Terceiro setor precisa ser mais pró-ativo junto ao Legislativo

Por: GIFE| Notícias| 27/01/2003

ALEXANDRE DA ROCHA
Subeditor do redeGIFE

Para o consultor jurídico do GIFE, Eduardo Szazi, que acompanha de perto as mudanças na legislação do terceiro setor, falta às organizações monitorar com mais atenção as atividades do Legislativo. Se isso acontecesse, artigos prejudiciais à área, como a minireforma que alterou as regras do PIS ou as alterações no Código Civil que limitam a criação de fundações, não seriam uma surpresa a todos.

Em entrevista ao redeGIFE, ele avalia estas mudanças e aconselha as organizações a terem um papel pró-ativo junto ao Legislativo.

redeGIFE – Esta não é a primeira vez que acontece, no final do ano, uma mudança que prejudica o terceiro setor, como foi com a lei das doações em São Paulo em 2000. Por que isso ocorre?
Szazi – Todo fim de ano é a mesma coisa. O terceiro setor trabalha resgatando a cidadania de parte dos milhões de excluídos e é surpreendido pelo governo. Mas nem tudo é má notícia, já que se manteve o acordado durante a última rodada de negociação de reforma do marco legal no âmbito do Comunidade Solidária, quando foi introduzido um artigo na medida provisória 66, a mesma que estimulou a minireforma, autorizando as OSCIPs (Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público) a remunerarem seus dirigentes sem perda da imunidade ou isenção fiscal.

redeGIFE – O que motiva parlamentares a aprovarem medidas como estas, que podem trazer tantos problemas ao terceiro setor?
Szazi – Não conhecer o terceiro setor. No caso do Código Civil, as medidas estavam no projeto de lei original de 1975 e passaram sem revisão. O setor também dormiu no ponto, pois não se ateve ao projeto enquanto tramitava. Hoje em dia, com a internet, todos os processos legislativos podem ser acompanhados. As organizações podem fazer um monitoramento do Congresso Nacional e das Assembléias Legislativas dos estados. Eu vejo situação similar a essa “”dormida no ponto”” também na lei do imposto de doações aqui do estado de São Paulo, e agora estas questões do PIS e do Código Civil. As três saíram e a gente não sabia porque não há uma mecânica de fazer este acompanhamento. E isso é algo que a sociedade tem que fazer. Aproximar-se dos parlamentares e fazer um acompanhamento do Congresso.

redeGIFE – O senhor não acha que o terceiro setor acaba se agarrando à idéia “”nós temos boa índole, temos objetivos sérios”” e esquece de ficar alerta e fazer este acompanhamento? Que as organizações pensam “”nós somos bons e eles têm obrigação de saber que somos bons””?
Szazi – Acho que a gente não pode imaginar que o terceiro setor é sempre visto como algo bom. Se fosse assim não tinha a CPI das ONGs. Essa visão “”nós fazemos o bem”” não é ampla e irrestrita. O que muita gente pensa é “”eu não sei o que vocês fazem””. Muitos parlamentares dizem que não sabem o que as ONGs fazem porque a própria transparência e a prestação de contas do terceiro setor ainda precisam ser muito desenvolvidas. Por isso é importante a conscientização dos parlamentares sobre quem é o terceiro setor, mas o terceiro setor também tem que se fazer cada vez mais presente e ativo na questão da reforma legal.

redeGIFE – De um modo geral, qual sua avaliação sobre o novo Código Civil no que diz respeito ao terceiro setor?
Szazi – A adoção de um novo Código Civil é positiva, pois contribui para oaperfeiçoamento das relações jurídicas na sociedade e, assim, beneficia o terceiro setor. Nesse sentido, ele incorpora mudanças patrocinadas por organizações sociais desde 1916 – data do antigo código – tais como igualdade de direitos entre homens e mulheres, proteção à personalidade, capacidade jurídica dos povos indígenas, função social das propriedades imobiliárias, direitos iguais aos filhos havidos fora do casamento, revogação de normas que autorizavam a anulação do casamento porque a noiva não era mais virgem, etc.

