Stela Barbieri, da Bienal de Artes de São Paulo, reflete sobre o investimento social em arte, cultura e cidadania

Por: GIFE| Notícias| 21/07/2014

Por trás de uma obra de arte se acomodam muitos significados. O acesso a espaços de cultura pode mudar a relação de uma pessoa – criança, jovem ou adulto – com a seu meio, com sua cidade, com as pessoas com as quais ela se relaciona. Para entender a importância do trabalho dos educativos em instituições culturais, conversamos com Stela Barbieri, artista plástica, educadora, escritora e, entre outras atividades, responsável pelo educativo da Bienal de Artes de São Paulo. Nessa conversa, ela fala sobre investimento privado, trocas entre centro e periferia, formação de educadores e, claro, a experiência de ver, apreciar, experimentar e falar sobre arte e cultura. Confira:

redeGIFE – Como o contato com produções artísticas pode ajudar um cidadão a desenvolver um novo olhar para a cidade, para o mundo?

Stela Barbieri – O artista e educador Robert Filliou falava que a arte é o que faz a vida ser mais interessante que a arte. Acho que ele tem razão: a arte nos sensibiliza para a vida, nos faz prestar atenção às filigranas, aos pequenos detalhes, àquilo que pode tantas vezes passar desapercebido. Isso acontece com todos, indivíduos e grupos: olhar para a arte, conversar sobre o que ela desperta em cada um de nós, nos dá a possibilidade de perceber outras formas de atuação.

redeGIFE – Um conceito muito comum no terceiro setor e entre investidores sociais é “”democratização do acesso à cultura””. Você acredita que a arte está distante das massas, em especial daqueles que têm piores condições financeiras?

Stela Barbieri – A área de arte e educação vem se expandindo muito ao decorrer dos últimos 20 anos. A grande maioria das instituições culturais das capitais brasileiras tem educativos dentro de suas áreas de trabalho e equipe. Isso se faz necessário, pois o ensino da arte nas escolas ainda se mostra bastante precário e as instituições culturais acabam fazendo um papel de formação dos vários públicos.

redeGIFE – Você acha que a máxima de que “”consumir cultura no Brasil é muito caro”” é verdade?

Stela Barbieri – A grande maioria das instituições culturais apresentam programação gratuita pra quem não pode pagar. O papel dos educativos nas instituições culturais é, justamente, aproximar as pessoas do universo da arte. Produzimos conteúdo, materiais educativos, encontros de formação, temos a intenção de dar subsídios para que a experiência com arte possa acontecer e para que as pessoas se sintam acolhidas e bem recebidas nas instituições culturais e tenham a possibilidade de uma boa experiência com a arte.

redeGIFE – Como promover um diálogo e uma circulação de produções entre o centro e a periferia? É possível levar o público dos centros culturais institucionalizados – museus, cinemas, teatros – para conhecer as produções da periferia? E o inverso, qual a melhor forma de fomentar essas oportunidades de vivência?

Stela Barbieri – A melhor forma para que os deslocamentos aconteçam são os encontros e a troca. A Bienal já há muitos anos tem feito ações com as comunidades que estão em bairros periféricos e tem aprendido muito com isto. Fazemos um trabalho que se chama Ações com a Comunidade e a relação se estabeleceu de tal forma que as proposições de ação podem ser feitas por nós ou por eles e definimos juntos o que vamos fazer.

Na 29a bienal tínhamos espaços de encontro que se chamavam terreiros, onde aconteciam apresentações de musica, literatura, teatro, dança, performance, e a Bienal, em parceria com o MINC [Ministério da Cultura], trouxe pontos de cultura do Brasil inteiro aos terreiros, além dos vocacionais que vinham dos CEUs.

Na 30a bienal convidamos os saraus da periferia pra virem à bienal e nós aos lugares onde as pessoas vivem, vamos lá conhecer, trocar, dar cursos, aprender, ensinar…

redeGIFE – Pode nos contar um pouco do seu trabalho à frente do Educativo da Bienal de Artes de São Paulo? Para quem esse trabalho é voltado? Quais experiências ele promove?

