Soma de pequenas doações garante sustentabilidade de projetos

Por: GIFE| Notícias| 12/11/2001

Uma doação esporádica de um empresário pode ser considerada ação social? Ou apenas os projetos estruturados e de longo prazo?

A pesquisadora Anna Maria Peliano, coordenadora da pesquisa Ação Social das Empresas, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), lança em dezembro o livro Bondade ou interessse? Por que as empresas atuam no social. Em entrevista ao redeGIFE ela fala sobre a publicação e a polêmica em torno do que pode ou não ser considerado uma ação social privada.

redeGIFE – Qual é a abordagem do livro?
Anna Maria Peliano – Ele traz uma análise qualitativa da atuação das empresas do Sudeste com base nos dados da pesquisa Ação Social das Empresas. Verificamos como se dá o processo de decisão dentro das empresas, qual equipe está envolvida nas ações, a questão do orçamento, a avaliação dos projetos, a relação com o Estado e as principais dificuldades. É uma análise mais completa e complexa do que a primeira, que mostrou mais números.

redeGIFE – O que a senhora considera como ação social empresarial em sua pesquisa?
Anna Maria – Desde pequenas doações eventuais até grandes projetos bem estruturados. Qualquer tipo de ação voltada para beneficiar a comunidade em caráter não obrigatório foi considerada ação social, seja feita eventual ou sistematicamente.

redeGIFE – Não é arriscado unir em um mesmo conceito o empresário que desenvolve umamplo programa social e aquele que faz doações pontuais ou trabalhos assistencialistas?
Anna Maria – Eu acho que não tem risco algum. Como digo que estou tratando desde pequenas doações até grandes projetos, eu não estou induzindo uma interpretação. Eu não quis fazer uma pesquisa restrita aos grandes empresários. Eu quis saber se a rede de pequenos empresários também investe na área social. A soma de pequenas doações é muito importante sob a ótica de quem recebe e pode até sustentar um projeto. E o que percebo entre os grandes empresários é que ao mesmo tempo em que desenvolvem ações amplas, fazem doações eventuais e de menor porte.

redeGIFE – Que critérios a senhora levou em conta para desenvolver este conceito?
Anna Maria – Nós debatemos bastante o assunto. Poderíamos ter tirado as doações eventuais da definição. Mas seria difícil depois mensurar o que é a pequena doação. Seria em relação a que? Um investimento de R$ 100 ou R$ 200 por ano pode ser muito para um pequeno empresário. Excluir os atos esporádicos seria dizer que as pequenas empresas não fazem nada na área social. E mais: você pode fazer só uma doação ao ano, mas sustentar um projeto com isto. Dessa forma, também não é a periodicidade que determina se é ou não ação social. Por exclusão, chegamos à conclusão que o único conceito que poderíamos usar em larga escala e que valesse para todos é este mais abrangente.

redeGIFE – E este conceito dá para diferenciar a ação feita para o público interno daquela feita para o público externo?
Anna Maria – Diferencia. A gente só abordou as ações que estão sendo feitas para o público externo. Pode ser que aténa comunidade estejam os empregados e suas famílias, mas as ações têm que estar abertas para a comunidade. Nisso fomos bem claros.

redeGIFE – Ao contemplar doações eventuais, a pesquisa não dá uma falsa impressão de qual é o verdadeiro engajamento do empresariado brasileiro na transformação da realidade social?
Anna Maria – Não. O que a pesquisa está mostrando é que eles participam e que estão predispostos a ajudar. O que vai dar o peso dessa participação é o volume total de recursos aplicados pois mostra um retrato da atuação do setor privado. O engajamento é diferenciado entre grandes e pequenos. Mesmo se separarmos entre os que fazem doação e os que tem um projeto não teremos uma massa homogênea. Não podemos menosprezar as pequenas doações pois elas também são essenciais. Não adianta nada fazer um programa de educação se essa criança não estiver alimentada ou se a família dela não tiver alguma assistência. Temos que valorizar a doação pontual e o projeto estruturado. A população tem necessidades emergenciais. Um hospital da periferia pode estar precisando de remédio e uma empresa vai lá e doa os medicamentos. É uma doação que podemos até considerar como assistencialista. Mas isso não é importante?

redeGIFE – Como a senhora avalia o estágio atual da participação dos empresários na transformação do cenário social brasileiro?
Anna Maria – Acho que essa questão da transformação é mais complexa. O que eles estão fazendo é dar apoio à comunidade. A transformação da sociedade é mais ampla. Não temos que olhar o comportamento das empresas só na área social, mas também em outros setores. Nas relações de trabalho, com o meio ambiente e com os consumidores. É aí que a gente transforma uma sociedade. Transformar a sociedade não é só agir em comunidades carentes. É uma postura maior.

redeGIFE – Quais são as ações mais realizadas de acordo com a pesquisa e qual público elas beneficiam?
Anna Maria – Quando analisa todo o conjunto as ações mais realizadas são as de assistência e alimentação e o público a criança. Se você olhar só para as grandes é a educação e os jovens.

redeGIFE – Qual estado mais se destacou na pesquisa?
Anna Maria – Minas Gerais e em segundo a Bahia. A análise é proporcional ao número de empresas que estão em cada Estado.
redeGIFE – A que a senhora considera que se deve este fato?
Anna Maria – O que a gente tem como hipótese é que não é só a questão econômica que pesa na participação. Questões culturais, sociológicas e religiosas influenciam na forma como a sociedade se organiza. Outros fatores são determinantes. Não é só o PIB ou o faturamento do Estado, ainda que eles tenham um peso grande. Afinal, Minas e Bahia não são os estados mais pobres do país.

redeGIFE – Algum resultado da pesquisa chegou a surpreendê-la?
Anna Maria – Eu não esperava que a participação fosse tão grande. Nem o volume de recursos investidos pelas empresas. As regiões Sudeste, Nordeste e Sul aplicam R$ 4 bilhões por ano, sendo R$ 3,5 milhões só do Sudeste. Mas há muito para crescer. No Sudeste, por exemplo, este montante represente 0,6% do PIB da região. No Nordeste e no Sul eles investem 0,2% do PIB.

redeGIFE – Que contribuição a senhora espera que esta pesquisa traga ao desenvolvimento social do país?
Anna Maria – Ela traz subsídios para que as próprias empresas possam refletir sobre a sua situação e buscar formas de aprimorar a sua atuação. Além disso, ajuda as organizações sem fins lucrativos a ter informações para facilitar o trabalho de parceria com o setor privado e oferece instrumentos para o governo refletir sobre a atuação em conjunto Estado-sociedade civil. A pesquisa também mostra dados para a sociedade, que já está consciente que as empresas não existem só para fazer produtos e ter lucro. Aliás, a divulgação deste estudo tem sido muito importante para trazer esse debate.

redeGIFE – Além do livro em dezembro, quais são os próximos passos?
Anna Maria – Em 2002 vamos concluir os resultados qualitativos nacionais. Depois ainda não sabemos. Talvez repetir a pesquisa para observar como foi a evolução dos números.

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