redeGIFE – Mas há algum ponto específico que ajuda no trabalho das organizações?
Szazi – O Código manteve o sistema. Temos uma proteção constitucional que as associações não devem sofrer interferência do Estado e isso foi mantido. A liberdade de criação das associações também foi mantida e assegurada. Na criação de fundações, tirando a restrição de objetivo, não houve uma restrição ao valor econômico, isto é, para criar uma fundação tem que se ter tantos reais. Além disso, associações e fundações continuaram sendo reguladas de uma forma bem simples. O Código não criou novas obrigações. A vantagem foi manter tudo igual. Pode ter um ou outro artigo específico que afete a vida de uma associação ou fundação. Como são cerca de 2.000 artigos, às vezes uma organização vai ter uma proteção melhor em alguns contratos, em outros mais obrigações a fazer.

redeGIFE – Um dos pontos mais controversos do Código Civil diz respeito ao limite imposto na criação de novas fundações. Qual a polêmica em torno deste ponto?
Szazi – Trata-se da restrição às finalidades das fundações. Desde 11 de janeiro de 2003, somente podem ser criadas novas fundações se tiverem fins religiosos, morais, assistenciais ou culturais. É uma restrição que nunca existiu desde que este país se tornou independente de Portugal. Por outro lado, se as pessoas acham que fins morais contemplam tudo – e assim não haveria restrição – é de se perguntar por que tal dispositivo. A gente tem que partir do pressuposto de que, quandoa finalidade é moral, ela não quer dizer tudo. Não dá para dizer que proteção ao meio ambiente, educação e direitos humanos são fins morais sempre. Alguns podem ser mais claramente, mas não todos. E isso pode levar a uma restrição. Como as fundações dependem de autorização do promotor de justiça para serem criadas, e este promotor é local, você vai ter às vezes uma situação na qual você pode criar uma fundação de meio ambiente em São Paulo, mas não pode no Rio de Janeiro. Por isso o GIFE e a Abong (Associação Brasileira de ONGs) propuseram a revogação da restrição, para manter a liberdade de criação de fundações que existia desde o início do século XIX.

redeGIFE – Então o risco é real?
Szazi – Sim, o risco é real. A idéia de revogar é acabar com esta possibilidade. Nesse intervalo dá para resolver se alguém tentar criar uma fundação? Dá. Vai depender de negociação. Mas acho que não depender de negociação é mais satisfatório. As pessoas sabem que poderão criar fundações sem problemas.

redeGIFE – Quais as novidades que o novo Código Civil apresenta nos mecanismos utilizados pelas associações para geração de receitas? Estas novidades são boas ou ruins?
Szazi – O Código define as associações como entidades sem fins econômicos. Acho essa definição complicada, pois diversas associações tem projetos de geração de renda e, a depender da forma como um fiscal interpreta o termo, poderia levar à lavratura de autos de infração por desvio de finalidade e, assim, impor riscos ao regime tributário das associações. Embora acredite que o assunto pudesse ser resolvido pela doutrina e jurisprudência, sugericombatermos o texto para modificá-lo para “”fins não-lucrativos”” e sepultar de vez qualquer controvérsia.

redeGIFE – Após articulações do GIFE e da Abong, já existem no Congresso Nacional propostas de emendas para alterar alguns pontos do Código Civil. Qual sua avaliação sobre o andamento estas propostas?
Szazi – Como são complexas, demoram um pouco, mas acho que andaram o que era de se esperar para um ano eleitoral.

redeGIFE – Mas o senhor acha que há pré-disposição do legislativo para aprovar?
Szazi – A estratégia adotada pelo GIFE e a Abong foi colocar estas mudanças em um projeto de lei com outros pontos porque nós observamos que o terceiro setor sozinho não teria força. Portanto, pegamos um projeto de lei que trata de várias reformas do Código Civil, de modo que este projeto vai ter pressão para andar de vários setores. Acho que neste ano vai ser possível ele ser aprovado. Agora tudo vai depender da mobilização.

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