Transporte público adequado pode ajudar a diminuir pobreza

Por: GIFE| Notícias| 04/08/2003

MÔNICA HERCULANO
Repórter de redeGIFE

Lançado recentemente pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), o estudo Transporte Urbano e Inclusão Social: Elementos para Políticas Públicas destaca a importância da adequação dos serviços públicos de transporte coletivo urbano como instrumento de promoção da inclusão social.

Em entrevista, Alexandre Gomide, autor do estudo, fala ao redeGIFE sobre os resultados do trabalho.

redeGIFE – O que uma política de transporte público urbano voltada à inclusão social deve ter como prioridade?
Alexandre Gomide – O deslocamento das pessoas, não dos veículos. E devem ser priorizados investimentos para os modos de deslocamento coletivos e não-motorizados. O automóvel é o grande consumidor dos recursos e do espaço viário. Não faz sentido o ônibus disputar o espaço das ruas com os carros particulares, que transportam menos pessoas, ou os pedestres serem as maiores vítimas fatais do trânsito, por não caminhar com segurança. Além disso, o automóvel é um grande causador de externalidades negativas, como acidentes, congestionamentos e poluição. Priorizar aquilo que traz mais benefícios para a sociedade não é só questão de justiça social, mas, sobretudo, de bom senso.

redeGIFE – Quais são as medidas mais urgentes para solucionar os problemas do transporte público coletivo nas grandes cidades?
Gomide – Acredito que as medidas devem seguir três grandes diretrizes: adequar os serviços às necessidades dos usuários mais pobres, reduzir as tarifas, priorizar os modos coletivos e não-motorizados nas políticas públicas.

redeGIFE – O estudo diz que os impactos do transporte urbano na pobreza podem ser diretos ou indiretos. Quais são esses impactos?
Gomide – Os impactos indiretos podem ser definidos pelo que os economistas chamam de externalidades positivas, ou seja, um sistema de transporte coletivo eficiente e de qualidade contribui para diminuir os congestionamentos e seus custos urbanos, além de colaborar para a sustentabilidade ambiental, melhorando a qualidade de vida da população e aumentando a competitividade das cidades. À medida que esses são elementos importantes para as decisões das empresas e de suas atividades, um sistema de transporte urbano de qualidade pode contribuir, mesmo que indiretamente, para aumentar o nível de emprego e renda da população. Além disso, a existência de um serviço de transporte público adequado às necessidades da população mais pobre é imprescindível para permitir o acesso dessas pessoas aos serviços básicos e aos equipamentos sociais existentes, como os de saúde e educação, e às oportunidades de trabalho. Estes são os impactos diretos.

redeGIFE – O transporte urbano, segundo pesquisa do IBGE citada no estudo, é o principal item de despesa das famílias de baixa renda com serviços públicos. Podemos considerar que as tarifas de transporte coletivo no Brasil são realmente muito altas?
Gomide – Ao contrário de outros serviços públicos, como o de telefonia, por exemplo, o transporte coletivo é um serviço essencial. Ou seja: as pessoas podem deixar de falar ao telefone, mas não podem deixar de procurar emprego ou ir ao trabalho, à escola ou ao hospital. Daí o peso maior desse serviço público no orçamento das famílias de mais baixa renda. Ao mesmo tempo, as tarifas dos serviços estão muito altas. Segundo os dados disponíveis, as tarifas nas capitais brasileiras subiram, de 1995 a 2002, em média, 25% acima da inflação medida pelo IGP-DI (Índice Geral de Preços – Disponibilidade Interna), que, por sua vez, subiu bem mais do que a inflação oficial (medida pelo IPCA – Instituto Paulista de Ciências da Administração), devido ao alto impacto da desvalorização do dólar na composição do índice. Acredito que as tarifas do transporte são altas por causa de problemas regulatórios. Os serviços de transporte no Brasil precisam passar por uma modernização no que se refere à gestão (privada e pública) e aos mecanismos de contratação e remuneração. O modelo atual não incentiva a eficiência operacional, e o repasse dos eventuais ganhos de produtividade para o usuário.

