Teoria da Mudança e Canvas: uma conexão de impacto
Por: GIFE| Notícias| 20/03/2017
divulgação: Startup Stock Photos
A Teoria de Mudança é uma abordagem funcional para avaliações e planejamentos estratégicos que vem chamando a atenção ao longo dos últimos anos e ganha espaço na agenda global da filantropia e dos negócios de impacto social. A simplicidade desta abordagem, sua capacidade de estruturar uma clara cadeia de valores de impacto e sua forma contemporânea de se expressar por meio de imagens estão entre seus principais atrativos.
Os negócios de impacto social que buscam reunir a entrega de transformações sociais positivas com a geração de lucro têm enfrentado, no âmbito global, o desafio de estabelecer mecanismos de avaliação capazes de verificar se o investimento gerou, de fato, mudanças entre os que acessaram os produtos ou serviços ofertados. As barreiras para a avaliação neste campo são diversas e englobam a pouca maturidade de grande parte dos negócios, os custos operacionais, o conhecimento técnico restrito sobre a matéria, entre outros. E para esta indústria emergente a Teoria de Mudança se estabelece como dispositivo valioso e recurso fundamental para estruturar uma narrativa mínima sobre a lógica de produção do impacto desejado.
Entretanto, experiências recentes com alguns empreendedores de negócios de impacto social acenderam o alerta sobre a potencial desatenção de parte deste grupo para a lógica de impacto ou transformação social de seus negócios. Estes empreendedores mostravam-se muito focados em seu business, desenhado a partir da abordagem de modelo Canvas, mas mostravam-se muito frágeis para expor uma proposta consistente de impacto social. Neste sentido aproximam-se do “business as usual” e tem restrições para se posicionar efetivamente como um negócio social.
A estruturação de um negócio é, em si, um enorme desafio, que consome praticamente toda a energia dos empreendedores. Num ambiente onde vigoram restrições de diversas ordens (financeiras, recursos humanos, infraestrutura, escalabilidade, etc) instalar o imperativo da elaboração de Teorias de Mudança, como bem o fazem fundos, incubadoras e aceleradoras, é demandar novas tarefas para as quais os empreendedores e seus grupos de apoio não reúnem necessariamente as capacidades para realização, ou sequer conseguem priorizá-las ante as milhares de ações a desenvolver. Neste contexto, o que se tem visto é a pressão de fundos de investimento que exigem – bem como criam as condições – dos seus investidos que apresentem uma boa teoria de mudança social do negócio.
O modelo Canvas, composto por 9 campos, se tornou uma unanimidade entre startups na modelagem de negócios inovadores. Sua abordagem simples e de matriz participativa (ou de co-criação, segundo o glossário atual) são qualidades valiosas da proposta. Num cenário dominado por uma forma de pensar orientada pelo Canvas e com muitos desafios a vencer, a Teoria de Mudança corre o risco de se tornar uma retórica de reconhecida importância, mas sem espaço de aplicação objetiva.
Uma experiência recente, conduzida pela Move Social com o apoio do Instituto de Cidadania Empresarial (ICE), encontrou um denominador capaz de reconfigurar o sentido destas Teorias de Mudanças para negócios de impacto social e inseri-las no coração destas iniciativas. O que observamos é que a separação entre as duas ferramentas, o Canvas e a Teoria de Mudança, gera uma armadilha ao isolar dois processos que fazem parte de um mesmo constructo. Articulá-las é inexorável para a saúde do ecossistema de negócios de impacto social.
A junção dos dispositivos é possível de maneira orgânica, uma vez que o modelo Canvas já carrega elementos que dialogam com os componentes da Teoria de Mudança. As atividades e os recursos-chave, por exemplo, se alinham aos inputs. A Proposta de Valor esclarece sobre as necessidades sociais a serem sanadas e pode ser associada aos serviços estratégicos. A segmentação do público é relacionada aos públicos-chave da Teoria de Mudança. Ao mesmo tempo, se propusermos a inserção de três novas categorias no Canvas, tais como os outputs, os resultados e o impacto, estrutura-se um contorno, ainda que inicial, de uma teoria de mudança totalmente ligada ao negócio. E com isso se instala a ruptura. O empreendedor é convidado a pensar sobre seu impacto social “a partir da lógica de seu negócio” (Figura 1). Esta não está apartada ou depositada em uma ferramenta periférica, mas sim imbricada em seu business.
A experiência empírica conduzida pela Move Social e pelo ICE junto a um grupo de 5 startups e uma ONG mostrou a importância de enfrentar o desafio de conectar a Teoria de Mudança ao Canvas. Estas organizações revisitaram seu modelo de negócios inicial e encontraram uma consistência lógica para expressar o impacto desejado, num saudável ir e vir entre ambos, que qualificou a proposta de todos. Claramente observamos que partíamos de um lugar do qual o empreendedor se localiza e tem um mínimo de segurança, seu Canvas, para então entrar em terrenos novos e mais distantes de sua análise, passando por uma cadeia de resultados que a Teoria de Mudança exige conceber.
O experimento está em curso e avançará em 2017. Entretanto, já ousamos afirmar que o futuro dos negócios de impacto social exige, em seu desenho, a articulação destes dois dispositivos. Isolados eles têm limitações e unidos eles trazem uma bela oportunidade de avanço para este campo.