Uso de ferramentas online pode potencializar doações se for pautado pela transparência
Por: GIFE| Notícias| 02/02/2018O uso de ferramentas digitais e de narrativas baseadas em dados pode ser aliado do fortalecimento e sustentabilidade financeira das organizações da sociedade civil. Entretanto, grande parte das organizações acredita que as Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) contribuem pouco ou não contribuem para aumentar a captação de recursos. É o que aponta a 3ª edição da pesquisa TIC Organizações Sem Fins Lucrativos (TIC OSFIL 2016), realizada pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil.
Realizada entre maio e setembro de 2016, a pesquisa investiga a existência de infraestrutura de TICs e o seu uso pelas OSCs brasileiras. Mapeia também as capacidades e habilidades acumuladas nas entidades em relação às TICs. Ao todo, foram entrevistadas 4.001 organizações de diversos segmentos, tais como associações patronais, profissionais e sindicais e entidades ligadas às áreas de saúde e assistência social, educação e pesquisa, religião, desenvolvimento e defesa de direitos, dentre outras.
Contexto
Para Iara Rolnik, gerente de programas do Instituto Ibirapitanga, antes de se pensar no uso das tecnologias em si, as OSCs devem se atentar para o contexto econômico e político global e nacional. “Internacional e nacionalmente, existe um movimento de tentar dificultar a existência e prática das organizações e movimentos sociais. Isso é o que chamamos de shrinking space for civil society (em tradução livre, encolhimento do espaço da sociedade civil). São obstáculos em escala global e cuja origem é diversa, mas com alguns pilares comuns, tais como o crescimento de agendas conservadoras, o estreitamento das liberdades de associação e expressão e a tendência dos Estados de aumentar o controle sobre a sociedade”, analisa.
Desta forma, “no Brasil, as organizações têm experimentado – durante os diversos ciclos político-culturais e, mais circunstancialmente, nas últimas décadas – ameaças à sua sustentabilidade, decorrentes da ausência de regras claras na relação entre Estado e OSCs e da fragilidade dos mecanismos de financiamento”, descrevem Iara e Mariana Levy, no artigo “A sustentabilidade econômica das OSCs: um olhar a partir da pesquisa TIC Organizações sem fins lucrativos”, disponível na pesquisa.
Fonte de recursos
Dados disponibilizados pelo estudo mostram que as OSCs têm três principais fontes possíveis de recursos (próprios, privados ou públicos), mas ao contrário do que se imaginava, não sobrevivem majoritariamente de recursos oriundos do Governo (Federal, Estadual e Municipal): para 39% das organizações, a principal fonte de receita são os recursos próprios, ou seja, mensalidades e contribuições sistemáticas de associados, venda de produtos e serviços e contribuições sindicais.
Outra fonte de recursos identificada pela pesquisa são os privados (fonte principal para 33% das organizações respondentes), tendo destaque para as doações de pessoas físicas, correspondente a 24% deste montante. “Esse dado nos deixa surpresos e revela que a sociedade civil se autossustenta. Esta pode ser percebida como uma tendência cada vez maior para os próximos anos, que vem acompanhada do aumento de credibilidade e retomada de confiança nas organizações”, explica Iara.
TICs e doações online
As ferramentas de comunicação online podem ser grandes aliadas na captação de recursos, sobretudo no que diz respeito à doação de pessoas físicas. Para João Paulo Vergueiro, diretor da Associação Brasileira de Captadores de Recursos, o uso dos canais web aproxima as organizações dos potenciais doadores. “Com a internet, um doador que está longe pode doar. Outro, que está mais próximo, pode conhecer o trabalho da OSC, ler seu relatório de atividades. Existe ainda a facilidade de doar online, sem precisar ir na sede da organização ou receber um boleto em casa. A internet é um impulsionador da doação”, analisa.
Apesar de 67% das organizações estarem presentes na Internet, somente 37% possuem site. “As organizações precisam ver a presença online não como uma possibilidade, mas como uma obrigação, e devem entrar de forma organizada, com planejamento, com conteúdo, e não somente estar por estar. Sem contar que a internet estimula a doação para a organização, e não para um de seus projetos. À exceção da captação por meio de financiamento coletivo (crowdfunding), cujo modelo é mais forte na captação por projeto, quase todas as demais formas de doar online são adequadas para doação institucional”, defende Vergueiro.