redeGIFE – O vale-transporte tem sido um meio eficaz de acesso ao transporte urbano?
Gomide – O vale-transpo rte é um mecanismo inovador de subsídio direto ao trabalhador usuário dos serviços. Porém, é restrito aos que têm carteira de trabalho assinada, e mais da metade dos trabalhadores no Brasil estão no setor informal da economia. Se analisarmos os segmentos mais pobres da população urbana, podemos verificar que menos de 20% têm carteira assinada. Por isso o vale-transporte não atinge os trabalhadoresde baixa renda. Falta reformulação ao benefício, visando sua ampliação. Devemos lembrar que desde a sua criação, em 1985/86, seu mecanismo de funcionamento nunca foi modificado. De lá para cá, o mercado de trabalho e o ambiente socioeconômico mudaram bastante. Espero que no momento da discussão da reforma trabalhista haja espaço para discutir o aperfeiçoamento e a expansão desse benefício.

redeGIFE – O estudo diz que uma das medidas que teriam impacto imediato na questão do acesso ao transporte público seria a revisão das gratuidades e dos descontos existentes para determinados segmentos de usuários sem cobertura financeira. Quais são os problemas existentes no que diz respeito às isenções de tarifa de transporte?
Gomide – As atuais isenções não indicam as suas fontes de custeio. Dessa maneira, os usuários que pagam a tarifa é que estão financiando os que não pagam. É como se três pessoas resolvessem viajar de carro e dividir os gastos com a gasolina. Se uma delas deixa de pagar, as despesas vão ser divididas, então, pelas duas outras pessoas. No transporte coletivo acontece a mesma coisa ou talvez seja mais injusto. Quem financia a gratuidade de um funcionário do correio ou policial militar ou de um estudante de classe média é justamente aqueles que não têm direito à isenção nenhuma: o desempregado e o trabalhador do setor informal, que não têm vale-transporte. Isso encarece as tarifas. Entende-se que as isenções devam ser custeadas por recursos extra-tarifários, como as secretarias de educação ou a previdência social fornecerem diretamente as passagens aos estudantes de baixa renda ou aos idosos acima de 65 anos. Os outros trabalhadores podem receber o vale-transporte e não deixar a conta para os outros pagarem.

redeGIFE – Uma das conclusões do estudo é que está em curso uma progressiva expulsão dos mais pobres do acesso aos serviços de transporte público coletivo nos principais centros urbanos brasileiros. Tal expulsão resulta no agravamento da pobreza urbana e dos níveis de exclusão social no país. Por que ocorre essa expulsão?
Gomide – Basicamente por dois fatores: as altas tarifas dos serviços e a inadequação da oferta às necessidades dos mais pobres, como baixas freqüências, serviços que não chegam ou não vão aonde os usuários precisam ir, atrasos e horários inadequados, entre outros.

redeGIFE – Outra conclusão é que o tempo excedente nas viagens poderia ser aproveitado para outras atividades remuneradas ou para satisfação de necessidades básicas, como de lazer. O que poderia ser feito para que esse aproveitamento acontecesse?
Gomide – Um melhor planejamento e gestão da cidade e regulação do solo urbano poderiam fazer com que os pobres não fossem expulsos para as periferias, ao mesmo tempo em que desconcentraria os centros das cidades e as atividades econômicas. Isso aumentaria a acessibilidade da população aos equipamentos urbanos e ao trabalho, diminuindo as necessidades de mobilidade. Uma pessoa que mora perto de suas atividades essenciais (escola, parque, mercado, hospital, igreja, emprego) e das oportunidades de trabalho, diminui o tempo despendido com transporte.

redeGIFE – O estudo fala da importância da participação da sociedade civil organizada na gestão e regulação dos serviços de transporte público. O que ela tem feito nesse sentido?
Gomide – Entende-se que as decisões e as transformações necessárias não podem ficar apenas por conta dos usuais planejadores, tecnocratas, pesquisadores ou consultores especializados. As comunidades precisam ser escutadas, as idéias precisam ser debatidas com a população e a sociedade civil organizada. Nesse sentido, considero fundamental o aprofundamento de experiências locais, como as do orçamento participativo ou da formação de conselhos locais, com a participação do governo, setor privado, ONGs e representantes comunitários.

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