda ou direita, os segmentos organizados da área empresarial, da sociedade civil e das administrações municipais tomarem iniciativas no sentido de abrir sistematicamente oportunidades para essas pessoas. As formas são diversificadas, pois a pobreza não é uma categoria abstrata, é composta por pessoas concretas, com culturas e potenciais diferenciados. É preciso traçar políticas junto com essas pessoas, identificando o que elas mesmas acham mais importante, e organizando parcerias para trazer respostas.

É bom lembrar que o então prefeito de Santos, David Capistrano, frente à poluição generalizada das praias, em vez de contratar grandes obras de empreiteiras, ou de inventar uma Secretaria da Praia, cadastrou os desempregados, identificou as ações necessárias e montou a Operação Praia Limpa, que resgatou a qualidade das praias, tirou os desempregados e suas famílias da miséria, deu a elas o orgulho de terem recuperado com o seu trabalho uma faceta importante da cidade. Como as praias limpas voltaram a atrair turistas, só o que os hotéis e os restaurantes pagaram a mais de impostos financiou tudo o que foi gasto com a Praia Limpa. Trata-se de articular de forma inteligente fatores subutilizados de produção que aí estão, à espera de parcerias e de iniciativas.

redeGIFE – O índice relativo à renda do brasileiro, de acordo com o Relatório de Desenvolvimento Humano do Pnud, está abaixo das médias latino-americana e mundial. O estudo identifica que a transferência de 5% da renda dos 20% mais ricos para os mais pobres reduziria a taxa de pobreza de 22% para 7%. Essa “”transferência”” é viável no Brasil hoje?
Dowbor – O problema número um do país, e de longe o primeiro, é a desigualdade. É em função do impacto sobre este principal fator de atraso que devem ser medidas as políticas. Um conjunto de iniciativas em torno do Bolsa Família, ao atingir 7,5 milhões de famílias (cerca de 30 milhões de pessoas), constitui uma iniciativa importantíssima. Mas é apenas uma forma de se enfrentar o problema. O aumento do financiamento à agricultura familiar, que quadruplicou o financiamento do Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar), atingindo 1,5 milhões de famílias, constitui outro fator importante, sobretudo porque já dinamiza atividades produtivas. Não há contradição entre programas compensatórios e os que “”ensinam a pescar””. A pessoa para aprender a pescar precisa ter alguma coisa na barriga. A conta que fazemos tem de ser completa. Quanto custaria ao país não ter este tipo de iniciativa, em termos de doenças, de criminalidade, de produtividade do ensino etc.?

Temos no país 180 milhões de habitantes, dos quais 120 milhões estão em idade ativa (entre 15 e 64 anos de idade), e destes, apenas 80 milhões formam a população economicamente ativa. Se descontarmos ainda os 20% (metodologia Dieese) de desempregados sobre a PEA de 80 milhões, constatamos que são 65 milhões de pessoas que carregam o piano no país. Ou seja, a subutilização da mão-de-obra é um fator central da baixa produtividade geral.

Por outro lado, temos de aumentar a produção de alimentos, construir sete milhões de casas para quem mora de maneira desumana, organizar iniciativas de saneamento básico em praticamente todos os municípios do país. Estas iniciativas, indispensáveis ao reequilíbrio geral, são pouco intensivas em capital e muito intensivas em mão-de-obra pouco qualificada, que é o que temos de sobra, e que coincide com as famílias mais necessitadas.

A opção é clara: trata-se de ajudar esta gente a ajudar o país, organizando em cada cidade um mutirão de melhoramentos, através de frentes de serviços urbanos, cooperativas, associações de bairro ou o que seja. A Índia acabou de aprovar uma lei que garante 100 dias de emprego por ano a uma pessoa por família, inicialmente em 200 dos 600 distritos do país, para fazer melhorias nas infra-estruturas. Os Estados Unidos, que estão recriando rapidamente zonas de grande miséria, aprovaram o Community Reinvestment Act (CRA), lei que obriga as instituições financeiras a direcionar parte das poupanças que administram para financiar iniciativas de desenvolvimento local.

Acabou o tempo em que só o Estado de um lado, e a empresa de outro, resolviam tudo: hoje se trata de gerar iniciativas articuladas em cada município, com as administrações municipais dando apoio financeiro, legal e técnico, as empresas apoio financeiro e organizacional, as organizações comunitárias articulando as iniciativas em função das suas necessidades e assim por diante. Peter Drucker dizia, de maneira simpática: “”Não haverá empresa saudável numa sociedade doente””.

Associe-se!

Participe de um ambiente qualificado de articulação, aprendizado e construção de parcerias.

Apoio institucional