Fernando Nogueira, coordenador de Inovação em Serviços Públicos na Secretaria Municipal de Inovação e Tecnologia da Prefeitura de São Paulo, e professor de Gestão do Terceiro Setor no curso de Administração Pública da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV-EAESP), concorda: “Existem dois grandes benefícios da internet no âmbito de captação de recursos: ela ajuda a concretizar a doação de forma automatizada e possibilita o fácil acesso às informações e resultados das OSCs.”
Transparência e confiança
Se por um lado, o bom uso das TICs funciona como uma vitrine da organização para o mundo, por outro, amplia o poder de escolha do doador. “Quem doa pode utilizar cada vez mais a internet para melhorar sua capacidade de escolha da organização que o representa. Não é só doar, e sim estudar a organização, buscar seus relatórios, seus documentos contábeis, ver se a organização é transparente e divulga os nomes dos seus conselheiros e diretores, telefone para contato, balanço financeiro, relatório anual etc. O doador tem que ir além da transação financeira, mas efetivamente buscar conhecer – atividades e impactos – da organização para a qual já doa ou pretende doar”, explica Vergueiro.
A pesquisa ainda aponta que organizações que comunicam suas diretrizes, projetos e resultados de maneira efetiva e clara inspiram mais credibilidade e aumentam sua capacidade de captação, atraindo doadores. “De forma geral, os brasileiros não conhecem as OSCs (qual o seu papel para a democracia, como são geridas e como são financiadas). Por isso, a situação delas já é bastante enfraquecida no país. Para que a sustentabilidade seja alcançada, principalmente por meio do apoio financeiro de quem acredita nas suas causas e missões, é fundamental “virar o jogo” das organizações junto ao cidadão brasileiro. É importante que elas comuniquem seu impacto e resultados, e afirmem ativamente que só existem, porque são financiadas com o recurso das pessoas que nelas acreditam”, explica Vergueiro.
Para Iara Rolnik, a construção da confiança – motor da cultura de doação – acontece pela transparência. “Historicamente, nossas OSCs sempre se colocaram num papel de cobrar por transparências, mas poucas vezes olharam para si mesmas enquanto objetos de escrutínio público. Ser pedra é fácil, difícil é ser vidraça. As organizações precisam considerar que não existe transparência sem abertura ao diálogo. Dessa forma, ser transparente é se entender como objeto e se colocar para o diálogo profundo e verdadeiro, e criar espaços para que as pessoas possam dialogar com a organização”.
No ambiente online, para que a transparência e confiança de fato aconteçam, é fundamental manter uma linha de comunicação constante com os doadores. “As organizações têm os e-mails dos seus apoiadores, e por isso podem enviar boletins periódicos, falando de suas atividades e dos impactos alcançados. Produzir e enviar o link para o relatório anual é fundamental também, porque é lá que se encontra a explicação sobre o uso do recurso dos doadores. O site tem que estar atualizado e completo: é preciso incluir nome e currículo dos conselheiros e demais dirigentes da organização, e também disponibilizar online balanços atualizados e auditorias que eventualmente tenham sido realizadas”, completa Vergueiro.
Boas práticas e tendências
Quais os principais mecanismos que podem facilitar a doação via internet? Quais os principais modelos e canais de sucesso da captação de recursos via web? Segundo Nogueira, embora não exista fórmula mágica, algumas dicas podem ajudar:
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Aposte em campanhas nas redes sociais.
De acordo com a pesquisa, redes sociais e email foram vistos como meios mais convenientes para se fazer campanhas de captação;
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Seja transparente e dialogue com o doador.
Quem doa online busca informações. Por isso, os canais de comunicação da organização devem estar sempre atualizados (sites, redes sociais) com informações e linguagem de fácil acesso;
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Insira um botão de doação.
Como mecanismo de doação e pagamento online no site e página da organização no Facebook;
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Diversifique as formas de pagamento online.
Apenas 10% dos doadores online utilizam o cartão de crédito como meio de pagamento. Por isso as OSCs precisam disponibilizar emissão de boleto, transferência bancária etc;
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Não obrigue o doador a preencher 50 campos de um formulário.
Cadastros online devem ser curtos e objetivos.
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Obtenha certificação de segurança em seus meios de pagamento online;
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Aposte na doação recorrente, como modelos de assinatura.
Como tendência do universo das doações online, Nogueira cita tecnologias relacionadas à inteligência artificial, construção de campanhas e narrativas baseadas em dados e métricas (utilizando-se do conceito BigData), blockchain e bitcoin. “Essas são algumas das tecnologias que já estão sendo testadas por organizações internacionais, para as quais as OSCs brasileiras precisam começar a se atentar”, finaliza.
Acesse
Confira a pesquisa na íntegra aqui.