Um programa social pode alavancar o desenvolvimento econômico

Por: GIFE| Notícias| 28/04/2003

ALEXANDRE DA ROCHA
Subeditor do redeGIFE

Um dos idealizadores do Programa Fome Zero, o economista Walter Bélik esteve presente na última sexta-feira (25/4) na Assembléia de Associados do GIFE. Durante o encontro, ele apresentou o programa e debateu como institutos e fundações de origem empresarial podem contribuir. Confira a entrevista concedida ao redeGIFE após o encontro:

redeGIFE – Como o senhor observou a grande mobilização surgida em diversos setores da sociedade a partir do anúncio do Programa Fome Zero pelo presidente Lula?
Walter Bélik – No fundo, essa mobilização foi algo que estava dentro da sociedade e que não conseguia se manifestar. Hoje, a sociedade brasileira está muito organizada. ONGs, empresas e órgãos públicos estão preocupados com a questão social. O fato de você canalizar toda esta ansiedade e motivação para um programa único foi fundamental. Acho que o presidente Lula, ao apontar esta questão que estava adormecida na sociedade, teve o papel de garantir que as coisas vão começar a acontecer daqui para frente. Seja pela mão do governo, seja pela mão da sociedade.

redeGIFE – Como foi que o senhor e outras pessoas tiveram a idéia de criar o Fome Zero?
Bélik – O Fome Zero não é um programa político e eleitoral. Ele é uma proposta de política pública desenhada no Instituto Cidadania, uma ONG multipartidária que tem entre seus conselheiros o Lula. O presidente sempre esteve muito preocupado com a questão da fome, que foi pauta durante a década de 90 pela campanha do Betinho, mas que a sociedade não apresentou nenhuma proposta sinérgica de atuação. Existiam ações isoladas com perdas enormes sobre isso. Assim, no início do ano 2000 foi constituída uma equipe, da qual eu fui um dos coordenadores, com quase 100 técnicos gabaritados em nutrição, economia, saúde etc. O Fome Zero foi discutido em diversos fóruns antes de ser lançado para a sociedade. Após recolhermos críticas e opiniões, o programa foi lançado em outubro de 2001, durante o Dia Mundial da Alimentação. Foi um lançamento no Senado Federal, que reuniu as lideranças de todos os partidos e diversos empresários. Embora o Lula naquela época não fosse candidato, ele já demonstrava capacidade de unir pessoas diferentes em torno de um projeto comum.

redeGIFE – Uma das primeiras polêmicas causadas pelo programa foi se havia ou não fome no Brasil, principalmente a que observamos na África. Porém, vocês alertaram que o Fome Zero traz o conceito da segurança alimentar. O que é exatamente esse conceito?
Bélik – A questão da fome, hoje em dia, está perdendo espaço para conceitos mais amplos. A fome é uma definição clínica de um estado de desnutrição. E a desnutrição tem diversas faces. Tem a desnutrição protéica, anemia, etc. No entanto, a questão da segurança alimentar é uma visão mais ampla. Ela leva em conta a população em estado de risco. Ou seja, são pessoas que, pela renda que recebem e pelas condições de vida que levam, não têm condições de se alimentar com regularidade e qualidade. Isso está presente, inclusive, em camadas mais ricas da sociedade. Nas regiões metropolitanas, o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) considera as famílias com renda total de até cinco salários mínimos como pessoas em situação de risco quanto ao consumo mínimo de calorias diárias. Por exemplo, há o problema de se deixar de almoçar para poder jantar. No Brasil, isso é muito comum. Aqui você pega trabalhadores formais, de carteira assinada, que deixam de almoçar, vendem o vale-refeição e pagam a prestação de uma TV. Não é que eles não têm renda. Isso denota uma falta de educação alimentar, que passa pela questão da segurança alimentar.

