Utilidade pública e OSCIP: como anda a qualificação?

Por: GIFE| Notícias| 07/06/2004

EDUARDO SZAZI
Consultor jurídico e sócio emérito do GIFE, autor do livro “”Terceiro Setor – Regulação no Brasil””

De acordo com os dados oficiais das áreas envolvidas no Ministério da Justiça, a qualificação de entidades sem fins lucrativos como OSCIP (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público) tem, desde 2002, consistentemente ganhado força e superado os pedidos de qualificação como Utilidade Pública Federal. Em 2003, foram outorgados 901 títulos de OSCIP, contra 761 de Utilidade Pública Federal.

Os dados demonstram que o crescimento das qualificações como OSCIP foi acompanhado também pelo aumento do número de indeferimentos. Em 2002, foram indeferidos 70 pedidos (1 negado para cada 7,7 deferidos). Em 2003, foram 483 (1 negado para cada 1,9 deferido). Este ano, o número de indeferimentos (164) supera o de deferimentos (148).

Utilidade Pública Federal
1999
2000
2001
2002
2003
declaradas
553
692
1.094
889
761
indeferidas
28
129
146
87
37
OSCIP
1999
2000
2001
2002
2003
2004
declaradas
123
83
252
541
901
164
indeferidas
8
231
110
70
483
148

Acredito que a situação não se deve a uma única causa. Se por um lado houve o aumento dos pedidos de organizações desinformadas quanto aos requisitos legais, por outro houve uma mudança de critérios no Ministério da Justiça, que passou a ser demasiado restritivo em sua interpretação da norma legal que, ressalte-se, é a mesma desde 1999.

Em meu entendimento, todas as organizações da sociedade civil dedicadas a uma causa pública deveriam ser OSCIPs e, dessa forma, o Ministério da Justiça, antes de dificultar, deveria facilitar a qualificação, contribuindo para o desenvolvimento do país. Por que digo isso? Com certeza, não é pelo fato de que as OSCIPs podem remunerar seus dirigentes ou ter acesso a recursos públicos por meio do termo de parceria, ou mesmo oferecer dedução fiscal das doações de empresas que as patrocinam. Com certeza não é.

Gostaria que todas as organizações fossem OSCIPs porque, se captam e gerem recursos, governamentais ou privados, destinados a uma causa de interesse público, devem aplicá-los com ética, eficiência, profissionalismo e transparência, e isso é legalmente exigido das OSCIPs, mas não o é das entidades não qualificadas.

Este aspecto, talvez não visível para todos, mas perceptível no setor, é a base da crescente preocupação de empresas em selecionar somente OSCIPs para receber apoio para seus projetos sociais. Mais e mais empresas se dão conta de que apoiar OSCIPs é, no mínimo, garantir que os recursos serão mais bem administrados.

A ação social contemporânea não é mais calcada na caridade e, portanto, na atuação descompromissada com os destinos dos assistidos. Hoje, as ações sociais de indivíduos e empresas são amparadas no conceito de responsabilidade social, onde o doador, deixando de ser um mero expectador – como o caridoso cidadão -, passa a ser um ator social exercendo sua quota-parte nos destinos de sua comunidade.

A partir dessa nova atitude pessoal do doador, surgiram novas expectativas sobre a atuação da entidade receptora. A doação descompromissada da caridade foi substituída pela doação engajada, pautada em práticas éticas e focada em resultados do investidor social.

Assim, as entidades do terceiro setor, em curto prazo de tempo, deixaram de ser provedoras de serviços sociais – e, portanto, voltadas apenas para o beneficiário, que sendo hiposuficiente aceitava o que lhe davam – para se tornarem mandatárias dos investidores sociais, administrando valores de terceiros dados à causa de interesse público que advogam e, dessa forma, tendo o dever de prestar contas aos seus patrocinadores, cada vez mais criteriosos e sempre em busca de maior eficiência social.

Estes novos paradigmas – interesse público, investimento social, transparência e ética na gestão, prestação de contas e eficiência – não estão abrangidos no velho regime da utilidade pública concebido nos anos 30 sob a égide de um governo paternalista. A lei das OSCIPs (Lei nº 9790/99) pretendeu trazer a lume o novo perfil desejado para as entidades do terceiro setor: organizações que pautam sua atuação por princípios éticos de gestão, administradas por profissionais qualificados, capazes de planejar estrategicamente suas ações e desenvolver programas de interesse público eficazes, usando com eficiência os recursos que lhe forem alocados.

Este novo perfil, tão desejado pelo investidor privado, também passou a sê-lo pelo parceiro público, que tinha nos convênios um instrumento inadequado para aferir a eficácia da ação e a eficiência da aplicação dos recursos, posto que concebido apenas sob a ótica reducionista de prestação financeira de contas.

Por todo o exposto, havendo sido a lei das OSCIPs concebida para induzir a melhor gestão dos recursos aplicados em projetos de verdadeiro interesse público, é de total interesse da sociedade que a mesma seja festejada e prestigiada, pois beneficia não só o doador privado ou o parceiro governamental – que terão seus recursos melhor geridos – mas também, e principalmente, a sociedade brasileira, última beneficiária dos menores custos e melhores resultados nos projetos sociais que tanto lhe são necessários.

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