Stela Barbieri – Trabalhar durante estes seis anos como curadora do Educativo na Bienal de São Paulo foi uma experiência intensa e maravilhosa. A escala do trabalho é enorme. Trabalhamos com números que podem chegar a 180 artistas, 850 obras e uma equipe de 500 profissionais para atender um público de 500 mil pessoas. Para vencer tal empreitada, foi necessário procurar ter clareza na definição de rotas desde o início do projeto.

Nossa preocupação já no inicio foi trabalhar com os mais diferentes públicos, dos mais diversos bairros ou cidades, escolas e comunidades, pessoas com diferentes situações sociais ou profissões. Uma bienal é sempre um grande desafio: a localização de um assunto, o desenvolvimento de um argumento, a criação de um projeto, a configuração de um território, o espaço expositivo, as passagens e deslocamentos, os lugares de encontro com a obra, a recepção do público, o que evidenciar em cada trabalho, as relações a serem estabelecidas. Como organizar uma equipe? Como criar um banco de dados e seus devidos mailings? Como fidelizar parceiros? Como organizar nosso projeto por eixos? Como receber bem as pessoas? Como compartilhar as intenções do trabalho com todos os envolvidos na mostra? Como criar espaço para experiências significativas?

Dessa forma, dialogar com professores e educadores pareceu ser o primeiro passo para uma entrada significativa nas escolas, nas ONGs e nas comunidades. Ao produzir os espaços de diálogos, que davam nome às plataformas conceituais, possibilitamos ao público diferentes entradas para leitura da mostra, criamos novos ares, espaços para pensar a arte com um frescor que pôde, a cada momento, revelar novas significações.

Para o Projeto Educativo, a proposta curatorial da mostra propicia uma oportunidade de interlocução com as pessoas e as obras, gerando diálogos entre os integrantes da equipe e o público, facilitando aproximações com a arte, estabelecendo relações entre a arte e a vida cotidiana, formulando questões, problematizando-as e discutindo a essência do trabalho de cada artista e as urgências da vida contemporânea.

redeGIFE – O Brasil precisa investir mais em educação para a arte? Você acha que faltam parcerias entre governos, empresas e organizações sociais nessa área?

Stela Barbieri – Temos sofrido a reverberação de uma ausência do ensino da arte nas escolas por muitos anos, mas tem havido esforço gradativo e com certa constância para que os professores possam ter informação e contato com a arte. Trabalhei durante doze anos como diretora do educativo do Instituto Tomie Ohtake e, logo que entrei lá, realizamos com a prefeitura um curso de 120 horas de formação para 6 mil professores da rede municipal. Recentemente reencontrei alguns desses professores e percebo neles um desenvolvimento muito grande quanto ao seu papel. Eles continuam procurando cursos e formação. Percebo que existe um movimento dos governos, empresas e organizações sociais no sentido de realizar parcerias em projetos educativos. Ainda são insipientes frente à imensa demanda e muitas vezes são pontuais e sem continuidade. A educação exige um grande movimento, a longo prazo, para que o impacto seja efetivo e amplie as perspectivas de formação no ensino formal e não formal.

redeGIFE – Como você vê a importância do setor privado investindo em programas voltados à promoção do acesso à cultura? Quais os espaços para o investimento de empresas, institutos e fundações?

Stela Barbieri – A importância dos investimentos do setor privado em programas voltados à promoção do acesso à cultura é fundamental. Vivemos num país enorme, com questões sociais gravíssimas e toda a sociedade precisa se mobilizar para que haja uma efetiva transformação. Vejo que, sem a iniciativa privada, as ONGs e as instituições culturais não sobreviveriam. As leis de incentivo são uma grande possibilidade para que estes investimentos aconteçam, mas é necessário que as empresas se comprometam ainda mais e a longo prazo para que realmente consigamos mudar a educação em nosso pais. É preciso investir e acompanhar, questionar, contribuir também com ideias e reflexões.

redeGIFE – Além do Educativo da Bienal de Artes de São Paulo, que outras experiências você citaria como referências no Brasil?

Stela Barbieri – O trabalho da Pinacoteca do Estado, do MASP, da Casa Daros, do Instituto Inhotim são bons exemplos a serem observados.

Para conhecer mais o trabalho de Stela Barbieri, acesse o site.

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