redeGIFE – O ministro Graziano citou em uma de suas entrevistas que a ênfase na questão da segurança alimentar pode encurtar o caminho para a erradicação da pobreza. Como isso pode acontecer?
Bélik – Pelo fato de o Programa Fome Zero ser uma ação articulada para o desenvolvimento. Por meio do combate à fome, há ações que garantem aumento de renda e a reinserção da população pobre na atividade produtiva. Da mesma forma que se faz transferências condicionadas ao consumo de alimentos, se exigem determinadas contrapartidas. Essas contrapartidas passam por trabalhos comunitários, acompanhamento de saúde, etc. Todas essas ações permitem um primeiro passo para tirar as pessoas da pobreza. Ao contrário do que se costuma fazer no Brasil, um programa social pode sim alavancar o desenvolvimento econômico.

redeGIFE – De que forma institutos e fundações de origem empresarial que já têm experiências reconhecidamente bem-sucedidas na área social podem contribuir para o Programa Fome Zero?
Bélik – Estes projetos que já mostram resultados podem ser coordenados em torno de um objetivo comum. É possível conciliar esses projetos de uma forma sinérgica, tentando buscar um mesmo resultado. Se há fundações, institutos ou empresas que trabalham na área cultural, por que não trabalhar também a educação alimentar? Se há projetos na área de saúde infantil, vamos ver como está o acompanhamento nutricional destas crianças. Temos que direcionar os projetos em busca de um mesmo objetivo. Ninguém quer convencer as organizações que já realizam um trabalho bem-sucedido a mudar seu campo de ação. Pelo contrário. Temos que intensificar e direcionar essas ações para que elas tenham objetivos complementares ao de outras organizações.

redeGIFE – Como o senhor reage diante das críticas que o Programa Fome Zero recebeu? O que motivam estas críticas?
Bélik – As críticas são positivas. É sempre bom receber críticas, pois o programa vai sendo corrigido com base nelas. Por outro lado, criou-se uma motivação da sociedade, uma ansiedade com relação a resultados, que não são compatíveis com projetos sociais. Os projetos sociais, como todos sabem, são ações de médio ou longo prazo. São ações de convencimento, de mudança de comportamento e de mudanças estruturais que só vão apresentar resultados muito mais para frente. É difícil comparar um projeto social com um projeto econômico. Quando há uma mudança de governo, costuma-se comparar com a manobra de um transatlântico – que não seja o Titanic. Não há como fazer a manobra de um momento para o outro. Você tem que começar a trabalhar antes para que, lá na frente, o transatlântico possa se desviar do rumo que não está sendo correto. Muitas das críticas são de boa-fé e partem de uma certa ansiedade que sociedade tem pelos resultados imediatos. Agora, se estão imaginando resultados imediatos em termos de distribuição de cestas, esses resultados não se sustentam ao longo do tempo. Temos que investir para ir um pouco mais além do número de cestas básicas ou doações distribuídas. Mesmo lá para frente vai ser difícil identificar claramente qual será a origem da mudança, uma vez que o governo está trabalhando com ações integradas que partem da sociedade e de diversos ministérios. Se tivermos uma melhoria da situação nutricional ou queda da mortalidade infantil, será difícil dizer que isso será resultado direto do Fome Zero. Pode ser resultado de todos os programas que estão sendo colocados.

redeGIFE – O Programa Fome Zero contempla a questão da avaliação?
Bélik – Esse é um desafio importante. Ao contrário de outros programas que estavam em funcionamento, o Programa Fome Zero precisa ter uma avaliação constante em andamento. A avaliação vai se dar em dois níveis. No nível qualitativo, ele vai medir as mudanças importantes em termos de comportamento. Por exemplo, as mudanças nas relações familiares com a introdução do programa. Existe também a avaliação quantitativa, mesmo porque o Fome Zero só vai funcionar de forma eficiente se ele tiver esta avaliação quantitativa. Ao mesmo tempo em que você inclui beneficiários no programa, é importante excluir aqueles que vão melhorando de vida. Não é algo para a eternidade. Assim, essa avaliação deve ser feita em vários campos, como renda, aspecto nutricional, etc. Há pouco tempo atrás, por causa da falta de avaliação, existiam mães que deixavam seus filhos desnutridos para continuar recebendo ajuda. É um mundo de desespero. Temos que ter uma avaliação geral. Se a criança for acompanhada e não apontar melhoras, dá para descobrir a razão.

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